Coalizão republicana impede vitória da extrema direita na França
Uma frente republicana impediu que a Reunião Nacional, grupo de extrema direita, vencesse a eleição legislativa na França.
Com a apuração encerrada, os partidos de esquerda, centro e ecologistas se uniram e conseguiram barrar a onda populista que ameaçava ficar em primeiro lugar e chegar ao poder pela primeira vez desde a ocupação nazista da França, na Segunda Guerra Mundial.
Horas depois, a Place de la République, em Paris, estava tomada por militantes, ativistas e por parte da população francesa que comemoraram a derrota do movimento ultraconservador.
A liderança ficou com a Coalizão de Esquerda, que obteve o maior número de assentos.
A extrema direita terminou em terceiro lugar. Ainda assim, dobrou seu número de assentos.
Para observadores e cientistas políticos, trata-se da maior surpresa eleitoral da história da França.
Mas tudo indica que os resultados abrem um período de profunda incerteza política num país dividido.
Nenhum grupo ficou próximo de obter assentos suficientes para formar uma maioria absoluta no Legislativo.
O presidente Emmanuel Macron, cuja coalizão ficou em segundo lugar, sinalizou que não vai tomar medidas imediatas e que irá esperar até o dia 18 de julho, quando a Assembleia Nacional se reúne em sua nova formação.
Macron indicou que vai “esperar a estruturação da nova Assembleia para tomar as decisões necessárias”.
Na terça-feira, viaja para Washington para a cúpula da Otan.
Como ficaram os resultados
A coalizão de partidos de esquerda chegou em primeiro lugar, com 182 cadeiras na Assembleia Nacional.
A coalizão de partidos aliados a Macron terminou com 168 cadeiras.
A Reunião Nacional, que havia terminado o primeiro turno no topo, acabou apenas em terceiro lugar, com 143 assentos.
Esquerda reivindica assumir governo
Jean-Luc Mélenchon, chefe do grupo de esquerda França Insubmissa, fez um apelo para que o presidente Emmanuel Macron convoque seu grupo a formar um governo, sinalizando a volta da coabitação na política francesa. Segundo ele, a esquerda não abrirá mão dessa condição.
“Estamos prontos para governar”, disse Mélenchon. Ele, porém não tem maioria para formar um governo, de maneira automática.
“Os franceses disseram não à extrema direita”, disse Olivier Faure, primeiro secretário do Partido Socialista, que faz parte da coalizão de esquerda.
“Evitamos o pior”, afirmou. Faure admitiu que não tem uma maioria absoluta. Mas sugeriu que Macron reconheça sua derrota e que permita que a esquerda possa escolher um primeiro-ministro.
François Hollande, ex-presidente socialista e eleito como deputado, destacou como a coalizão de Macron perdeu “dezenas de assentos” e que, mesmo sem maioria absoluta, a esquerda deve governar.
Primeiro-ministro renuncia
O campo presidencial, porém, não garantiu que irá conceder o cargo de chefe de governo para Mélenchon.
Gerald Darmanin, ministro do Interior de Macron, não disfarçava a satisfação ao comentar a derrota da extrema direita. Mas alertou que não se trata de um cargo automático para a esquerda.
“Hoje, ninguém pode dizer que venceu. A maioria do presidente continua sólida”, disse.
Gabriel Attal, primeiro-ministro de Macron, também sinalizou que os riscos de um governo de extrema direita ou de extrema esquerda foram evitados. “Nenhuma maioria pode ser feita pelos extremos”, disse.
Attal anunciou que entrega seu cargo nesta segunda-feira e apresenta sua renúncia, diante da falta de uma maioria para os aliados de Macron.
Mas admitiu que “muitos franceses sentem a incerteza” prestes a receber o mundo para os Jogos OIímpicos e diz estar à disposição para administrar o país até que um novo governo seja implementado.
Ao fazer seu pronunciamento, Attal deixou claro que a dissolução da Assembleia feita por Macron não era sua opção, numa declaração que mostrou seu distanciamento em relação ao presidente.
O processo da escolha de um governo, agora, depende de uma negociação entre Macron e a Coalizão de Esquerda.
A tradição aponta que o presidente convida o partido em primeiro lugar a iniciar um processo de escolha de um governo. Mas, neste caso, trata-se de um grupo que não terá maioria e terá dificuldades para aprovar leis e, portanto, para governar.
