O deputado Guilherme Boulos (PSOL) afirmou, em entrevista à Folha de S.Paulo, quatro dias após a derrota para Ricardo Nunes (MDB) na campanha pela Prefeitura de São Paulo, que, se a “esquerda virar centro”, isso representará um suicídio e que existe o risco de um “ciclo de 20 anos de extrema direita no poder”:
(…) Como analisa o resultado geral das eleições no país?
A esquerda foi derrotada no país todo em 2024. E precisamos aprender com as lições dessa derrota. Quem ganhou? Em primeiro lugar, o sequestro do orçamento pelo Centrão. Os deputados mandam [recursos previstos nas] emendas para os prefeitos. O índice de reeleição foi de 82%, o maior desde a redemocratização.
Os prefeitos, fortalecidos com grana, vão agora apoiar a reeleição desses parlamentares [em 2026].Se não houver uma barreira, daqui a dois anos veremos a maior taxa de reeleição do Congresso Nacional.
O outro lado vitorioso foi o da extrema direita.
O PL pulou de duas prefeituras para 16 entre as cidades com mais de 200 mil habitantes. E por quê?
Porque a extrema direita brasileira fez uma disputa cultural e ideológica de valores na base da sociedade, e deixou a esquerda na defensiva.
O que está em jogo, a partir de agora, é o que nós, da esquerda, vamos fazer para que a gente não sofra uma derrota histórica [na campanha à Presidência em 2026] que inauguraria um longo ciclo da extrema direita no poder no Brasil.
Vê risco real de derrota?
Quem salvou o país da extrema direita em 2022, no fio da navalha, foi o Lula, porque ele é a maior liderança popular da história do Brasil. E só quem pode fazer isso novamente em 2026 é ele. Lula é o fator que separa o Brasil do abismo da extrema direita e do fundamentalismo. Quem achou [em 2022, com a vitória de Lula] que o bolsonarismo estava no fim porque perdeu a Presidência fez uma leitura apressada.
Esse fenômeno político com viés fascista, autoritário, fundamentalista, ganhou uma parte expressiva da sociedade. Se agora fizermos a leitura errada da derrota [de 2024], vamos produzir outras derrotas.
E qual é a sua leitura?
Um sonho reúne um segmento que vai do [presidente do PSD, Gilberto] Kassab ao João Campos [prefeito reeleito de Recife pelo PSB], que é o de uma americanização da política brasileira, com democratas contra republicanos [referindo-se aos dois principais partidos dos EUA]. Centro contra a extrema direita. Ou seja, a utopia de uma sociedade sem esquerda.
Setores do PT, bem minoritários, afirmam que a esquerda foi derrotada porque não cedeu o suficiente em suas posições. Não virou centro.
Tiram a lição de que não há mais espaço para a esquerda na sociedade. Acreditam que a esquerda tem que se travestir de centro pois esse seria o único jeito de evitarmos o caos da extrema direita. Estão errados. Estão errados. Se a esquerda, agora, lambendo as feridas da derrota, cair nesse canto de sereia, cometerá um suicídio histórico. A extrema direita está construindo uma hegemonia de pensamento, inclusive em setores populares.
Se não sairmos da defensiva, ela vai se consolidar. A perspectiva é sombria. Precisamos ir para a disputa.
E o que a esquerda pode fazer?
Essa visão [de que a esquerda tem que ceder ainda mais] está baseada em dois erros.
O primeiro é acreditar que a conquista de 2022 [da Presidência] foi a vitória de uma frente ampla, desconsiderando o peso do Lula naquela eleição.
É claro que a frente ampla foi necessária, e eu defendo a frente mais ampla possível para reeleger o Lula em 2026.
Mas se fosse qualquer outro candidato em 2022, liderando a mesma frente ampla, Bolsonaro teria conseguido se reeleger.
O outro erro é não enxergar como a extrema direita consolidou. Não foi se tornando centro. Foi disputando posições, valores, ideias na base da sociedade. Isso foi nos levando cada vez mais para a defensiva, para a defensiva, e eles foram ganhando [terreno]. A extrema direita está ganhando a disputa cultural por W.O.
Mas há fartos estudos que mostram que a extrema direita cresce no mundo porque os outros modelos vigentes já não trazem mais a prosperidade de antes, e ela é disruptiva em relação a eles.
Sim. Mas, quando chegou ao poder, a extrema direita tampouco conseguiu oferecer isso. Porque ela tem um discurso supostamente disruptivo, mas não tem nada de antissistema. O governo Bolsonaro foi antissistema? O Paulo Guedes no Ministério da Fazenda foi antissistema? Pelo amor de Deus! Esse é o sistema mais puro e escancarado.
Mas a narrativa pegou. E a esquerda não pode deixar de disputar na sociedade. Não é ser contra a prosperidade. É debater os caminhos para alcançá-la.
O [sociólogo] Jessé de Souza já disse que o risco que a gente vive hoje é o de o Brasil se tornar um Irã, no sentido cultural e social, com o domínio de um fundamentalismo monolítico.
E eu acrescento: a entrada do crime organizado e da milícia [na política] nos leva à possibilidade de um futuro muito difícil, de uma mistura de Irã com México, historicamente marcado pelo crime, por cartéis e por assassinatos.
Por isso essa disputa tem que ser feita agora.
Não falta sonho para a esquerda. O que falta hoje é a disputa desse sonho na sociedade. (…)
Com informações do Diário do Centro do Mundo
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