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Marcelo Zero: “Trump parece um celerado que lidera uma medíocre e insana Armada de Brancaleone. Mas tem poder econômico, financeiro, político e militar para fazer muito do que é aparente loucura. Há método, nessa aparente insanidade. Estamos em perigo”. Foto: Captura de tela vídeo

Trump e a América Latina

A América Latina não deverá viver um bom momento com o novo governo Trump.

A exceção, talvez, de alguns países com governos de extrema-direita, como o de Milei, na Argentina, os demais países da região deverão enfrentar tempos difíceis, principalmente aqueles que têm governos mais progressistas.

Em primeiro lugar, há se considerar que Trump e seu movimento de extrema-direita Maga têm uma visão muito negativa, até mesmo racista, da nossa região.

Para eles, a América Latina é uma fonte de graves problemas para os EUA, entre os quais se destacam a imigração ilegal (muito enfatizada na campanha trumpista), a criminalidade (associada por ele à imigração), o tráfico de drogas, o contrabando, a perda de empregos para cidadãos estadunidenses etc.

A bem da verdade, o establishment estadunidense sempre viu a América Latina como uma região vocacionada, pelo “destino manifesto” dos EUA, a ser dominada por essa potência hemisférica, a ser uma espécie de quintal geopolítico.

Saliente-se que, na famosa obra de Samuel P. Huntington, “The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order”, a civilização latino-americana aparece como uma espécie de forma inferior da civilização ocidental, dada à grande influência das culturas indígenas e africanas na região.

Contudo, essa visão discriminatória sobre a América Latina, embora seja histórica, é muito acentuada no trumpismo.

Há de se considerar que, para essa nova administração, Trump montou uma equipe de governo composta exclusivamente por indivíduos que lhe dedicam fidelidade canina e compartilham de seus anseios e de suas ideias, por mais disparatadas que sejam.

É uma espécie de tresloucada Armada Brancaleone, só que com enorme poder, nuclearizada e com apoio no Congresso. Não há, ou quase não há, quadros moderadores e experientes, nessa armada.

Trump promete expulsar migrantes de forma massiva e expedita, (aos milhões), fechar a fronteira com o México e voltar a investir na construção do famoso muro.

Nesse processo, até mesmo os pedidos de refúgio serão desconsiderados liminarmente, o que contraria a Convenção Internacional sobre Refugiados.

Caso o México, os países da América Central e os demais países da América Latina não contenham seus imigrantes ou não alinhem às políticas de Trump para a região, o novo presidente promete reagir duramente, inclusive com o aumento de até 100% nas tarifas de importação, ou com intervenções mais diretas nas nações da região e sanções de diversos tipos.

No caso específico, por exemplo, do Canal do Panamá, cujo controle passou às mãos do governo panamenho há mais de 25 anos, Trump promete retomá-lo à força, alegando, falsamente, que a China é quem o está controlando, de fato.

Essa ameaça clara e grave à soberania do Panamá é elucidativa de como será a política de Trump para a região.

Trump e o Projeto 2025, da Heritage Foundation, que ele renegou na campanha, mas que o guiará em sua nova administração, consideram que a América Latina, o antigo quintal dos EUA, é uma região que está sendo controlada rapidamente pela China, seus investimentos, seu comércio e seu projeto estratégico da Nova Rota da Seda.

Para Trump e para Marco Rubio, o próximo secretário de Estado, que odeia a esquerda latino-americana, isso é inaceitável. Os EUA terão de fazer uma contraofensiva geopolítica na nossa região.

Com efeito, em sua luta pela retomada da sua hegemonia unilateral e pela contenção China e de alguns aliados, como Rússia e o Irã, Trump vê como crucial o controle econômico e político da América Latina.

Trump quer reavivar a Doutrina Monroe. Afinal, a América Latina tem recursos estratégicos expressivos.
As três maiores reservas de lítio do mundo estão na América do Sul (1-Bolívia, 2-Argentina, 3-Chile).

O Brasil, por sua vez, tem a segunda maior reserva mundial de terras raras, fundamentais para o desenvolvimento de novos materiais críticos para a energia limpa e o desenvolvimento sustentável, e 98% das reservas internacionais de nióbio, além de muitas reservas de ferro, alumínio, cobalto, manganês e petróleo e gás. Essas últimas poderão ser ampliadas consideravelmente, caso a chamada Margem Equatorial possa ser explorada.

A Venezuela, por sua vez, tem as maiores reservas de petróleo do mundo. Chile e Peru detê m 36% das reservas mundiais de cobre.

Não bastasse, a América do Sul tem a maior floresta tropical do mundo, com vastos recursos fitogenéticos e zoogenéticos ainda sequer descobertos. Somente o Brasil, possui cerca de 13% da água doce do mundo e é o segundo maior produtor mundial de alimentos.

