“Partidos, empresários, sindicatos e sociedade civil protestam contra a mudança no cálculo das transferências da União para o fundo”, relata Tereza Cruvinel
Brasília está em pé de guerra contra uma das propostas do governo federal para o ajuste fiscal. Partidos políticos, governistas ou de oposição, empresários, sindicatos e sociedade civil protestam contra a mudança no critério de cálculo das transferências da União para o Fundo Constitucional do Distrito Federal e se articulam para derrubá-la. Para o governo, que já enfrenta dificuldades para aprovar o pacote de Haddad, o ruído é ruim, porque engrossa o caldo das resistências.
Este fundo, em seu formato atual, foi criado pela Constituinte de 1988 e regulamentado por lei sancionada pelo ex-presidente Fernando Henrique em 2002. Através dele, a União assume a responsabilidade financeira por alguns serviços públicos da capital federal, como os de segurança, saúde e educação. Diante da consolidação da cidade, de seu crescimento populacional e econômico, com o fundo a União deixou de ser a responsável única pela tutela e manutenção da capital.
Pela proposta do governo federal, o fundo deixará de ser corrigido pela variação das Receitas Correntes Liquidas da União, passando a ser reajustado pela Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação anual, regra aplicada aos fundos de desenvolvimento de alguns estados.
O governador do DF, Ibaneis Rocha, vem liderando o movimento para derrubar a mudança proposta que resultaria, segundo ele, numa nefasta e perigosa asfixia financeira da capital, que pode comprometer serviços essenciais para a população e fundamentais para o próprio governo federal. A Secretaria de Economia local estima que, se ela for aprovada, o DF deixará de receber mais de R$ 12 bilhões em 15 anos.
Para o orçamento de 2025, o governador estima uma receita global de R$ 66,6 bilhões, sendo R$ 25 bilhões provenientes do Fundo Constitucional ameaçado de encolhimento. Com a regra proposta, haveria agora uma perda de pelo menos R$ 750 milhões, que resultaria num decréscimo progressivo do fundo.
Na quarta-feira, dia 4, em evento organizado pela Lide empresarial e o Brasil 247 sobre transição energética e transformação urbana diante dos desafios climáticos, o assunto acabou entrando no debate, ao ser abordado pelo governador, pelo empresário Paulo Octavio, ex-vice governador, e outras lideranças locais. “Se o governo federal quer uma Brasília segura e habilitada a cumprir seu papel como capital, não pode este esvaziar temerariamente o fundo”, disse Paulo Octávio.
Os sindicatos de trabalhadores também se engajaram. O dos trabalhadores no Legislativo, o Sindilegis, lançou nota em que que aponta o DF como “território primeiro onde vemos materializadas as funções do ente União”, local onde funcionam os três poderes da República, que acolhe as representações estrangeiras e abriga o riquíssimo patrimônio cultural tombado, que precisa ser conservado.
A área mais afetada seria justamente a de segurança (Polícia Civil, Polícia Penal, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar), essencial ao governo federal, como se viu na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.
A justificativa do governo – a de padronizar os critérios aplicados aos fundos constitucionais de desenvolvimento dos estados – é amplamente contestada. Eles têm objetivos e origens diferentes. Os de outros estados foram criados para estimular o desenvolvimento e corrigir as desigualdades regionais. O do DF existe para garantir o funcionamento satisfatório da menor unidade da federação, cujas atividades econômicas não geram as receitas tributárias necessárias.
Brasília não foi criada para ter uma indústria, um comércio ou uma agricultura fortes, mas para induzir a interiorização do desenvolvimento. Antes dela, o Brasil era chamado de “país dos caranguejos”. Sua população vivia agarrada à costa, ao litoral urbanizado, enquanto “os sertões” viviam numa quase Idade Média.
Eu, que nasci no sertão mineiro, bem sei como era a vida lá, e também aqui, no Planalto Central, antes da construção de Brasília. Como tantas outras famílias, a minha também veio para cá em busca de um novo destino. Para o Brasil, Brasília foi a marcha para o Oeste e o caminho para a então esquecida Amazônia. Espantei-me ao saber, estes dias, que o primeiro presidente brasileiro que pisou na Amazônia foi Getúlio Vargas. E isso foi ontem, em 1953.
A bancada federal do DF, em que o PT tem a deputada Erika Kokay, trabalha unida para alterar a proposta. Melhor seria que o presidente Lula tomasse a iniciativa de corrigi-la, em vez de esperar que ela seja derrubada à revelia do governo.
Em 2022, por sinal, Lula perdeu para Bolsonaro numa terra que já foi progressista, que elegeu duas vezes o governador e onde ele também já foi majoritário. Afora outras razões, a proposta de Haddad também não ajuda eleitoralmente seu partido.
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