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“Minhas amigas e meus amigos,

Mais de 150 países celebram hoje, 16 de outubro, o Dia Mundial da Alimentação, data criada para conscientizar a opinião pública para a tragédia da desnutrição e da fome. Temos que comemorar também a recente concessão do Prêmio Nobel da Paz ao Programa Mundial de Alimentação da ONU.

Lamentavelmente o Brasil não tem o que festejar no Dia Mundial da Alimentação.

Ao contrário. Vivemos dias muito difíceis.

Em meio a uma pandemia que já ceifou 150 mil vidas, os preços dos principais alimentos dispararam. O arroz subiu quase 20% desde o início do ano. O feijão, quase 30%. O leite, mais de 20%. Alguns produtos de primeira necessidade desapareceram dos supermercados.

Tudo indica que os preços continuarão subindo nos próximos meses. É a face mais cruel do terrível fantasma da fome, rondando de novo os lares de milhões de brasileiros.

Há poucos dias o IBGE divulgou os números de 2018 sobre a insegurança alimentar no Brasil. Eles confirmaram o que os brasileiros já sabiam: os casos de pessoas com fome voltaram a subir fortemente. Mais de 10 milhões de brasileiros e brasileiras, inclusive crianças, estão passando fome.

Seis anos atrás o Brasil conquistava o respeito e a admiração mundial, ao ser declarado fora do Mapa Mundial da Fome da ONU. Depois do golpe contra a presidenta Dilma, o país deu marcha a ré. Os golpistas mergulharam nosso país num poço sem fundo. Não são números do PT, são números da ONU.

É inaceitável que no Brasil tantos homens, mulheres e crianças não tenham o que comer. Afinal, somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Este ano, a safra de grãos deve bater novo recorde: 257 milhões de toneladas. Ou seja, produzimos mais de uma tonelada por habitante, o suficiente para que cada brasileiro tivesse acesso a três quilos de grãos por dia.

O agro pode ser pop, como dizem os caríssimos anúncios na televisão, mas não resolve o problema da Fome. Repito: mais de dez milhões de brasileiros não têm o que comer. Isso sem falar nos 74 milhões que estão, segundo os técnicos, em “situação de insegurança alimentar média ou leve”. Na mesa do pobre, porém, a fome não tem nada de média ou leve. Na vida real, é quando a mãe e o pai não comem para alimentar as crianças. Ou quando a família sacrifica a qualidade do que come para que todos possam comer.

Como conviver com tamanha crueldade?

Meus amigos e minhas amigas.

Por muito tempo – décadas e séculos – a fome foi tratada como parte integrante da vida dos pobres no Brasil. Parecia algo inevitável, como o calor e o frio, a seca e a chuva. Aceitava-se como normal que crianças morressem por não ter o que comer. Que famílias inteiras fossem dormir sem terem comido nada o dia inteiro, e que acordassem no dia seguinte sem saber se comeriam ou não. Não havia como evitar que uma mãe faminta fosse obrigada a dividir um único ovo entre os filhos.

Saber que a Humanidade produz mais alimentos do que consome significa afirmar que a fome não é um problema causado pela natureza. A fome é resultado da irresponsabilidade e da insensibilidade de governantes que não têm interesse em enfrentar e curar essa chaga.

Eu não me canso de repetir que a fome é a arma de destruição em massa mais poderosa e perigosa que qualquer outra que o homem tenha inventado. A fome não mata soldados no campo de batalha, não mata inimigos, não mata terroristas. Ela mata crianças.

Graças a Josué de Castro começamos a entender que a fome não é um fenômeno natural. Que a fome é um problema político. Que acabar com a fome só será possível com uma justa distribuição da riqueza que é produzida por todos.

Foi preciso que chegasse à Presidência da República alguém que conheceu a fome na própria pele para dizer: Basta! E mostrar que era – e continua sendo – possível dizer NÃO a essa indignidade.

Meu primeiro compromisso como presidente foi acabar com a fome no Brasil. Está lá, no meu discurso de posse, para quem quiser ver: “Se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida”. Deixei o governo em 2010 com a certeza da missão cumprida.

Em apenas dez anos, entre 2003 e 2013, retiramos nada menos que 40 milhões de brasileiros da pobreza extrema e acabamos com a fome no Brasil.

Enfrentar a fome de peito aberto foi possível graças à implantação de uma política eficiente de segurança alimentar. Aplicamos políticas públicas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Em treze anos concedemos aumentos reais do salário mínimo. Geramos milhões de empregos com carteira assinada e direitos trabalhistas garantidos.

Em apenas quatro anos destruíram tudo o que fizemos.

É importante lembrar que os números do IBGE a que me referi antes são de 2017 e 2018. Portanto, é mentira dizer que o Coronavírus seja o responsável pelo absurdo crescimento da fome nesse período

A tragédia alimentar que vivemos hoje foi provocada basicamente pelo desmonte do Estado e pelo esvaziamento ou abandono das políticas públicas de inclusão social após o golpe.

