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O alerta de Jamil Chade e o combate ao nazismo bolsonarista pelas redes digitais

Por Jair de Souza*

Em sua coluna no portal UOL de 04/02/2023, o renomado correspondente internacional Jamil Chade faz uma séria advertência àqueles que tendem a subestimar a capacidade destrutiva da extrema direita, tanto no Brasil como pelo mundo afora.

Jamil Chade considera que o Ministro do STF Alexandre de Moraes comete um grave erro ao equiparar a articulação golpista vinda à tona com as declarações do senador bolsonarista Marcos do Val a uma operação “tabajara”, naquele sentido em que o termo “tabajara” se popularizou na antiga série humorística Casseta e Planeta, ou seja, como coisa mal feita, produzida de modo amadorístico e de nula efetividade.

Segundo o jornalista, Alexandre de Moraes parece não estar dando a devida atenção à capacidade que as atuais redes de comunicação social (Whatsapp, Facebook, Instagram, Telegram, Twitter, Youtube, etc.) têm de potencializar essas manifestações extremistas do nazismo bolsonarista e transformá-las em ameaças reais ao sistema democrático.

Como o uso das redes digitais sociais se tornou um tema candente em relação à disputa comunicacional dos tempos atuais, vamos tomar por motivação essa advertência, e procurar aprofundar um pouco nosso conhecimento sobre o assunto com o propósito de encontrar maneiras que ajudem ao campo popular a melhorar sua capacidade de atuação nesses espaços que ainda nos são pouco familiares.

Nas últimas décadas, o campo da batalha ideológica entre as diferentes classes sociais sofreu enormes transformações. Os instrumentos utilizados para a conquista da mente da população ganharam novos contornos.

Os jornais impressos, o rádio e a televisão tiveram seus pesos relativos significativamente reduzidos em função da entrada em cena dos meios digitais operados pela internet.

Com o avanço e massiva popularização da internet no Brasil e no mundo, grande parte dos combates por ideias e proposições de cunho político são agora travados nas redes sociais, ou seja, por Whatsapp, Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, etc.

Contudo, se num primeiro momento havia a crença de que essas novas ferramentas poderiam apontar no rumo de uma ruptura com o domínio oligopolístico dos meios de comunicação, em pouco tempo, esta expectativa se desvaneceu. O panorama atual parece ser até mais sombrio do que já era.

O risco da sujeição da comunicação aos desígnios do grande capital está longe de ter desaparecido. Na verdade, esse risco foi acentuado, e com o agravante de o comando operacional estar agora centralizado fora de nosso país.

O controle absoluto das plataformas das redes e o acesso exclusivo aos algoritmos de navegação por parte de gigantescas corporações multinacionais acabaram por dotar um reduzido número de conglomerados (quase sempre sediados nos centros hegemônicos do capitalismo) com uma considerável capacidade de interferir, gerir e influir no comportamento de enormes contingentes de seres humanos, entre os quais a população brasileira.

Foi com base nesta nova conjuntura comunicacional que certas forças políticas de extrema direita muito funcionais ao capitalismo mais excludente puderam se articular e ganhar dimensões até então inimagináveis.

É o que ocorreu, por exemplo, com o nazismo bolsonarista brasileiro, que até pouquíssimo tempo atrás era algo completamente inexpressivo.

Para todos os que têm a perspectiva de alentar o povo a se incorporar ativamente na luta por sua emancipação social, fica evidente que o contato pessoal e direto do ativista político com seu público alvo continua a exercer um papel muito relevante, e não deveria jamais ser menosprezado.

No entanto, cairíamos em sério erro se, nos dias de hoje, abdicássemos de participar ativamente nas redes sociais e nos concentrássemos única e exclusivamente numa interação militante pessoal e direta com as bases.

Porém, é inegável que as dificuldades que nós da esquerda estamos enfrentando para sedimentar nossas posições junto às comunidades não têm nada a ver com o tal “pecado” da dedicação exclusiva ao contato direto com nossa população.

A bem da verdade, o que vem ocorrendo é justamente o oposto disto, sendo nosso crescente afastamento e ausência dos locais de trabalho e moradia daqueles a quem nos propomos servir um dos principais complicadores.

De qualquer maneira, o que vai nos ficando mais claro a cada dia é que já não basta com que retomemos o tão necessário trabalho de base com contato pessoal direto. Também se tornou imperativo e indispensável nossa presença constante e assertiva nas grandes redes sociais de comunicação.

