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Demolidor e imperdível o artigo de Celso Rocha de Barros na Folha de hoje, sobre o fato de que a saída dos ditos “liberais” do “Livres” – um agrupamento de direita que pretende ares intelectuais – demonstra, segundo ele,  que têm “noções de higiene”. Já não posso concordar com Barros quando fala que teriam, também, “consistência ideológica”.

É? Espere só para ver se não mergulham de cabeça no “Caldeirão do Huck”, caso se confirme esta aventura de um “João Dória de escala nacional”, oco de pensamentos, falso como um cenário e “puro” porque é rico?

O articulista encarna o inglês John Locke – filósofo do século 17, estamos bem parados no tempo, não é? – como paradigma do liberalismo. Bem, de semelhante ao plano “liberal” daqui, neste século 21, além no nariz adunco, talvez se ache no delicadíssimo texto do súdito de Sua Majestade, “Método de Esquema para o Emprego do Pobre“, propondo :

  • Direcionar para o trabalho as crianças a partir de três anos, das famílias que não têm condições para alimentá-las.
  • Supressão das vendas de bebidas não estritamente indispensáveis e das tabernas não necessárias.
  • Obrigar os mendigos a carregar um distintivo obrigatório, para vigiá-los, por meio de um corpo de espantadores de mendigos, e impedir que possam exercer sua atividade fora das áreas e horários permitidos.
  • Os que forem surpreendidos a pedir esmolas fora de sua própria paróquia e perto de um porto de mar devem ser embarcados coercitivamente na marinha militar, outros pedintes abusivos devem ser internados em uma casa de trabalhos forçados, na qual o diretor não terá outra remuneração além da renda decorrente do trabalho dos internados.
  • Os que falsificarem um salvo-conduto para fugir de uma casa de trabalho, devem ser punidos com um corte de orelhas e, na hipótese de reincidência, com a deportação para as plantações, na condição de criminosos.

Posto no lugar o narigudo do século 17, estabelecidas as semelhanças entre Locke e os nossos neoliberais – ainda não se tinha inventado a farinata – vale a leitura do bem escrito texto de Barros:

Os liberais estão corretos em se recusar 
a fazer companhia a Bolsonaro

Celso Rocha de Barros, na Folha

Bolsonaro arrumou um partido. É o PSL, Partido Social Liberal. Até então, o candidato da molecada que se acha macho alfa porque joga muito videogame de tiro estava negociando com outros partidos do baixíssimo clero da política brasileira: PSC, Patriota, e o PR de Valdemar Costa Neto. Isso, aquele Valdemar Costa Neto. Esse mesmo.

A afinidade é natural: Bolsonaro é baixo clero puro-sangue. Nunca teve qualquer relevância parlamentar, nunca participou de um único debate relevante, nunca aprovou um projeto de lei que valesse nada. Quando o PSDB derrotou a hiperinflação, Bolsonaro queria fuzilar FHC. Quando o PT tirou milhões de brasileiros da miséria, Bolsonaro estava decidindo qual das ministras petistas merecia ser estuprada.

Bolsonaro se encostou no salário de deputado faz 30 anos, enfiou seus filhos na mesma carreira e é realmente a cara do PSC, do Patriota, de Valdemar Costa Neto. Bolsonaro é um Severino Cavalcanti que só teria coragem de brigar com Gabeira se alguém já tivesse amarrado o ex-guerrilheiro no pau-de-arara.

O PSL já foi baixíssimo clero como os outros desta lista, mas vinha tentando se reabilitar. Um pequeno grupo liberal, o “Livres”, entrou em massa no PSL, conquistou diversos diretórios e vinha tentando dar ao partido a cara de um partido claramente liberal. Era uma boa ideia: seria ótimo se o liberalismo se apresentasse nas eleições brasileiras para o debate aberto.

Mas o Livres foi traído pelo presidente do PSL, Luciano Bivar, que todo mundo achava que era só mais uma mediocridade produzida pelo baixo clero da política brasileira e, vejam só, era mesmo, estava todo mundo certo, parabéns para todo mundo.

Ao que parece, Bivar entregou o partido para Bolsonaro em troca do lugar de vice na chapa. É isso aí, Bolsonaro, candidato a vice tem que ser assim, leal, sujeito homem que cumpre acordo. Tenho certeza de que será um sucesso, você sabe que eu só quero o seu bem.

Diante dessa traição bastante vira-lata por parte do PSL, os membros do Livres saíram do partido, no que demonstraram consistência ideológica e noções básicas de higiene.

Estão corretíssimos os liberais que se recusaram a fazer companhia ao lambe-Ustra: ou o sujeito é liberal, ou apoia Bolsonaro. Afinal, liberalismo econômico qualquer sujeito afim de puxar o saco de rico defende. O teste do liberal sincero é a defesa do liberalismo político, das liberdades individuais, da democracia. E o liberalismo político implica a defesa dos direitos humanos. Foi o velho John Locke que mais ou menos inventou as duas coisas, afinal. Procurem os depoimentos de Bolsonaro sobre direitos humanos e calculem o que ele faria se pudesse colocar as mãos em John Locke. Depois de alguma outra pessoa ter amarrado o Locke no pau-de-arara, claro.

O sujeito defender desregulamentação de empresa de rico (mesmo quando isso é uma boa ideia) só quer dizer que ele quer ser convidado para as festas certas. O que o Locke quer saber é se o sujeito defende que a polícia não pode entrar em barraco de favela sem o mesmo mandado que precisa mostrar em bairro de classe média. E o Locke defendia o direito à insurreição, de modo que, se eu fosse vocês, não provocaria o sujeito, não. Liberalismo político é coisa séria. Bolsonaro: nunca será.

POR FERNANDO BRITO ·