A Confederação Nacional da Indústria (CNI) protocolou na segunda-feira (03/02) uma ação que contesta a regra trabalhista que dá estabilidade a pessoas que vivem com o vírus HIV. A norma também abrange outras condições e doenças associadas a discriminação ou preconceito.
Dois dias depois, o presidente Jair Bolsonaro gerou uma onda de críticas ao dizer que pessoas com HIV são uma “despesa para todos no Brasil”.
O alvo da CNI na ação levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) é uma regra de 2012 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que na prática impede a demissão de funcionários soropositivos.
“Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”, diz o texto da súmula 443 do TST.
Segundo a confederação, a súmula criaria “instabilidade jurídica” porque “o empresário se vê obrigado a provar que demitiu por razão que não a doença, o que, na prática, acaba por transformar toda e qualquer demissão em discriminatória”.
Na avaliação do superintendente jurídico da CNI, Cassio Borges, a regra seria um “excesso”.
“É um excesso, uma inversão descabida do ônus da prova que torna abusiva toda e qualquer demissão, praticamente afastando o direito do empregador de demitir sem justa causa”, afirma Borges em nota enviada pela confederação à reportagem.
De outro lado, defensores da regra afirmam que ela existe para garantir segurança e estabilidade a pessoas que vivem com o HIV. A ministra Cármen Lúcia será a relatora da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pela confederação, ainda sem data para ser discutida na Corte.
Na quarta-feira, o presidente Bolsonaro defendeu a campanha de abstinência sexual promovida pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) usando termos como “HIV” e “depravação”.
“Uma pessoa com HIV, além do problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil. Agora, essa liberdade que pregaram ao longo de PT, tudo, de que vale tudo, (em que) se glamouriza certos comportamentos que um chefe de família não concorda, chega a esse ponto. Uma depravação total. Não se respeita nem sala de aula mais”, disse o presidente a jornalistas ao sair do Palácio da Alvorada.
Para defender a política, o presidente citou o caso de uma mulher que teve o primeiro filho aos 12 anos de idade e depois contraiu o vírus HIV.
“Quando ela (Damares Alves) fala em abstinência sexual, esculhambam ela. Eu tenho uma filha de 9 anos. Você acha que quero ter minha filha grávida no ano que vem? Não tem cabimento isso aí”, disse o presidente.
Questionada pela reportagem, a CNI disse que o pedido mudança na regra que dá estabilidade a soropositivos nunca foi discutido com o presidente.
“De maneira alguma. A demanda foi levada somente para o Poder Judiciário”, informou a confederação.
Procurado, o Palácio do Planalto não comentou o caso.
As falas do presidente geraram notas de repúdio de associações ligadas ao combate ao preconceito contra quem vive com o vírus.
“Não será por meio da divisão, do preconceito e da ignorância que construiremos uma resposta eficaz à epidemia do HIV/AIDS. A principal lição em 40 anos de enfrentamento à Aids nos ensinou, sem qualquer dúvida, que o peso de estigma e discriminação na resposta social é a maior barreira ao controle da epidemia”, afirmou o Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), fundada em 1987 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e outros ativistas.
“Ao dizer que as pessoas vivendo com HIV causam prejuízo à sociedade, o presidente autoriza tacitamente o estigma, a discriminação e a violação dos seus direitos humanos.”
A ONG também criticou a ação movida pela CNI.
“Para a ABIA, as duas ações estão em sintonia já que ambas reforçam o estigma, o preconceito e a discriminação contra as pessoas que vivem com HIV/Aids neste país.”
A CNI informou que “não cogita na ação a defesa de medidas discriminatórias por parte do empregador”.
“A Constituição rejeita tal prática em diversas passagens do seu texto e há legislações que tornam essas diretrizes efetivas, seja quando anunciam a vedação de práticas discriminatórias nas relações do trabalho, seja quando criminalizam atos específicos do empregador, como a exigência de teste e exame”, diz a associação.
O órgão continua: “A Confederação argumenta, no entanto, que a jurisprudência do TST evoluiu na direção de sempre presumir discriminatória a dispensa de empregado portador do HIV ou de doença grave que suscite estigma ou preconceito, se o empregador não demonstrou que o ato foi orientado por outra razão”.
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