Quanto a isto, um dos mais sérios entraves à participação efetiva e frutífera das forças políticas de esquerda está relacionado com o controle e disponibilização do acesso aos chamados algoritmos comunicacionais. Até o momento, o campo popular se vê inteiramente impedido de tirar proveito dos mesmos.

Não obstante, enquanto estamos à espera de que as autoridades responsáveis pela comunicação do novo governo democrático-popular comecem a tomar medidas que impeçam que a fábrica de zumbis estruturada a partir das redes digitais continue funcionando para atender os desígnios do nazismo bolsonarista e de seus mentores do grande capital, muitas coisas podem ser feitas pelos ativistas políticos do campo popular no sentido de impedir o avanço dessa nefasta ideologia do nazismo bolsonarista e minorar os desastrosos efeitos por ela causados em boa parte de nossa população.

Em vista das anteriores observações, gostaria de fazer algumas sugestões no espaço deste texto para ressaltar a importância de atuar intensamente na luta política através da internet e, assim, confrontar a avalanche de mentiras, preconceitos e terrorismo direitistas que vem assolando as redes digitais com o propósito de criar uma verdadeira realidade paralela, na qual impera o obscurantismo, o preconceito e o ódio de classe contra os mais humildes.

Tudo isso, sem deixar de reiterar a necessidade de reforçar nosso trabalho social corpo a corpo em seu sentido tradicional.

Atuar nas redes sociais digitais com plena consciência e convicção requer, em primeiro lugar, a compreensão de que nossa militância ocupa um espaço inteiramente comprometido com a luta em defesa dos interesses de nossas maiorias trabalhadoras e, em consequência, do conjunto de nosso povo.

No entanto, como frequentemente nos enfrentamos com bolsonaristas e outros adversários de visões políticas diametralmente opostas às nossas, também é importante que tenhamos clareza de quais são as principais características de nossos contrincantes e quais os interesses de classe por eles defendidos.

Muitas vezes, recorremos às expressões linguísticas “de esquerda” e “de direita” visando elucidar os setores em conflito. Mas, se os termos usados estiverem desprovidos de substância classista e, por isso, seus emissores e receptores não tiverem plena consciência daquilo que lhes dá embasamento semântico, isto pode redundar em uma mera perda de tempo.

Em outras palavras, quem admite ser “de esquerda” precisa obrigatoriamente entender seu compromisso com as lutas dos trabalhadores pela garantia da satisfação de suas reivindicações e da construção de seu futuro de dignidade.

Já, quem se assume “de direita” precisa recordar, ou ser recordado, que tomou o lado dos poderosos em contraposição às aspirações das maiorias populares.

Em razão do contexto histórico em que surgiram, as expressões políticas relacionadas com a “esquerda” e a “direita” estão eivadas de conotações de luta de classes, que não deveriam ser simplesmente ignoradas. Elas só existem e fazem sentido se soubermos apreciar com nitidez o que queremos dizer quando as utilizamos.

A observação que acaba de ser feita serve para dar ideia de como parece ser carente de justificativa conceitual a existência de trabalhadores que se assumem como “de direita”.

Em outras palavras, um trabalhador que aceite considerar-se como “de direita” precisa ser informado de que está adotando a condição de defensor dos interesses da classe patronal.

Portanto, para todos os efeitos práticos, um trabalhador direitista é tão somente um servidor das causas do grande capital ou, em termos mais populares, um puxa-saco de patrão.

É importante que tenhamos boa compreensão deste significado semântico, uma vez que, nos debates que travamos pela internet, nossos mais raivosos oponentes muito raramente são eles mesmos membros das camadas mais pudentes da sociedade. Ou, para expressá-lo de maneira mais clara, eles quase nunca são integrantes efetivos das classes cujos interesses se esmeram por defender.

Em vista disto, podemos imaginar a estranheza que nos causaria se, ao ir atrás daquele nome fictício que se confronta conosco pelas redes digitais, nos deparássemos com um latifundiário, um grande industrial ou um banqueiro, que teria deixado em segundo plano as preocupações diretamente relacionadas com a geração de lucros em seus negócios para gastar seu tempo com os xingamentos e bate-bocas tão característicos dos conflitos políticos travados pela internet.

Nenhum milionário que se preze como tal iria acumular seus milhões para se ver atrapado neste árduo e desgastante trabalho de proselitismo.

Não há dúvidas de que, para tais tarefas, eles sabem muito bem como usar seu dinheiro para terceirizar a atividade com o emprego de gente de camadas sociais subalternas.

