O jornal romano La Repubblica, segundo maior da Itália, falou do enterro da Lava Jato.
“Finda a era da tangentopoli brasileira”, diz a manchete.PUBLICIDADE
Tangentopoli, ou “cidade da propina”, era o nome inicial da Operação Mãos Limpas:
Acabou-se a lava Jato: fechada e dissolvida. Com um dispositivo resumido em uma ordem de serviço anônima, o procurador-geral cancela uma era política e judicial que assolou 10 países na América Latina e 2 na África. (…)
A investigação resultou em 300 prisões, 278 condenações e a recuperação de 4,3 bilhões de reais. Mas a ação desses nove promotores, que cresceram para 16 nos meses mais intensos das investigações, derrubou duas gigantes da construção, como Odebrecht e OAS, lançou investigações paralelas no Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Salvador, México causando escândalos em cadeia, demissões e prisões de presidentes, até o suicídio de Alan García, duas vezes presidente peruano e conhecido líder da APRA: em vez de acabar na prisão, preferiu dar um tiro na cabeça.
Os três juízes restantes do Ministério Público de Curitiba vão tratar do crime. Os outros estavam espalhados. A dimensão internacional do sistema foi descoberta pelas autoridades fiscais americanas. Ele obrigou a Odebrecht a pagar impostos não pagos de suas subsidiárias americanas. Mas isso envolveu a transmissão dos documentos da investigação a todos os países envolvidos. Um terremoto.
Chega ao fim a era de grandes limpezas morais, de indignação popular que todos os dias presenciavam dirigentes e políticos levados algemados, maços de dinheiro entregues em bares e restaurantes, maços de dólares e reais fechados em malas prontas para cruzar as fronteiras. As manifestações oceânicas que, numa fúria cega e rancorosa, pediram a renúncia de Dilma Rousseff, a primeira mulher presidente do Brasil, obrigada a pagar, com um golpe disfarçado de impeachment, os pecados de outrem.
Os dois protagonistas vão para o sótão: Sergio Moro, o juiz que examinou os pedidos dos promotores e decidiu o destino dos suspeitos; e Luiz Inácio Lula da Silva, líder do PT, duas vezes presidente do Brasil, condenado por um apartamento desocupado e trancado em uma cela por 19 meses. (…)PUBLICIDADE
As reclamações sobre os métodos de detenção aumentaram. A pressão sobre os detidos, a chantagem para fazê-los falar e acusar outros cúmplices, as liberações recompensadoras, as confissões extraídas e retiradas. Ainda de toga, mas como advogado, ele encontra trabalho como gerente jurídico na Alvarez & Marsal, empresa de consultoria de negócios onde lida com “disputas e fiscalizações”. Um curto-circuito: é uma das empresas investigadas pela Lava Jato.
A história acaba na mídia entre ironias e sarcasmo. Moro responde furioso, esclarece que seu trabalho não atrapalha os problemas que a empresa possa ter com o judiciário. O enésimo golpe para uma imagem comprometida. O cargo de ministro Justiça já era visto como uma recompensa por ter aberto caminho para uma direita em busca de vingança. Ele aceitou apesar de ter declarado repetidamente “nunca no governo”.
Mas quando o site investigativo The Intercept Brasil publica mensagens que Moro trocava no Telegram com os promotores e seu chefe, Deltan Dallagnol, também desmorona o papel do juiz, a imparcialidade que ele sempre alegou quando o repreendiam pela fúria com que perseguiu Lula.
Na contra-investigação do site, chamado Vaza Jato, as suspeitas se mostram bem fundadas. Tornam-se evidências constrangedoras (…): ele sugeriu aos seus colegas do Ministério Público o que fazer a seguir, quais evidências encontrar, quais pistas seguir para acertar o pai da esquerda latino-americana. (…)
Hoje a Lava Jato também sepultou Sergio Moro. E com ele aquele sentimento anticorrupção que animou o Brasil no início do século como um renascimento. O fim do núcleo de combate de paladinos, nascido na anônima cidade do sul, morre despercebido. Sem desfile, sem comentário nas redes sociais, sempre decisivo na vida política brasileira. Agora existe a Covid e o início da vacinação em massa. Lula continua um político coxo, Moro um herói sem história.
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