Trump abomina a ideia de que esses recursos e essas imensas potencialidades possam ser apropriadas pelo seu grande rival geoestratégico. Dessa forma, haverá, sim, uma forte ofensiva dos EUA na América Latina.

Mesmo o pobre Canadá, país pacífico, majoritariamente anglófono e branco, pertencente à civilização ocidental, segundo Samuel P. Huntington (ainda que com seu Québec católico e francês) e muito dependente dos EUA desperta a ira geopolítica de Trump, que diz que o Canadá está destinado a ser 51º estado estadunidense. “Convite” considerado ofensivo por todas as forças políticas canadenses.

A nova e agressiva doutrina Monroe entende-se até mesmo à Groelândia, ilha pertencente à pacata Dinamarca. Trata-se da maior ilha do mundo, com mais 2 milhões de quilômetros quadrados, repleta de água doce (8% da água doce do mundo) e de inúmeros recursos minerais, como terras raras, titânio, cobre, ouro, urânio etc.

Ademais, a Groelândia é vital para a chamada “disputa do Ártico”, estratégica para o domínio do comércio marítimo mundial.

Há três grandes disputas territoriais em curso no Ártico: a Passagem Noroeste (disputada desde 1969), o Mar de Beaufort (disputado desde 2004) e a Lomonosov Ridge (Cordilheira Lomonosov-disputada desde 2014).

A famosa Passagem Noroeste é atualmente objeto de uma disputa territorial entre os Estados Unidos e o Canadá. A passagem atravessa águas canadenses, que o Canadá deseja regular por razões ambientais, inclusive para decidir quais navios podem entrar.

Mas os Estados Unidos rejeitam essa abordagem, alegando que a passagem pertence “à comunidade internacional” e que, por consequência, os EUA podem usá-la livremente.

Antigamente, tal passagem permanecia totalmente congelada ou parcialmente congelada o ano inteiro. Agora, está se abrindo parte do ano.

Devido ao aquecimento global, há previsões de que a Passagem Noroeste poderá estar aberta à navegação durante grande parte do verão em menos de 10 anos.

Trata-se de uma nova rota marítima entre a Ásia e a Europa que reduziria em 5.000 quilômetros a rota atual, através do Canal do Panamá.

Os EUA querem controlá-la e usá-la, sem a anuência do Canadá.

O Canadá e os Estados Unidos também estão envolvidos numa disputa territorial sobre o Mar de Beaufort, uma parte do Oceano Ártico, desde 2004. Naquela época, os Estados Unidos estudaram parcelas do fundo do mar para exploração de recursos. Embora os dois lados (EUA e Canadá) tenham iniciado negociações sobre este assunto, em 2011, a disputa ainda não foi resolvida.

Já a cordilheira Lomonosov é uma cadeia montanhosa subaquática da crosta continental no Oceano Ártico. Ela se estende por 1.800 quilômetros entre as Ilhas da Nova Sibéria, sobre a parte central do oceano, até a Ilha Ellesmere, no Arquipélago Ártico Canadense. A largura da cordilheira Lomonosov varia de 60 a 200 quilômetros e ela se eleva de 3.300 a 3.700 metros acima do fundo do mar, que tem 4.200 metros de profundidade, em média.

Como o nome indica, foi descoberta por uma expedição soviética, em 1948.

A Federação Russa, em 20 de dezembro de 2001, apresentou reivindicação à Comissão das Nações Unidas sobre os Limites da Plataforma Continental, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (artigo 76, parágrafo 8).

O documento propõe estabelecer novos limites externos para a plataforma continental russa, além da zona anterior de 200 milhas náuticas (370 km), mas dentro do setor ártico russo. Algo que o Brasil também fez, frise-se.

Na reivindicação russa, ainda em estudo, um dos argumentos utilizados é o fato de que as cordilheiras subaquáticas de Lomonosov e Mendeleev são extensões do continente euroasiático.

Canadá e Dinamarca (a quem pertence a Groelândia), no entanto, reivindicam também partes dessa cordilheira e do fundo marinho do Ártico. Os EUA apoiam esses países, em suas disputas com a Rússia.

Assim, o que está em jogo, na disputa pela Groelândia, não diz respeito apenas a uma disputa por recursos naturais e por uma posição geográfica privilegiada, mas a algo mais estratégico: o domínio do Ártico e das novas rotas marítimas que surgem com o aquecimento global.

Muitos levam Trump na base da galhofa. Não deveriam.

Como disse, Trump parece um celerado que lidera uma medíocre e insana Armada de Brancaleone.

Mas é, evidentemente, muito mais do que isso. Tem poder econômico, financeiro, político e militar para fazer muito do que é aparente loucura. E, no seu último governo, não tem nada a perder.

Há método, nessa aparente insanidade.

Estamos em perigo.

Com informações do Viomundo

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