Em outras palavras, quem de fato executa o trabalho pesado de defesa dos interesses dos ricos e poderosos nas redes digitais são, via de regra, pessoas que, por sua origem e condição social, também integram aquelas mesmas categorias que nós da esquerda pretendemos representar e defender: nomeadamente, a classe trabalhadora, a classe média e aqueles a quem o sociólogo Jesse Souza convencionou chamar de “ralé”.

Em razão do que acabamos de citar, deveríamos evitar descarregar sobre aquele que se apresenta como nosso adversário direto numa contenda pela rede todo o nutrido ódio que justa e racionalmente sentimos contra os grandes exploradores do povo trabalhador, ou seja, os reais causadores das injustiças contra as quais nos comprometemos lutar incansavelmente.

Na medida do possível, deveríamos nos esforçar para deixar evidente a nosso próprio contendor eventual que tanto ele como sua família também fazem parte de nossa preocupação social e, portanto, teriam muito mais a ganhar com as propostas por nós encampadas do que com aquelas que ele teima em sustentar. Nossa argumentação precisa ser amparada e norteada numa clara compreensão da luta de classes.

Uma boa dose de paciência revolucionária sempre se faz necessária. Como já explicamos, as classes dominantes, oportunisticamente, se valem de elementos de fora de sua própria categoria para realizar o trabalho ideológico a seu favor.

Por mais ódio que o agente direitista procure verter sobre nós, nunca deveríamos revidar no mesmo estilo.

2Não nos cabe ofendê-lo, ou humilhá-lo, para saciar nossa sede de vingança. Isto não condiz com nosso feitio nem com nosso objetivo.

O desejo de aniquilar e eliminar o oponente ideológico por qualquer meio é, sim, algo típico da direita, daqueles que não prezam a justiça e nem respeitam a dignidade humana de seus opositores. É próprio daqueles que cultuam preconceitos sem nenhuma preocupação com os sentimentos alheios.

Não nos interessa ganhar o debate com a destruição física ou moral da pessoa com a qual nos confrontamos nas redes.

O que almejamos é derrotar fragorosamente a perversidade da ideologia reacionária que os mentores intelectuais das classes dominantes e seus serviçais tratam de disseminar por toda nossa população no intuito de manipulá-la.

Vamos nos empenhar para travar o combate contra essas ideias combinando, na medida do possível, atividades diretas de contato pessoal com uma participação constante em mensagens que difundam nossas propostas pelas redes sociais da internet.

Nunca deveríamos deixar de levar em conta que, nos embates travados em plataformas específicas nas redes sociais digitais contra operadores políticos a serviço das classes dominantes, o principal alvo das mensagens que transmitimos não é a figura do debatedor direitista em si.

Nossa prioridade sempre deve ser sensibilizar o grande número de pessoas que pode estar acompanhando o debate pela rede. Portanto, mais do que convencer ou derrotar a pessoa com quem fazemos a disputa direta, nosso principal objetivo deve ser trazer para nosso lado todos ou boa parte daqueles que nos estão observando.

Como procuramos ilustrar, na atualidade, o trabalho do militante político que pretende se colocar a serviço das maiorias trabalhadoras não pode ignorar a necessidade e a importância de seu engajamento com as redes sociais de comunicação e seu imenso alcance.

Contudo, é de muita relevância que essa militância digital esteja acompanhada, coordenada e sintonizada com o trabalho de base pessoal e direto junto às comunidades com as quais pretendemos interagir. Sem esta atuação combinada, tanto nosso trabalho de base como nossa atividade digital terão reduzida sua efetividade.

Ainda que estejamos dispostos a dar a vida por nosso ideal de servir ao povo mais necessitado, jamais podemos pretender realizar sozinhos a luta em seu nome.

Não podemos e não devemos substituir o povo nessas lutas, e sim procurar ajudá-lo a encontrar maneiras de se engajar ativamente no processo. Nosso papel é lutar com o povo, pela causa do povo, e não em lugar do povo.

Em resumo, diríamos que o papel prioritário do militante do campo popular é usar sua capacidade física e mental para contribuir com o processo de conscientização e organização das massas trabalhadoras e do povo em seu conjunto, para que sejam estes os que venham a assumir a responsabilidade maior na condução da luta.

O alerta feito pelo  jornalista Jamil Chade veio bem de encontro a essa exigência. Precisamos aproveitá-lo para dar novos passos significativos no rumo da construção de uma sociedade mais justa e digna para nossas maiorias trabalhadoras.

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

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