Depois do golpe de 2016, o combate à miséria e à fome deixou de ser prioridade.

Intoxicados pela crença de que o Estado não tem qualquer papel a cumprir na economia – a não ser garantir lucros ao setor financeiro e enriquecer ainda mais os milionários – os governos depois da Dilma promoveram um desmonte sistemático dos estoques reguladores de alimentos, essenciais para garantir preços justos e acessíveis à população. Especialmente à população pobre.

Durante os nossos governos, a CONAB, a Companhia Nacional de Abastecimento, empresa pública do Ministério da Agricultura, comprava os excedentes na época de safra. Com isso, evitava que o preço ao produtor despencasse, o que poderia afetar negativamente o plantio da safra seguinte.

E quando surgia o risco de desabastecimento, colocando em risco a alimentação da população, a CONAB tinha estoques estratégicos para atuar nas crises, enchentes, secas, ou mesmo em momentos de aumentos de preços. Com isso nós impedíamos a ação dos atravessadores e especuladores e garantíamos o poder de compra da população.

Infelizmente, devido à política de desmonte do Estado praticada pelos últimos governos, o Brasil foi apanhado de calças curtas e entrou na pandemia com os estoques públicos de alimentos praticamente zerados.

O caso do arroz é o exemplo mais visível. Em 2010, a CONAB armazenou quase 1 milhão de toneladas do grão. Neste ano de 2020, o estoque ficou reduzido a apenas 21 mil toneladas, o que não garante nem um dia de consumo. O feijão, outro produto básico da mesa dos brasileiros, deixou de ter estoques reguladores há três anos.

Desmantelaram os estoques públicos e desmontaram os principais programas de incentivo à agricultura familiar, responsável pela produção de grande parte dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros.

A destruição da estrutura alimentar não parou aí. O Programa de Aquisição de Alimentos, inovação brasileira adotada mais tarde em quase toda a América Latina, chegou a investir R$ 1 bilhão e 200 milhões de reais na compra de alimentos da agricultura familiar, beneficiando de um lado os produtores e de outro a população vulnerável. Na proposta orçamentária para o ano que vem, esse valor vai sofrer uma redução de 90%, caindo para R$ 100 milhões.

Um dos primeiros atos do atual presidente foi fechar, no dia da sua posse, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar. O resultado não poderia ser outro: a fome voltou a crescer no país.

Minhas amigas e meus amigos,

O aumento da fome no Brasil, em grande medida, é resultado do gravíssimo quadro do desemprego. Só este ano, entre os meses de maio e agosto, quase 4 milhões de trabalhadores e trabalhadoras perderam seus empregos.

O Brasil tem hoje 13 milhões de desempregados, a maioria jovens pobres e de classe média. Outros 17 milhões pararam de procurar emprego por causa da pandemia, ou porque perderam a esperança de conseguir trabalho, qualquer trabalho.

A massa salarial – o bolo de dinheiro que paga todos os salários no país – caiu 15% em um ano. Enquanto isso, 40 bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em 170 bilhões de reais. Os pobres estão cada vez mais pobres, e os ricos cada vez mais ricos.

O resultado dessa arquitetura da destruição é que a economia brasileira mergulhou na maior recessão da sua história.

Dentro desse quadro dramático, o Bolsonaro disparou um tiro de misericórdia contra os pobres e reduziu pela metade o valor do auxílio emergencial, de 600 para 300 reais, além de excluir um grande número de beneficiários do programa. E já avisou: o auxílio emergencial acaba em dezembro, mesmo que a pandemia continue.

É imperioso manter o auxílio emergencial de 600 reais enquanto durar a pandemia. Conclamo todos a apoiarem a campanha lançada pelas centrais sindicais, exigindo do Congresso a imediata votação dessa medida. Nenhum real a menos!

Minhas amigas e meus amigos,

Enganam-se os que acreditam que esse desgoverno vai nos derrotar, nos colocar de joelhos. O Brasil é muito maior do que essa gente que tomou Brasília de assalto. Nosso povo é muito maior do que as elites que só pensam em si mesmas. Mais uma vez o brasileiro saberá dar a volta por cima. O povo que já derrubou uma ditadura de generais não treme diante de capitães autoritários.

Esse meu desabafo é um chamamento a todos os homens e mulheres de bem que ainda conseguem se indignar com a volta da fome ao nosso pais.

A fome não é uma maldição, não é uma praga bíblica que se abateu sobre os brasileiros pobres. A fome é um tormento social que resulta, principalmente, de opções econômicas feitas pelos governantes. A fome é um flagelo que só terá fim quando distribuirmos a riqueza para que o povo possa se alimentar todos os dias.

Companheiras e companheiros,

Não podemos naturalizar a fome, como não podemos aceitar passivamente a irresponsabilidade no tratamento do Covid.

O Brasil já provou que pode vencer suas adversidades.

Vamos outra vez juntar forças para reconquistar a democracia, vencer o Covid, o desemprego e a fome.

Mais uma vez, conto com vocês para tornar esse sonho realidade.”

Luiz Inácio Lula da Silva