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Documentos enviados aos EUA não contêm dados “estratégicos e sensíveis” sobre a Petrobras, mas podem ensejar investigações sobre “terceiros”

Jornal GGN – A Petrobras anunciou no último dia 4 de outubro o fim das obrigações previstas no acordo de não persecução penal que assinou em novembro de 2018 com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o DoJ, para encerrar investigações que surgiram contra a estatal na esteira da Operação Lava Jato. A Petrobras afirmou ao GGN que não entregou, a pedido dos agentes norte-americanos, dados “estratégicos ou sensíveis” da companhia durante a vigência do acordo, mas admitiu que forneceu material que pode ser usado em investigações contra “terceiros”.

“O acordo de não acusação relacionado aos controles internos, registros contábeis e demonstrações financeiras da Petrobras durante o período de 2003 a 2012 previa obrigações a serem cumpridas pela companhia. A Petrobras cumpriu essas obrigações, incluindo a evolução do seu programa de integridade e o envio de informações ao DoJ durante os três anos de acordo, que foi atendido integralmente e, portanto, agora está encerrado”, disse a petroleira em comunicado à imprensa.

Em março de 2019, o GGN teve acesso ao acordo e noticiou, em primeira mão, que a Petrobras estava obrigada a enviar ao órgão do governo americano informações sigilosas que poderiam abranger os negócios “patrimoniais, confidenciais, financeiros e competitivos” da empresa.

No “Non-Prossecution Agreement” (NPA), o DoJ abriu mão de 680 milhões de dólares – 80% do valor das multa aplicada à Petrobras – mas demandou cooperação “em qualquer investigação em curso sobre a conduta da Empresa, de suas subsidiárias e afiliadas, de seus diretores, funcionários, agentes, parceiros de negócios, distribuidores e consultores, relativa às violações da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior”.

O DoJ impôs ainda sigilo absoluto sobre os relatórios, pelo tempo de vigência do acordo, que durou 3 anos.

Procurada pelo GGN, a Petrobras negou que, neste período, tenha fornecido informações que possam comprometer os interesses do Estado brasileiro ou ferir sua soberania nacional, considerando o papel estratégico que a petroleira tem para o desenvolvimento do País.

“O acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) previa a entrega de relatórios anuais sobre a evolução do programa de integridade da Petrobras. Por força do acordo, os relatórios são confidenciais. O conteúdo dos documentos é exclusivo sobre o programa de integridade da companhia e nada trata sobre questões relacionadas à soberania nacional ou sobre dados empresariais estratégicos e sensíveis, respondeu à reportagem.

A Petrobras informou, por outro lado, que “forneceu ao DoJ dados que podem auxiliar investigações do órgão em relação a terceiros. Essas investigações ainda estão em andamento e, portanto, também estão mantidas sob sigilo.”

Além do relatório anual encaminhado ao DoJ, a Petrobras também realizou reuniões presenciais com agentes norte-americanos para “acompanhamento do programa de integridade”. O DoJ, segundo a Petrobras, não impôs a contratação de escritório internacional especializado em compliance com o intuito “exclusivo” de atender as exigências do NPA. “A Petrobras possui um corpo técnico capacitado, que atuou de forma dedicada para o atendimento aos termos do acordo, produzindo os relatórios encaminhados ao DoJ, e que atua constantemente na implantação de melhorias dos mecanismos de integridade da companhia”, disse.

No comunicado à imprensa, a Petrobras ressaltou que o fim das obrigações com o Departamento de Justiça inaugura uma nova fase de “recuperação” da empresa, e frisou que a partir do momento em que assinou o acordo com o DoJ, saiu do banco dos réus para ostentar o status de “vítima” de esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato.

“Viramos, enfim, essa página e o fim do acompanhamento do DoJ comprova que vivemos novos tempos, com nosso sistema de conformidade sendo fortalecido dia após dia. Temos hoje um sistema robusto de controle e medidas anticorrupção que vão além das exigidas pela legislação”, afirmou o diretor executivo de Governança e Conformidade, Salvador Dahan.

OS PROCESSOS DA PETROBRAS NOS EUA

As acusações envolvendo o loteamento de setores da Petrobras em benefício de partidos e agentes políticos, que surperfaturavam contratos com as chamadas “campeãs nacionais” supostamente em troca de recebimento de propina em contas no exterior, não demoraram a chamar a atenção do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que opera como um verdadeiro “xerife” quando vê sinais de corrupção em multinacionais.

Brasília – DF, 27/09/2016. Presidente Michel Temer recebe Pedro Parente, Presidente da Petrobras. Foto: Marcos Corrêa/PR

Graças à atuação da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, a Petrobras acabou processada nos Estados Unidos em duas frentes: de um lado, respondeu ao Departamento de Justiça (DoJ) e à Comissão de Valores Mobiliários (SEC), a agência federal que regula e controla o mercado financeiro. De outro, precisou fechar um acordo de quase 3 bilhões de dólares com os acionistas estrangeiros da Petrobras, que alegaram, em ação coletiva (class-action), terem sofrido prejuízos financeiros em decorrência do escândalo.

O ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou em entrevista exclusiva à TVGGN que o governo Temer anuiu com a decisão da da Petrobras em firmar acordos em todos os processos que sofreu nos EUA. À época, o presidente da empresa era Pedro Parente. Para consultores ouvidos pelo GGN, a Petrobras poderia ter se blindado com dispositivos legais que a colocam como empresa estratégica de caráter nacional. Assista à entrevista com Cardozo aqui.

Os procuradores Robson Pozzobon e Deltan Dallagnol, entusiastas da fundação “anticorrupção” que seria criada com dinheiro da multa que a Petrobras pagou por força de acordo com o Departamento de Justiça dos EUA. Foto: Reprodução

Passados mais de 7 anos desde o inícios da Lava Jato, a Petrobras alega que já recebeu mais de “6 bilhões de reais, a título de ressarcimento, incluindo valores que foram repatriados da Suíça por autoridades brasileiras”.

Mas somente nas duas ações que enfrentou nos EUA, ela perdeu bem mais: um total de 3,8 bilhões de dólares ou aproximadamente 20 bilhões de reais no câmbio atual. Foram 2,95 bilhões de dólares perdidos na class-action, e mais 853 milhões de dólares pagos a mando do DOJ – que devolveu 682 milhões de dólares ao Brasil.

Atropelando todas as autoridades institucionais possíveis, a Lava Jato em Curitiba planejou injetar o dinheiro devolvido pelo DoJ numa fundação idealizada pelos próprios procuradores. Mas o Supremo Tribunal Federal abortou a operação e repassou os recursos à União.

Em 2020, o GGN lançou uma série documental exclusiva, em 5 vídeos disponíveis no Youtube, que explicam a influência dos Estados Unidos na Lava Jato. O quarto capítulo detalha os processos contra a Petrobras em solo norte-americano.

Assista:

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