Em depoimento sobre atuação de empresa de logística à CPI da Covid, senador alerta para “exemplo” do que representa a saúde pública nas mãos de interesses privados
Negócios sem licitação, suspeitas de fraudes, indícios de sobrepreço em mais de 1.000% em contratos com o Ministério da Saúde, transações milionárias em espécie e mais. O depoimento à na CPI da Covid nesta terça (5), de representantes da VTCLog – empresa de logística que mantém contratos com o Ministério da Saúde, foi marcado por negativas dos inquiridos e evidências de irregularidades. “Um laboratório ultraliberal”, como afirmaram parlamentares, que iniciaram a oitiva do sócio da VTClog Raimundo Nonato Brasil. Entretanto, no meio do processo, a diretora-executiva da empresa, Andreia Lima, passou a responder às perguntas.
Embora muitas dessas perguntas tenham ficado sem respostas, os senadores, consideraram o dia produtivo no levantamento do que consideram provas de irregularidades que envolvem a empresa e o Ministério da Saúde do governo Jair Bolsonaro. Mais um capítulo da investigação de suspeitas de corrupção e outros crimes em torno da gestão do atual governo durante a pandemia de covid-19. Na avaliação do senador Jean Paul Prates (PT-RN), foi uma amostra “desastrosa e corrupta” de ultraliberalismo proposto por parte do ocupante da cadeira de presidente e seus auxiliares e seguidores.
“É um mundo de esquisitices”, relatou Jean Paul Prates. “Frankensteins corporativos, contrato com uma empresa e CNPJ de outra. Dá para ter uma ideia do que seria a Saúde no Brasil nas mãos dessa iniciativa privada. Imagina isso: kits de medicamentos fajutos; teses (de tratamento sem eficácia comprovada) impostas para médicos; ameaças; óbitos como alta; ordens criminosas; compactuação com a corrupção. Esse governo nos permite ver um exemplo de país submetido ao mercado. Um país dependente de oligopólios, engessado na sua energia, na política de preços, para concentrar privilégios nas mãos de poucos”, afirmou.
Prates chamou a atenção para o que foi “proposto e imposto” aos serviços básicos, na condição de reféns da lógica do lucro e do mercado. “É um laboratório ultraliberal. Charlatanismo, experiências como fez (Josef) Mengele (médico nazista), corrupção na compra de vacinas, fraude em inúmeros registros públicos. Precisamos aprender com isso”, disse, ao criticar medidas que tramitam no Congresso como a “reforma” administrativa (PEC 32), que prevê a precarização e o desmonte do serviço público.
VTCLog
A VTCLog tem diversos tipos de contratos com o governo federal desde 2008. Mas durante o governo de Michel Temer, De acordo com o Portal da Transparência, a VTCLog teve diferentes contratos com o governo federal desde 2008. Em 2018, durante o governo de Michel Temar, assumiu o lugar de um antigo órgão do Ministério da Saúde, a Central Nacional de Armazenagem e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi). O ministro era Ricardo Barros, hoje líder de Bolsoanro na Câmara, ew a Cenadi era até então responsável pela distribuição de insumos. Após sua extinção, a pretexto de redução de gastos, a VTCLog assumiu os negócios, mesmo sendo segunda colocada na licitação.
Desde então, a empresa conseguiu ao menos oito contratos com o Ministério da Saúde, mas fechados sem processos de licitação. As irregularidades estão emaranhadas com o escândalo de corrupção na compra de vacinas pelo governo Bolsonaro com a Precisa Medicamentos, além de outros casos suspeitos. Por exemplo, o motoboy Ivanildo Gonçalves, que trabalha para a empresa há 12 anos, teria movimentado mais de R$ 4,7 milhões em saques e pagamentos. Em seu depoimento, o motoboy da VTCLog confirmou a atividade e contou que chegou a sacar R$ 400 mil de uma só vez na boca do caixa. Ele afirmou ainda que os pedidos pararam há três meses – período em que começaram as investigações da CPI.
“Chama a atenção do fato de a VTCLog ter ficado em segundo lugar (em um destes contratos) com diferença de preço de um centavo para a segunda empresa, cuja oferta foi de 97 milhões anuais em contrato de cinco anos. Isso levanta suspeita de conluio. Para piorar, a empresa desclassificada levou a VTCLog a sair vencedora por uma oferta de 97 milhões e um centavo”, relatou a senadora Leila Barros (Cidadania-DF).
Difícil de acreditar
Em outro caso que provocou estranheza aos senadores, Andreia Lima, que atua como executiva da empresa, não é contratada da VTCLog. “A senhora recebe seus vencimentos de uma empresa do seu esposo (Macrosoft) mas trabalha pra VTCLog. É muito estranho”, disse o senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Por sua vez, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que “é inegável que a empresa teve crescimento significativo durante o governo Temer que se aprofundou agora no governo Bolsonaro. Do mesmo jeito que a Precisa levou três operações de busca e apreensão em menos de um mês, sendo duas determinadas pela Justiça, com certeza vamos ter resposta pra saber se a empresa não cometeu irregularidades. Sinceramente, desejo que não. Mas digo que é difícil de acreditar na história toda”.
Relações promíscuas
As relações entre o capital privado e o governo Bolsonaro também é regada a jantares com vinhos caros, como demonstrou intervenção do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “O senhor não recebeu (Eduardo) Pazuello (general e ex-ministro da Saúde) e Elcio Franco (coronel do Exército e secretário-executivo no ministério) no dia 20 de junho do ano passado em um jantar? A VTCLog costuma oferecer jantares? Pergunto isso porque, nos dias 12 de abril e 12 de maio de 2021 tem transferências de valores para um dono de restaurante em Brasília. Esse restaurante recebeu repasses da VTCLog e o mesmo restaurante recebeu repasse de jantares promovidos pela Primacial, empresa do Danilo Trento. E recebeu também mais de 50 mil da 6M Participações, do Francisco Maximiano. Jantares, vinhos”, disse.
“O Ministério da Saúde faz transferências de recursos para a VTCLog. O recurso é retirado na boca do caixa. Na mesma data fazem os boletos para Roberto Ferreira Dias. Essa coincidência de datas chama a atenção”. Uma empresa apenas descriminada como PGTO Cobrança, que abriu offshore no Panamá, recebeu pagamentos de quase 1 milhão da VTCLog. Mas não apenas da VTCLog. “A VTCLog é grande ou pequena? Grande que faz saque na boca do caixa? Que não sabe explicar por que ocorreram pagamentos? Advinha qual outra empresa também transferiu dinheiro pra essa PGTO Cobrança: a empresa do Francisco Maximiano. pra offshore no Panamá. Pode ser coincidência, mas jabuti não sobe em árvore”, completou o senador. Maximiano é o dono da Precisa Medicamentos, envolvido em propostas de superfaturamento na compra de vacinas da Covaxin.
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