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O ministro Paulo Guedes foi jantar com jornalistas e empresários na última quarta-feira (6) e falou demais. Disse que a reforma da Previdência incluiria novas mudanças da área trabalhista, oferecendo aos jovens ingressantes no mercado de trabalho a possibilidade de optarem por ser empregados com ou sem direitos. No dia seguinte, de manhã, um grande jornal aprofundou o tema: o governo avaliava a possibilidade de lançar um modelo livre de décimo terceiro salário e de recolhimento de FGTS, medida que, por ferir cláusula pétrea da Constituição, só se tornaria viável se oferecida como alternativa ao trabalhador jovem – adere quem quer. À tarde, Guedes negou a intenção de enfiar o jabuti trabalhista na reforma da Previdência.

Um vai-e-vem a mais ou a menos de membros do Executivo já não faz tanta diferença, mas o caso ilustra o que todos sabem: o fim das garantias sociais é meta ideológica a ser perseguida sem trégua pelo governo Bolsonaro. A entrega dos recursos dos contribuintes a gestores privados, a se concretizar via instituição de um modelo previdenciário por capitalização individual, como quer Paulo Guedes, é foco “ideológico, quase religioso”, no entender do sociólogo Fausto Augusto Júnior, do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

“É óbvio que o sistema financeiro está de olho na administração desses recursos, e há uma questão concreta, que é colocar na mão da iniciativa privada os grandes fundos públicos, e a Previdência é um deles”, observa Augusto Júnior. “Está em curso um processo para transformar a Previdência numa mercadoria para o sistema financeiro”, adverte.

Quando o ministro da Economia fala em contratos de trabalho sem qualquer tipo de oneração ao empregador, ele fala em desvincular da folha, além das contribuições previdenciárias, também os repasses ao FGTS, ao FAT (Fundo de Amparo ao trabalhador), ao PIS-Pasep, sem os quais a Caixa Econômica e o BNDES não terão condições de financiar políticas sociais. “Esses fundos são a base da poupança pública do Estado hoje”, enfatiza o sociólogo. “Eles (o governo) têm a ideia de que o dinheiro de um fundo como a Previdência Social será revertido para o próprio sistema por meio da iniciativa privada, o que a história mostrou não ser verdade”.

O Chile é o exemplo perfeito de que privatizar a Previdência, pura e simplesmente, não resolve o problema dos aposentados, que lá recebem benefícios baixíssimos (meio salário mínimo brasileiro, em média). Até hoje o país vizinho luta para sanar os males provocados pela sua reforma da Previdência feita nos anos 80.

“Imagine-se um regime de capitalização em que as pessoas contribuem direitinho por 35 ou 40 anos – esse sistema funciona. Porém, se poucos contribuírem e houver uma concentração de mercado nas mãos de poucas administradoras de fundos, como aconteceu no Chile, não há saldo lá na frente”, explica Daniel Pulino, professor de Direito Público da PUC-SP e diretor de Previdência Complementar do IBDB (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário).

Como está sendo proposta, a reforma da Previdência pode configurar “um grande cheque em branco” dado ao governo Bolsonaro. “Estão jogando tudo para Lei Complementar, embora deem algumas diretrizes estruturais que não houve nas reformas de Fernando Henrique e Lula, como introduzir capital privado para a proteção obrigatória de brasileiros”, alerta Pulino.

Arranjar meios de realizar mudanças estruturais fora da Constituição, alterando um modelo fruto de árduo trabalho de constituintes, não é um procedimento exatamente democrático.

“A informalidade do trabalho é hoje o maior desafio de qualquer sistema de previdência no mundo, mesmo em países da Europa”, diz o especialista. “Se esse for o nosso caminho, vai acontecer aqui o mesmo que aconteceu nos países que fizeram a reforma na década de 90: eles revisaram seus sistemas pouco depois. Quando as pessoas não contribuem, não há saldo de conta para haver aposentadoria lá na frente. Se isso não bastasse, também acontece de as pessoas envelhecerem, ficarem doentes – elas vão bater na porta de quem?”, indaga Daniel Pulino.

por Paulo Henrique Arantes

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