POR ANDREI MEIRELLES
As emendas nem sempre melhoram os sonetos. A pretexto de esclarecer a desastrada frase “democracia e liberdade só existem quando a sua respectiva Forças Armadas quer (sic)”, pronunciada horas antes em uma solenidade militar, Jair Bolsonaro gravou um live em sua página no Facebook em companhia dos generais Augusto Heleno e Otávio Rêgo Barros. Mais que pelo visível constrangimento geral, a cena soou patética, além de remendos capengas, pelas barafunda na hierarquia.
Um presidente da República não precisa de assessores para, sentados a seu lado, traduzir o que ele quis dizer em uma frase solta em um discurso de improviso, por “estar dando origem às mais variadas interpretações possíveis”. Em vez de explicar o que exatamente quis dizer, repassou ao “mais antigo, mais idoso, mais experiente” general Heleno, ministro-chefe do seu Gabinete de Segurança Institucional, a resposta se a frase era ou não polêmica.
O general Heleno, até então meio encolhido a seu lado, emendou de primeira: ‘É Claro que não. Isso não tem nada de polêmico. Ao contrário. Suas palavras foram ditas de improviso diante de uma tropa qualificada”. E seguiu adiante tentando enquadrar a bobagem dita pelo chefe no papel das Forças Armadas claramente definido na Constituição, após longas discussões. Durante a esticada fala do general Heleno, Bolsonaro, incomodado, punha e tirava os óculos. Ao final, quando ia retomar a palavra, o general Rêgo Barros também resolveu dar seu recado.
Nas redes sociais, pipocaram palpites de que Bolsonaro teria sido enquadrado por seu time de generais e o tal live no Facebook seria a comprovação disso. Não foi bem assim. Evidente que a repercussão negativa do disparate dito na festa de aniversário dos fuzileiros navais também pegou mal entre os chefes militares, apesar de expressar o que pensa uma parte dos oficiais do Exército.
Como sempre, o primeiro a por panos quentes dizendo que Bolsonaro teria sido mal interpretado foi o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República. Nos últimos anos, o general Mourão foi a encarnação da linha-dura, o risco de um golpe militar. Hoje, ele se apresenta todo paz e amor. Ganhou até o apelido de “Mozão”.
Esse papel de bombeiro desempenhado por Mourão causa uma ciumeira no clã Bolsonaro e na turma que segue o ideólogo Olavo de Carvalho. Na ótica deles, Mourão joga para agradar o establishment formado pela grande mídia e as elites políticas e econômicas e culturais. Estaria atuando para domesticar Jair Bolsonaro, tornando-o mais palatável para quem dá as cartas no jogo global sob inspiração de forças de esquerda.
Carlos Bolsonaro, o filho pitbull, foi o primeiro a bater de frente com o general Mourão. Exagerou na dose ao insinuar que ele poderia ter interesse na morte de seu pai. Teve que baixar a bola. Quem assumiu a linha de frente foi Olavo de Carvalho. Em sucessivos posts, ele adverte Bolsonaro sob o risco de uma parceria com Mourão. “Se o presidente continuar aceitando atitudes traidoras e acintosas do seu vice, seu governo não vai durar muito. O general Mourão é obviamente um agente da esquerda infiltrado no governo”.
Em seu papel de guru do governo, em que nomeou ministros e demite desafetos, Olavo de Carvalho fez uma cobrança direta do presidente da República: “O Bolsonaro está dando mais atenção gentil aos seus inimigos do que ao povo que o elegeu. Isso é suicídio. Ou ele vira as costas aos fofoqueiros e fala ao povo uma vez por semana, ou pode se considerar derrotado desde já”.
Recado dado, recado aceito. Nessa quinta-feira, enquanto tentava contornar as crises criadas por ele próprio nos últimos dias, Jair Bolsonaro anunciou que terá canal direto de comunicação com a população. ” Nós pretendemos toda quinta-feira, às 18h30, fazer uma live, com os assuntos mais importantes da semana”.
O fato é que Bolsonaro vai continuar mantendo um pé em cada uma dessas canoas. Vai continuar pregando, em ligação direta via redes sociais, uma pauta que agrade os conservadores de todos os matizes que o apoiam. Quer fazer isso mantendo o respaldo militar, o apoio dos empresários com as reformas de Paulo Guedes, e a torcida popular para que o combate de Sérgio Moro à corrupção e ao crime organizado dê certo.
Para manter esse amplo arco, e conseguir o necessário apoio do Congresso para aprovar as reformas econômicas e o pacote anti-crime de Moro, Bolsonaro vai ter que, além de conter os próprios filhos, parar de criar problema para si próprio. Desde a campanha eleitoral a turma que organizou seu projeto de governo e o plano de transição espera que ele baixe essa bola.
Mesmo se retratando aqui e ali, o presidente e sua família não dão mostras de que pretendam tirar o pé do acelerador.
A conferir.
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