Governo de moralistas sem moral
Onyx Lorenzoni é moralista sem moral: notas de seu gabinete são indícios veementes de fraude. Por Joaquim de Carvalho
Um dia depois da denúncia de que o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, utilizou um suposto esquema de notas frias para desviar dinheiro da Câmara, a notícia praticamente desapareceu do noticiário.
Este é o modus operandi da velha imprensa: dá a notícia, provoca algum barulho e depois a faz desaparecer de seus veículos. Não foi assim com o PT e suas lideranças.
Lula ainda é submetido a horas de notícias negativas, com denúncias que, analisadas mais de perto, se revelam inconsistentes.
Onyx Lorenzoni pode ser inocente de todas as suspeitas levantadas contra ele — caixa 2 e desvio de recursos da Câmara.
Mas, nesse caso, o comportamento da imprensa é oposto ao que se verificou em relação a Lula: ninguém vai a fundo.
O ministro de Bolsonaro usou 80 notas fiscais de uma empresa de consultoria pertencente a um velho amigo, César Augusto Ferrão Marques, para receber RS 317 mil em verbas de gabinete da Câmara dos Deputados entre os anos de 2009 e 2018.
Entre as 80 notas, 29 foram emitidas em sequência, o que indica que Onyx teria sido o único cliente da firma.
Cesar Augusto Ferrão Marques, técnico em contabilidade filiado ao DEM, o partido de Onyx, também trabalhou em campanhas políticas do parlamentar, e é o responsável pela contabilidade do DEM no Rio Grande do Sul, diretório do qual Onyx é o presidente.
Há farta jurisprudência que indica que a emissão de notas fiscais em sequência para um único cliente é indício veemente de fraude.
Um exemplo: O Superior Tribunal de Justiça, examinando uma condenação por sonegação, manteve a sentença, entre outros motivos, porque viu na prática uma forma de burla à legislação:
Há, ainda, inequívoca constatação nos autos de que os números das notas fiscais de fls. 24/25 e fls. 61/62, possuem números de selos fiscais quase seqüenciais, com diferença apenas de um número, enquanto os números das notas fiscais de fls. 57/60, estão com selos fiscais apostos em número seqüencial. Percebe-se, ainda, o lapso de tempo entre as datas de emissão das respectivas notas fiscais, variando em torno de 10 a 20 dias, o que faz concluir que as empresas fornecedoras de produtos não tivessem outros clientes, além da empresa do apelante, beneficiada com a fraude.
No caso de Lorenzoni, a suspeita é que as notas servissem de justificativa para desviar recursos da Câmara dos Deputados. Não havia efetiva prestação de serviços, apenas o fornecimento da nota.
É grave.
No caso de Lorenzoni, mais grave ainda, porque ele passou boa parte de sua carreira politica com discursos moralistas, a partir das CPIs do mensalão, em 2005.
Em junho de 2016, convidado por uma fundação ligada a um partido de direita na Alemanha, Onyx falou sobre o combate à corrupção na América Latina.
Onyx dá um jeito de enfiar o “Foro de São Paulo” na discussão.
“O Foro de São Paulo é uma organização dos partidos de esquerda criada no Brasil e é, a partir daí, que se vê porque surgiram Chávez, Evo Morales, Lula e outros na América latina”, afirma.
Em seguida, sem fazer nenhuma ligação entre um fato e outro, diz que o PT se financiava “na parte mais escura da economia”, como “o jogo do bicho, o lixo e as empresas de ônibus”.
Uma das pessoas empresas não se contém:
“Mentira!”
Outro grita:
“Golpista!”
Outros desabafam, em alemão.
Lorenzoni diz que ele é o autor da lavagem de dinheiro no Brasil e diz que, para elaborá-la, contou com a orientação de Sergio Moro.
Não é o que dizem registros históricos.
A legislação, que tem origem em 1998, foi aperfeiçoada no governo de Dilma Rousseff, em 2012, a partir de iniciativas do próprio governo.
Lembrado desse fato na palestra em Hamburgo, Lorenzoni reconhece:
“É parcialmente verdadeiro”.
Se Lorenzoni fosse o autor da lei de lavagem de dinheiro, provavelmente ele não seria tão descuidado na gestão das finanças de seu gabinete.
Ele já foi pego na utilização de caixa 2 na campanha, uma modalidade de lavagem de dinheiro, e agora no uso de notas sequenciais em série para justificar retirada de dinheiro público.
Na palestra, ele pontifica:
“Quero deixar claro que se envolver em corrupção é uma escolha. Eu tenho 21 anos de vida pública, vou fazer 22 agora em dezembro. E não eu tenho um arranho. Eu escolhi ser assim”.
Bastaram
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