Por Pedro Augusto Pinho*
Há um século vivíamos os anos loucos.
Refiro-me à década de 1920 tradicionalmente chamada de anos loucos pela burguesia se divertindo, pelas festas, pelo teatro, ignorando a formação do fascismo e do nazismo.
Acabara a grande guerra colonial europeia para conquista de territórios na África e Ásia, com a vitória dos Estados Unidos da América (EUA).
E daí vinham as características da década: sufrágio feminino, melindrosa, charleston e jazz, cinema, automóvel; ao lado da liberdade de costumes, lei seca e restrições aos imigrantes asiáticos e mesmo dos europeus pobres, que desejavam “fazer a América”.
Em 1918, surgia na Europa novo modelo político, social e econômico: o comunismo, na imensa Rússia dos czares.
A Europa se refazia das mazelas da guerra, especialmente a Alemanha, que deixava de ser o Império de 2.658.161 km², para ser a República de Weimar, com 468.787km².
Porém, o pior estava por vir: a crise da especulação financeira estadunidense (1929), que levou o mundo a forte depressão econômica, novas demandas políticas e surgimento de outras ideologias de poder.
A II Grande Guerra foi gerada nesses anos loucos, aos quais nem faltou uma epidemia: a “gripe espanhola”.
Pois nós estamos vivendo novos anos loucos, que coincidem a ascensão da direita e da extrema direita no mundo, com Donald Trump (EUA), Viktor Orbán (Hungria), Jair Bolsonaro (Brasil), Georgia Meloni (Itália) e Javier Milei. Ao mesmo tempo, com o massacre de Gaza por Israel e a decadência do dólar.
Iniciados nos anos 2010, esses novos anos loucos já ameaçam com mais mutações do vírus da covid-19 e as irracionalidades da gestão financeira, que provocam pelo mundo afora guerras, fome, desemprego, miséria, desindustrialização, entre outras mazelas inexistentes quando o domínio visava a vida próspera, segura, civilizada.
O SÉCULO 21 A VOO DE PÁSSARO
O poder estadunidense da industrialização se desfez com o ataque neoliberal, construído desde o ambiente conturbado do entre guerras (1914-1939) e vitorioso nos anos 1980, com as desregulações financeiras e a divulgação da constituição da globalidade unipolar, o “Consenso de Washington”, fechando a década (1989).
Na última década do século 20, uma sequência de seis crises, provocadas para transferência de recursos do sistema produtivo e dos Estados Nacionais para os gestores de ativos, obrigou à sequência de guerras localizadas nos últimos 24 anos.
Logo em 2001, com a farsa da destruição de três torres em Nova York (EUA), deu início à “luta contra o terror”, caracterizada pelo ataque à religião islâmica.
Tem início a Guerra no Afeganistão (2002) e, com falso pretexto de armas de destruição de massa, a Guerra no Iraque (2003).
Seguem-se a sucessão de movimentos, insuflados pelas organizações de inteligência anglo-estadunidense-francesas, que tomaram o nome de “Primaveras Árabes”, pois atingiam países predominantemente islâmicos: Tunísia, Líbia, Egito e Síria.
Também foram atingidos outros países da África (Quênia e Nigéria), da eurásia (Chechênia, Paquistão e Ucrânia).
Mais recentemente, para manter em permanente conflito o Oriente Médio, a principal província petroleira do mundo, implodiu a Guerra de Israel contra o povo palestino, que já se alastra para o Líbano.
O assédio do sistema financeiro internacional a países africanos e asiáticos tem sido permanente, ora com movimentações militares ora com bloqueio, sanções e outras atividades econômicas.
Pode-se resumir que a característica deste século é a batalha das finanças apátridas contra os Estados Nacionais, a industrialização e o desenvolvimento tecnológico fora do mundo unipolar.
Antes de discorrer sobre personagens, países, organizações internacionais, efeitos econômicos, sociais e políticos desta batalha, cabe uma reflexão sobre a questão da energia.
A ENERGIA NO MUNDO CONFLITUOSO
O grande desenvolvimento, obtido pelos EUA a partir do término da Guerra da Secessão (1861-1865), deveu-se à singularidade da descoberta de petróleo (1859) em território estadunidense.
Desse modo, dispondo da melhor fonte de energia primária, pelo custo de obtenção e poder calorífico, os EUA puderam se industrializar mais ampla e rapidamente, atingindo a condição de potência na I Grande Guerra (1914-1918).
Ainda hoje, o petróleo é a mais utilizada fonte primária de energia, 52% da matriz energética mundial, seguido do carvão mineral (29%) e da biomassa (10%).
As pesquisas em curso para produção de energia atômica pela fusão nuclear poderão alterar esta matriz ainda neste século. Hoje a fissão nuclear responde por 5% da matriz mundial.
Portanto, a disponibilidade de petróleo é uma condição importante para o desenvolvimento dos países.
São quatro os principais polos petrolíferos no mundo.
