PUBLICADO ORIGINALMENTE NO EMPÓRIO DO DIREITO
Lamentável. Hoje encontramos textos, nos principais blogs e sites da internet, expondo alguns membros do Ministério Público Federal a críticas contundentes e mesmo ofensas antes inimagináveis.
Como diz o ditado popular: “estão experimentando do próprio veneno”. Buscaram os holofotes e a notoriedade fácil, usaram o processo penal como forma de autopromoção e correram freneticamente para as “famosas” entrevistas coletivas. Voluntarismos e vaidades expostos publicamente.
Como se sabe, houve uma estratégia muito bem estruturada para convencer a opinião pública de que os fins justificam os meios, vale dizer, para combater a corrupção, temos de usar regras especiais, temos de flexibilizar alguns direitos fundamentais da cidadania. Foram feitos “acordos” com os principais meios de comunicação de massa para respaldo de suas atividades persecutórias, algumas de legalidade altamente questionáveis.
Na verdade, este sistema de publicidade saiu do controle e acabamos passando do chamado “processo penal do espetáculo” para o “processo penal da humilhação”, do qual foi vítima o saudoso reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina.
A sede de poder levou alguns jovens Procuradores da República a tentar influenciar o nosso processo legislativo e até mesmo influenciar julgamentos do S.T.F. Deslumbramento total e ingênuo.
Ademais, o Ministério Público Federal busca amplos poderes discricionários em nosso sistema de justiça criminal, chegando a aplicar, em nosso país, institutos processuais e teorias jurídicas norte americanas, totalmente incompatíveis com nosso sistema processual (civil law), numa ousadia sem par.
Na minha opinião, quem mais contribuiu para este lamentável “estado de coisas”, quem mais contribuiu para esta nefasta “exposição do Ministério Público” perante a opinião pública foram os Procuradores da República Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot, seja por suas sanhas punitivistas, seja pela criação de acordos de cooperação premiada inusitados, cujos conteúdos violavam flagrantemente o que está expresso no Código Penal e na Lei de Execução Penal.
Na verdade, o Ministério Público Federal passa a adotar “o negociado sobre o legislado”, criando absoluta insegurança jurídica e se arvorando a ter “poderes imperiais”.
Estes membros do Ministério Público buscam ampliar a discricionariedade, em nosso sistema de justiça criminal, para poderem desempenhar poderes autoritários sem efetivo controle externo. Estas posturas messiânicas são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito e chegam a se aproximar do trágico e obscuro fascismo.
Agora, quando as “coisas” começarem a ficar esclarecidas, estes Procuradores voltarão ao merecido anonimato, deixando sequelas indeléveis para a nossa Instituição. O Ministério Público virou um “monstro”, amado por uns e odiado por muitos. Ele passou para um lado ideológico da nossa sociedade.
Chegamos ao ponto de o Conselho Superior do Ministério Público resolver legislar sobre o Direito Processual Penal, criando um sistema processual paralelo ao que está disciplinado no atual Código de Proc. Penal (veja a resolução 181/17). Através de uma mera resolução, procura-se introduzir, em nosso sistema processual, a insólita e temerária “plea bargaining”, própria do sistema da “common law”.
Destarte, o voluntarismo juvenil de alguns membros do Ministério Público, resultante, um pouco, de falta de cultura e formação social e política, está “afundando” esta importante Instituição. Não vamos perdoá-los, pois dedicamos 31 anos para ajudar a consolidação de um Ministério Público verdadeiramente democrático.
Lamentavelmente, o fanático corporativismo das entidades de classe impediu que este nefasto rumo fosse objeto de debate e crítica. Ao contrário, mal representado, o Ministério Público permaneceu cego a esta realidade. Faço expressa ressalva ao nosso “Coletivo Transforma Ministério Público”, que jamais compactuou com este deletério estado de coisas.
Eu avisei. Eu adverti. Até tivemos Procurador da República preso preventivamente e Procurador Geral da República em situações embaraçosas, dentre inúmeras situações comprometedoras desta importante Instituição. Em breve, infelizmente, teremos sequelas no plano legislativo.
Acho que, mudando o que pode ser mudado, o que dissemos sobre o Ministério Público vale também para o Poder Judiciário, que caiu em total descrédito da opinião pública, graças ao seu desmedido ativismo judicial.
Para esta situação deletéria, muito contribuiu o Supremo Tribunal Federal, seja pela pública assunção de posições ideológicas de alguns de seus ministros, seja por adotar uma postura de abstenção em relação a julgamentos importantes, capazes de barrar estes “exageros” do que se convencionou chamar de Lava Jato.
Processos relevantes não são pautados em tempo hábil e ministros pedem vista de processos com a finalidade de retardar, indefinidamente, o final dos julgamentos. Cuida-se do que chamei de “ativismo judicial por omissão”.
Assim, o Supremo Tribunal Federal assumiu, de forma expressa, que apoia a Lava Jato, que está empenhado em “combater a corrupção”. Ora, quando o mais alto tribunal do país se alinha a uma “política” de combater algo, abdica da necessária posição processual de imparcialidade e nos dá a sensação de que estamos diante de “um vale tudo”.
Em resumo: quando Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário se alinham em uma determinada “trincheira” para combaterem juntos um determinado desvalor social, o Estado de Direito já não mais existe ou não mais garante os direitos fundamentais das pessoas, como ocorre nas terríveis ditaduras.
Termino citando, mais uma vez, o grande poeta Bertold Brecht: “a cadela do fascismo está sempre no cio” …
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Afrânio Silva Jardim é Professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.