‘Cordão sanitário’ funciona pela quarta vez
O resultado eleitoral foi consequência de um pacto para criar um “cordão sanitário” contra os ultraconservadores no segundo turno.
De fato, essa foi a quarta vez que uma frente republicana funcionou para barrar a extrema direita, depois de também se unir nas eleições de 2002, 2017 e 2022.
Ainda assim, a extrema direita conseguiu ampliar de forma importante sua participação política. No primeiro turno, o grupo de Marine Le Pen havia chegado em primeiro lugar e, mesmo chegando em terceiro lugar, dobra de tamanho no parlamento.
Mais de 220 políticos de esquerda ou de centro aceitaram desistir de suas candidaturas, na esperança de que seus votos fossem transferidos para o melhor colocado que tivesse chance de barrar a eleição de um representante da extrema direita.
A eleição para os 577 representantes na Assembleia é distrital. Foram para as urnas neste domingo todos os candidatos que obtiveram mais de 12% dos votos no primeiro turno.
Extrema direita denuncia ‘acordos nojentos’
Tentando esconder sua frustração, a líder da extrema direita, Marine Le Pen, disse que a vitória do RN “foi apenas adiada”. Apesar dos números não indicarem nessa direção, ela insistiu que seu movimento é “líder” na França.
“A maré está subindo. Não subiu o suficiente desta vez, mas continua subindo e, como resultado, nossa vitória foi apenas adiada”, insistiu. “Tenho muita experiência para ficar desapontada com um resultado em que dobramos nosso número de deputados”, completou.
Jordan Bardella, que esperava ser o primeiro-ministro da extrema direita, denunciou a desinformação contra seu campo e insistiu que o avanço do RN foi o maior em sua história.
“A aliança da desonra (entre os partidos) e acordos eleitorais impediram que os franceses obtivessem as reformas que pedem”, disse. “A França agora está nos braços da extrema esquerda”, afirmou.
Bardella também criticou Macron por abrir um período de incertezas. “Os arranjos orquestrados pelo presidente isolado e uma esquerda incendiária levarão o país a lugar algum”, disse.
“São acordos nojentos que foram feitos contra nós”, disse o porta-voz do grupo RN, Julien Odoul.
Tensão
O segundo turno, realizado neste domingo, foi marcado por mais de 30 mil soldados e policiais nas ruas e por um alerta por parte de acadêmicos, jogadores e artistas sobre os riscos que a França correria caso a extrema direita saísse vencedora.
O voto na França não é obrigatório. Mas a participação foi a mais elevada em décadas.
A eleição foi convocada pelo presidente Emmanuel Macron, depois que a extrema direita venceu o pleito para o Parlamento Europeu, no mês passado.
Sua decisão de dissolver a Assembleia Nacional causou choque e incompreensão. Seu argumento era de que os franceses não votariam da mesma forma numa eleição nacional.
Ingovernável
Com a formação de um parlamento fragmentado e com a maioria presidencial abalada, as previsões também indicam que os últimos três anos da presidência de Emmanuel Macron prometem ser marcadas por um enfraquecimento do chefe de estado.
Macron tem um desafio a partir de agora: organizar uma coalizão capaz de criar uma certa estabilidade.
A outra opção é a de nomear um governo técnico, formado por economistas e personalidades, até que haja um entendimento entre os partidos para a nomeação de um primeiro-ministro.
Extrema direita quer poder em 2027
Ainda que tenha fracassado, o movimento de Marine Le Pen tentará pautar o debate nacional, apresentar projetos e se preparar para a campanha para a presidência em 2027.
A RN, herdeira direta de grupos xenófobos e polêmicos, decidiu moderar seu discurso para ampliar sua capacidade de atrair votos.
Houve uma ofensiva para “limpar” a imagem do bloco, evitar discursos de ódio e insistir que o centro do debate é a capacidade de renda e qualidade de vida dos franceses.
Mas a mudança estética não alterou seu programa, com propostas claras de expulsão de estrangeiros, limitar certos cargos para pessoas apenas com a nacionalidade francesa, refazer o currículo escolar para insistir uma educação mais nacionalista e ampliar as respostas contra o multiculturalismo.
Com informações da Agência Brasília
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