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Após anos de descaso com as ações afirmativas, tema volta a ser prioridade no país com o governo Lula

Paulo Paim destaca que disputa ideológica tem atrapalhado avanço de ações afirmativas no parlamento

Com o governo Lula, ficou para trás um passado tenebroso da história do Brasil, quando o grupo que governava o país lutava para abandonar as ações afirmativas. Desde 2023, a nova gestão federal vem adotando uma série de medidas para incluir grupos historicamente marginalizados no país nas políticas públicas. O tema foi pauta de audiência pública nesta quinta-feira passada(5/9) na Comissão de Educação e Cultura (CE) do Senado.

O foco da audiência, presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), foi principalmente as cotas étnico-raciais em ações no Ministério da Cultura, mas abordou ainda uma série de medidas adotadas pelo governo Lula para possibilitar o acesso facilitado às políticas pública,s e, até mesmo, o combate à criação de narrativas falsas que propagam o preconceito.

Para Paim, ainda há muito no que avançar. “Especialmente em um país onde 54% da população é negra, preta e parda. A política de cotas é fundamental para o combate ao racismo estrutural e na inclusão das pessoas negras nas ações culturais”, coloca o parlamentar.

No Ministério da Cultura (MinC), as ações afirmativas nas políticas públicas estão presentes hoje em todas as secretarias e entidades vinculadas à pasta, além de todos os estados e 98% dos municípios brasileiros.

“Hoje estamos coordenando, pelo MinC, o processo de implementação de ações afirmativas com a maior capilaridade já implementada pelas políticas públicas no Brasil”, explicou a chefe da assessoria de Participação Social e Diversidade da Pasta, Mariana Braga.

Os projetos abrangem ações afirmativas para vários grupos, entre os quais: mulheres, negros, povos indígenas, pessoas com deficiência, idosos, pessoas em situação de rua, pessoas em situação de custódia ou internação, jovens, refugiados, migrantes, fronteiriços e comunidades tradicionais.

Além de apoio por meio da oferta de iniciativas, o governo Lula também tem se preocupado em garantir acesso a essas ações. Desta forma, a gestão tem incluído, por exemplo, procedimentos facilitados de inscrição nos editais e programas e mecanismos que assegurem a acessibilidade.

A desconcentração territorial também tem sido uma meta, garantindo recursos para regiões periféricas e com menor histórico de acesso às iniciativas promovidas pelo Ministério da Cultura.

Das iniciativas MinC que contemplam ações afirmativas, cerca de 60% correspondem a editais no primeiro semestre deste ano. Entre eles, um específico apenas para mulheres (01/2023 SAV/MINC), garantindo cotas para negras e indígenas e destinando recursos para todas as regiões do país.

As cotas estão garantidas nas principais iniciativas do governo para o setor cultural, como a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc.

Direitos humanos distorcidos

A audiência também tratou de um tema em voga no país: o preconceito difundido nas redes sociais – e que já estaria chegando no meio acadêmico. A questão foi abordada pela chefe da assessoria especial de Educação e Cultura em Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MCDH), Letícia Cesarino.

A preocupação de combater as mentiras tem, entre seus propósitos, acabar com a disseminação de narrativas racistas e que atrapalham, até mesmo, o avanço de propostas de combate à discriminação e de apoio ao povo negro.

“No caso de direitos humanos, está meio no olho do furacão, porque temos na sociedade hoje quem proponha inclusive visões invertidas. Se não são para todos, não são direitos humanos, não pode ter apenas para quem é ‘merecedor’ ou só para quem se intitula ‘humano direito’”, diz Cesarino.

A representante do MCDH exemplificou com o revisionismo da escravidão, a partir de narrativas que buscam distorcer ou falsificar acontecimentos históricos. Segundo ela, apesar de essa desvirtuação prevalecer no território da internet, tais mentiras já estão chegando nas escolas.

“A gente tem repensado a questão das políticas culturais em direitos humanos muito nesse sentido, porque a educação formal em direitos humanos não é mais suficiente. A gente tem que desenvolver formas de chegar nas próprias visões de mundo do senso comum do que é direitos humanos, do que é racismo e todos esses desafios que estão colocados”, pontua.

Ela destacou ainda como até mesmo o debate de projetos de lei “óbvios” no Congresso Nacional – como cotas para negros (PL 1.958/2021) – vem sendo alvo de disputas ideológicas. Aprovado no Senado, o projeto segue parado na Câmara dos Deputados.

“Hoje estamos numa conjuntura onde o próprio significado de direitos humanos está sendo disputado. Antes, a dificuldade que tínhamos era de implementar as políticas. Agora, além da dificuldade de implementá-las, o próprio consenso em torno dessas políticas está em disputa, inclusive por forças que estão atrapalhando, impedindo esses avanços”, aponta.

Na mesma linha, o coordenador do grupo de trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, Yuri Pereira Costa, lembrou o caráter histórico atrelado à política de cotas no Brasil.

“Cotas raciais não são uma política isolada, elas são parte de uma política de reparação histórica que tenta, se não reverter, ao menos mitigar os cerca de 350 anos de escravização da população africana e indígena no nosso país. Cotas não são privilégio, na verdade ainda é muito pouco diante daquilo que o Brasil precisa enfrentar”, disse Yuri.

Ele afirma que a escravização de pessoas foi sim uma “política pública”, prevista em lei e legitimada pelo Legislativo e por atos do Poder Judiciário nos tempos de colônia portuguesa. “Então, hoje, esse mesmo Estado tem sim a obrigação de promover políticas de reparação”, colocou.

Sobre o tema, Paulo Paim lembrou que outro projeto aprovado no Senado e parado na Câmara, justamente devido às disputas de narrativas, torna crime a prática de atos preconceituosos por parte de agentes públicos e profissionais de segurança privada (PL 5231/2020).

Necessidade de diálogo

Para avançar nas ações afirmativas, a diretora substituta de Políticas de Ações Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial, Vanessa Machado, defendeu a necessidade de diálogo. Ela lembra que são essas políticas que estruturam as políticas de igualdade racial no país.

“Sabemos que essas políticas têm essa função inclusiva e têm um enfoque que não é exclusivamente racial, mas também de gênero, das pessoas com deficiência. Tratar das políticas afirmativas no âmbito da cultura, pensando nesse enquadramento étnico-racial principalmente, é fundamental, porque sabemos como o campo da cultura tem essa importância na construção da identidade negra nacional, nas estratégias de resistência e de bem-viver da comunidade negra brasileira”, aponta.

Com informações do PT Org

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