O mais importante está no Oriente Médio, com a Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Catar, Omã e Síria. Também há referência a reservas na área marítima da Faixa de Gaza.
A segunda área de grandes reservas está na América do Sul, com o país da maior reserva mundial, a Venezuela, e significativas reservas no Brasil (pré-sal), no Equador, Colômbia e Argentina.
Em terceira posição está a Federação Russa e os países da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que reúne 12 das 15 Repúblicas Socialistas Soviéticas.
A quarta grande concentração de reservas está na África, liderada pela Líbia e Nigéria, com Angola, Egito e Sudão.
Verifica-se que o centro do mundo unipolar: EUA, Reino Unido e União Europeia, além de não possuírem reservas significativas, não mais administram as maiores fontes de energia fóssil do mundo.
O carvão mineral é atualmente mais encontrado na China, Rússia, Índia, países dos BRICS, Austrália e EUA.
Esta situação explica a enorme campanha que, desde a década de 1970, as finanças apátridas movem contra o petróleo, imputando-lhe malefícios que nada têm a ver com seu uso, como as questões climáticas, decorrentes dos períodos glaciais e interglaciais, explosões solares e de outros fatores independentes da ação humana, como fendas geológicas, vulcões e tsunamis.
As energias eólica e solar, além de muito mais caras do que as fósseis, são intermitentes e necessitam do petróleo para seus funcionamentos.
O MUNDO QUE 2024 ESTÁ RECEBENDO
2024 inicia com os Brics ampliado e de modo muito significativo. Recorde-se seu início, congregando os países em forte desenvolvimento: Brasil, Rússia, Índia e China, aos quais logo se agregou a África do Sul.
Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos (EAU), Etiópia e Irã compõem o Brics10, que terá a Rússia na presidência deste ano.
Há cerca de 20 países candidatos a um lugar nesta Organização Internacional.
Com dados do Poder360 (“Brics ampliado terá quase metade da produção de petróleo global”, de Geraldo Campos Jr, em 03/09/2023) sem a Argentina, que decidiu não ingressar na Organização, o novo Brics10 produzirá 36,1 milhões de barris de óleo por dia e 1.325 bilhões de m³ de gás natural por ano, o que representa 45% do fornecimento mundial de petróleo.
No aspecto da projeção de poder, os Brics10 têm 46% da população do planeta e perto de 37% do PIB mundial.
Os Brics10 terão, no mundo político internacional, o apoio da Organização para Cooperação de Xangai (OCX).
Criada em 2001, a OCX era composta originalmente por China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão. A esses países, em 2017, foram incorporados Índia e Paquistão e, em 2023, o Irã.
São partícipes da OGX, na condição de “Parceiros de Diálogo”, Arábia Saudita, Armênia, Azerbaijão, Camboja, Catar, Egito, Nepal, Sri Lanka e Turquia.
E como “Observadores”: Afeganistão, Bielorrússia e Mongólia.
Em 2024, a União Econômica Eurasiática (UEE) completará dez anos. Integram-na Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão, além de Cuba e Uzbequistão, como observadores.
Somando a estas organizações, a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), formada por 150 países, que completou dez anos em 2023, integrando por rede de projetos de infraestrutura a Ásia com a África, Europa e América, não resta dúvida de quem está no comando da grande transformação a se opor ao mundo unipolar.
As instituições de divulgação, doutrinação e coordenação do projeto financeiro neoliberal reconhecem as grandes dificuldades que enfrentarão neste ano.
O Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), em janeiro de 2023, ouviu economistas de diversas procedências, de setores público e privado, e dois terços esperavam a recessão global.
A Europa perde sua posição de liderança envolvida na sua própria armadilha da guerra contra a Rússia, entrando no processo de desindustrialização, falta de suprimento de energia, desemprego e diversas manifestações populares, desde a Suécia até a Itália, contra os governos que se auto referiam como democráticos e liberais.
Não espanta a onda neofascista e da extrema direita política, religiosa e bélica a correr o Velho Continente e sua expressão armada: Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que pretende se expandir para o Pacífico.
Se a eleição nos EUA provoca apreensão com a possibilidade de vitória de Donald Trump, na Rússia é certa a recondução de Vladimir Putin, com 80% da população se manifestando a favor do defensor do povo e da cultura russa.
Na economia, a desdolarização deu mais um passo com os Brics10 e levará ainda a novas medidas com o possível aumento de membros na próxima reunião de agosto de 2024.
Surge na faixa do Sahel, na África, novo movimento de descolonização que encontrará nas Organizações encabeçadas pela China e Rússia o apoio que necessitará nos campos político, econômico, social e mesmo militar.
A Guerra na Ucrânia demonstrou que a Rússia está três gerações de armamentos à frente dos EUA. Diferença que não se resolve em um ano.
O feliz Ano Novo vai para o Oriente, como ocorreu antes da chegada dos europeus à América.
Se esta última ocupação durou 500 anos, quanto durará a reconquista do poder tecnológico e do comércio em vez da guerra?
Com informações do VioMundo
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