O mundo paralelo dos bolsopatas ou a ilusão de termos sido mais
Há uma lenda no Direito, de que um povo que vivia à beira de uma montanha era periodicamente atacado pelos que viviam no topo da montanha. Os atacantes tinham cavalos e desenvolveram as lanças. Ao chegarem, saqueavam as plantações e violentavam as mulheres. Um belo dia, resolveram entrar num acordo para criar direitos. O primeiro artigo da lei dizia: quem tem cavalos e lanças têm direito às mulheres e plantações.
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Faltavam poucos dias para a farsa eleitoral de outubro, quando um homem simples que limpava a piscina da casa de um amigo meu disse que iria votar no Coiso por dois motivos. Primeiro, por ser ele um enviado de Deus, de acordo com o pastor de sua igreja. Segundo, por que ele iria livrar o Brasil do comunismo. Ainda que perplexo com a primeira explicação, meu amigo pulou direto para a segunda. O que você sabe sobre comunismo? “É um jeito de política no qual eles tomam tudo da gente”, respondeu o coitado. Inquieto, meu amigo perguntou: e o que você tem para eles tomarem? “Nada”, respondeu o coitado, mas um dia eu quero ter…
Lembro que tempos depois de deixar a presidência, durante uma entrevista a uma emissora da Europa, o ex-presidente Lula foi perguntado sobre as inquietações no Brasil, diante de uma iminente turbulência política. O que está acontecendo?, perguntou a repórter. Lula foi simplório e objetivo na resposta: “O povo quer mais”. Mais tarde, em 2014, já opinando sobre o governo Dilma Roussef, Lula foi além do mais: “O povo quer mais democracia, mais esperança, mais ética, quer continuar sonhando… o povo está mais exigente, o povo quer mais”. Esse comentário associado a fala do peão da piscina ilustram como Lula tinha e tem a capacidade de ler a alma do povo como poucos.
Essa capacidade de ler almas logo foi captada pela elite esquizofrênica brasileira. Certa feita, um grupo de delegados da PF estava reunido num hotel em Brasília. À beira da piscina, regados a uísque 12 anos, tábuas de frios e de queijos, criticavam o Bolsa Família. Para tornar a cena mais surreal, o hotel só aceitava pagamento em espécie, nada de cartões ou cheque. Para tanto, tinha instalado em suas dependências vários caixas eletrônicos e uma casa de câmbio. Tudo isso porque não poderia entrar dinheiro na conta bancária do hotel enrolado com o fisco. O proprietário estaria envolvido em várias falcatruas fiscais e penais. Ao que consta, o hotel foi vendido durante o ano passado para sanar dívidas.
Também naquela cena surrealista um policial maçom disparou um lamento providencial. “O drama, colegas, é que nem um líder como ele (Lula) nós temos. O drama, colegas, é que nem uma bandeira unificadora nós temos. Mas, eles (a esquerda) não perdem por esperar. A batata deles está assando”. Não necessariamente com essas palavras, o tamanho do Lula fora percebido e a batata assando era já então a procura remota de algo ou alguém que um dia encarnasse o atual presidente “eleito”. Na base do aquilo deu nisso, anos mais tarde começou a construção do mundo paralelo daqueles que hoje cerimoniosamente trato por bolsopatas.
Pois bem. O filho do presidente Coiso declarou há pouco para uma emissora de televisão dos Estados Unidos, que o Brasil jamais voltará a ser um país socialista. Depois, o próprio Coiso declarou numa unidade do Exército, no Rio de Janeiro, que o importante foi livrar o Brasil do comunismo. O mundo paralelo dos bolsopatas criou o “fekomunismo”, que é o comunismo fake, comunismo viúva Porcina – aquela que foi sem nunca ter sido. Tudo de ruim que acontecer ao povo está explicado pelo combate ao comunismo e por culpa do “petê”. Eis o “líder” e a bandeira fake.
O combate ao comunismo fake compreendeu entre outras artimanhas o falso combate à corrupção, a política de terra arrasada – via Farsa Jato com seus atropelos constitucionais, sobretudo o Art. 5º que estabelece direitos e garantias negados ao ex-presidente Lula. Tudo com a conivência do dito supremo e das Forças Armadas que nem nacionalistas são. Passou também pela apologia da revogação do Art. 206 da Constituição, que estabelece o ensino educacional em igualdade de condições, “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento… pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas,… gratuito” (a tal escola sem partido). Será mesmo que uma escola “Torturador Brilhante Ustra” seria sem partido?
Criou-se no Brasil uma usina de loucos que tentam impor seu mundo paralelo. Uma parte de fabricantes de fantasmas como as mamadeiras de piroca, outra de predispostos a crer e temer (n)os tais fantasmas. Eclodiram os juízes, procuradores e delegados federais fanáticos e fundamentalistas religiosos. Da terra plana ao Jesus na goiabeira, uma legião de loucos explodiu no país, inclusive um que, por pretensas razões religiosas, supostamente teria tentado esfaquear o presidente Coiso sangue de barata. Até hoje se espalham lendas sobre ameaças que a PF diz investigar em sigilo, que pelo histórico, se forem reais, só podem ser deles contra eles, pois têm perfis doentios e violentos.
Conclusão: jogaram um mufumbu sobre o País, hoje gerido por loucos. Como disse um amigo da PF, há uma loucura com visíveis patologias: da bipolaridade do Coiso à paranoia de seu filho pit bull, vige um espectro doentio em Ernesto Araújo, Olavo de Carvalho, Damaris, Janaina, Joice, Onyx, Queiroz, Alexandre Frota… São dependentes químicos de desprezo e apalpos ao mesmo tempo. Movidos a ódio, sentimento de vingança e de retaliação, eles têm um quê de delírio, de terra prometida, de povo escolhido, providência divina, de compulsividade.
Tudo isso talvez explique o medo do peão da piscina e a cena surreal do hotel em Brasília. Nós humanistas, que circunstancialmente nos imaginávamos sermos quantitativamente mais, nos demos conta tardiamente de que, quem tem as lanças, os cavalos… ou melhor, quem tem a mídia, a polícia, a justiça, o dinheiro e as armas têm direito a tudo o quanto mais…
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo