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Campanha à Prefeitura de SP teve cadeirada, soco e intensa troca de ofensas e acusações, mas padeceu de discussões sobre futuro da cidade

São Paulo — A campanha pela Prefeitura de São Paulo chega ao primeiro turno neste domingo (6/10) como a mais bélica da história recente da política paulistana. Marcada por ofensas pessoais em série, agressões físicas em debates e acusações de corrupção, ligação com o tráfico e até de uso de drogas, a disputa contou com o uso sistemático das redes sociais, reverberou em batalhas jurídicas e colocou à prova a influência de padrinhos políticos e de grandes alianças partidárias.

A corrida eleitoral começou com os nomes apoiados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à frente nas pesquisas eleitorais. O deputado federal Guilherme Boulos (PSol), aliado do petista, e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que atraiu o clã bolsonarista, lideravam os levantamentos e apostavam na polarização esquerda versus direita para chegar ao segundo turno, em uma espécie de recall das eleições de 2022.

Durante meses, o atual prefeito e candidato à reeleição costurou uma extensa coligação partidária com o objetivo de impedir uma candidatura genuinamente bolsonarista e embarcar na eleição como o nome “consensual” da direita para derrotar Boulos, em uma espécie de “frente ampla” contra o que ele chama de “extrema esquerda”.Play Video

A articulação rendeu frutos: o emedebista conseguiu evitar as candidaturas de Ricardo Salles (então no PL) e Kim Kataguiri (União Brasil), e garantiu uma aliança com 12 partidos, o que lhe rendeu mais de 60% do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. O prefeito também recebeu o apoio oficial de Bolsonaro, que indicou seu vice de chapa, o Coronel Mello Araújo (PL).

O plano de chegar na campanha como o único representante da direita, no entanto, acabou frustrado aos 45 minutos do segundo tempo, quando o influencer Pablo Marçal (PRTB) entrou em campo. Famoso na internet por sua atuação como coach, Marçal se apresentou como o candidato “antissistema” da vez e passou a competir com o prefeito pelos votos do eleitorado bolsonarista.

Com discurso típico da extrema direita, como a existência de um “consórcio comunista” de seus adversários, e disseminação de fake news, como a acusação de que Boulos consome cocaína, o influencer rachou a direita, atraiu uma leva de bolsonaristas, e passou a crescer nas pesquisas de intenção de voto, até empatar numericamente com Nunes, ameaçando o projeto de reeleição do emedebista.

Marçal também despertou interesse no clã Bolsonaro, de quem chegou a ganhar elogios no início da campanha, e ajudou a escancarar o desconforto da família com o apoio ao prefeito paulistano. A relação com o ex-presidente e seus filhos, no entanto, seria marcada por um intenso “morde e assopra” durante a campanha, com direito a Marçal chamando Carlos Bolsonaro de “retardado” e ao ex-presidente dizendo que “falta caráter” ao influencer.

Além de Marçal, outra novidade na corrida eleitoral também movimentaria a disputa em São Paulo, por motivos diferentes. Depois de desistir quatro vezes de se candidatar em outras eleições, o apresentador de TV José Luiz Datena (PSDB) confirmou que tentaria a Prefeitura de São Paulo em 2024, abandonando a então aliada Tabata Amaral (PSB), com quem vinha discutindo compor uma chapa como seu vice.

Com desempenho ruim nos primeiros debates e uma postura de anticandidato nas ruas — sem pedir votos e mostrando desconhecer até mesmo o número do próprio partido —, Datena saiu de uma posição de destaque nas pesquisas até derreter à quinta posição nos levantamentos mais recentes, ficando atrás de Tabata, inclusive.

Mesmo assim, foi protagonista de um dos momentos mais tensos da eleição: a cadeirada em Marçal, no debate da TV Cultura, em setembro. O episódio aconteceu em meio a uma escalada de agressividade na campanha, que começou hostil já no primeiro debate, em agosto.

Agressividade em debates

Realizado tradicionalmente na TV Bandeirantes, o primeiro dos 11 encontros entre os principais candidatos desta eleição teve Marçal insinuando que Boulos era usuário de cocaína. Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou que a equipe de Marçal se utilizava de um processo envolvendo um homônimo de Boulos para atacar o deputado.

Marçal nunca voltou atrás na fala e o episódio foi levado por ele até os últimos dias antes do primeiro turno, gerando condenações na Justiça Eleitoral que obrigaram o influencer a publicar uma série de direitos de resposta de Boulos em suas redes sociais. No debate da TV Globo, na última quinta-feira (3/10), o candidato do PSol exibiu um exame toxicológico para provar que não usa drogas e desafiou o rival do PRTB a fazer um exame psicotécnico.

Marçal havia prometido ao longo da campanha que provaria a acusação contra Boulos no último debate, mas não o fez. Questionado sobre o fato após o encontro de quinta, ele desconversou e afirmou que divulgaria as “provas” em suas redes sociais, o que acabou fazendo na noite desta sexta-feira (4/10), com a publicação de um suposto receituário que dizia que Boulos tinha dado entrada em uma clínica com “surto psicótico grave”. O documento, no entanto, apresenta uma série de erros e é assinado por um médico que já morreu. Além disso, Boulos fez uma live em sua casa e visitou um vereador de Osasco no mesmo dia em que supostamente teria entrado na clínica em surto. As informações sobre ambos os compromissos aparecem em registros no Instagram. Nesta sexta-feira (4/10), Boulos disse que iria pedir a prisão do adversário pela acusação.

A postura agressiva de Marçal se estendeu também a outros adversários, que ganharam apelidos jocosos, como “bananinha”, no caso de Nunes, e “para-choque de comunista”, no caso de Tabata, e foram alvo de provocações e mentiras. Depois do segundo debate, quando o influencer usou uma carteira de trabalho pagar fingir “exorcizar” Boulos, que reagiu dando um tapa no documento, as campanhas passaram a exigir regras mais duras das organizações dos eventos televisivos.

Boulos, Nunes e Datena chegaram a faltar a um dos debates, promovido pela revista Veja, como estratégia para tentar frear Marçal. O evento contou, no entanto, com a participação de outras duas adversárias, Tabata e Marina Helena (Novo), e as equipes acabaram confirmando presença nos debates seguintes.

Mesmo com regras mais duras, os encontros de adversários seguiriam sendo palco de trocas de ofensas generalizadas e clima tenso, principalmente entre Marçal, Nunes, Datena e Boulos. Com pouca discussão de propostas sobre a cidade, os candidatos repetiram acusações uns contra os outros até o fim da campanha, fazendo associações dos rivais com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e relembrando polêmicas como o boletim de ocorrência de violência doméstica registrado pela mulher de Nunes contra ele, em 2011.

No debate da TV Gazeta, Datena chegou a deixar seu púlpito, ameaçando chegar às vias de fato depois de uma provocação de Marçal. O apresentador desistiu e voltou ao seu lugar, tendo sido advertido pela mediadora pela postura, assim como o influencer.

O ápice da violência entre os postulantes aconteceria no debate seguinte, promovido pela TV Cultura. Marçal, que chamara Datena de estuprador logo no início do evento, relembrando uma acusação de assédio contra o apresentador, provocou novamente o tucano, dizendo que ele “não era homem” nem para agredi-lo.

“Você é um arregão. Atravessou o debate esses dias para me dar um tapa e falou que queria ter feito. Você não é homem nem para fazer isso”, disparou o influencer.

Datena deixou o púlpito em que estava e agrediu Marçal com uma cadeira usada por Marina Helena. O tucano acabou expulso do debate e o influencer foi levado a um hospital, com “traumatismo na região do tórax à direita e em punho direito, sem maiores complicações associadas”, segundo o boletim médico.

Nas redes, a campanha de Marçal tentou capitalizar em cima do caso, publicando vídeos em que o influencer aparecia na ambulância com máscara de oxigênio e comparando o caso ao atentado a tiros contra Donald Trump, na eleição americana deste ano, e à facada de Bolsonaro no pleito de 2018.

Depois, o próprio Marçal assumiu que sua equipe quis “fazer uma cena” publicando a imagem dele na ambulância nas redes. A “cena” virou piada, por meio dos memes, e mostrou uma postura de fragilidade que Marçal sempre tentou esconder. Após desmarcar eventos, ele retomou a agenda no dia seguinte e passou a explorar a agressão para alavancar seu engajamento no Instagram.

Dias depois, outro episódio de violência também foi registrado em um encontro dos adversários, desta vez envolvendo um produtor da campanha de Marçal que deu um soco no marqueteiro de Nunes, Duda Lima. O caso aconteceu nos bastidores, logo após Marçal ser expulso do debate do Flow por desrespeitar as regras da organização e fazer ofensas pessoais a Nunes durante suas considerações finais.

Frustrada com a sequência de baixarias e a não discussão de propostas, Tabata Amaral (PSB) viralizou nas redes ao comentar o episódio. “Sabe qual é a merda maior? Eu estava lá que nem uma filha da puta falando sobre as minhas propostas, fazendo um debate sério, e eu tenho certeza que amanhã só vão falar do soco. Não vão comparar as propostas. Eu tenho uma teoria, quase uma teoria da conspiração, de que colocaram o Pablo Marçal para que a gente não visse as merdas que estão acontecendo em São Paulo”, disse Tabata.

Redes sociais

Em paralelo ao bate-boca dos debates, a disputa também esquentou nas redes e nos tribunais. Sem direito ao horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio, mas com milhões de seguidores e um exército de apoiadores que faziam cortes de vídeos favoráveis a ele, Marçal largou em vantagem na campanha virtual.

Um campeonato de cortes organizado pelo influencer, no entanto, abriu espaço para que adversários questionassem a legitimidade de sua campanha, alegando que Marçal cometia abuso de poder econômico, e as redes do ex-coach acabaram derrubadas. Nos novos perfis criados, o influencer encampou um discurso de “censurado” e recuperou rapidamente parte de seus seguidores.

Foi também nas redes que outra candidata se destacou na campanha. Pela primeira vez na disputa pela Prefeitura e desconhecida por parte do eleitorado no início da corrida, Tabata ganhou visibilidade ao publicar vídeos sobre o passado de Marçal, condenado por participar de uma quadrilha que aplicava golpes, e sobre a ligação do influencer com pessoas supostamente ligadas ao crime organizado.

As redes foram ainda lugar para a publicação das dezenas de direitos de resposta conquistados por adversários em batalhas na Justiça. Com isso, o eleitor viu, por exemplo, Boulos nos perfis de Marçal e Nunes nas redes de Boulos.

Com o trunfo do maior tempo no horário eleitoral disponível e sem uma presença forte nas redes, o atual prefeito da capital tentou se destacar na campanha da TV.

Nunes aproveitou os mais de seis minutos que tinha diariamente na televisão para destacar suas entregas, se apresentar como “cria da periferia”, mostrar o apoio do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a sua candidatura, e, também, atacar Marçal diariamente.

Em meio a um apoio tímido de Bolsonaro, abalado pela entrada de Marçal no pleito, Tarcísio se tornou o principal fiador do prefeito na campanha e participou tanto do horário eleitoral gratuito quanto das agendas de rua, pregando voto útil em Nunes para derrotar Boulos no segundo turno.

A propaganda na TV ajudou Nunes a crescer nas pesquisas, com o prefeito chegando a ficar seis pontos à frente de Marçal. A diferencia diminuiria com a proximidade do primeiro turno, chegando a um empate dos dois nomes da direita, com 24% de intenção de votos, na pesquisa Datafolha divulgada a três dias da eleição.

Do outro lado do espectro político e dono do maior orçamento da campanha, com R$ 66 milhões, Boulos utilizou Lula para tentar conquistar o voto dos paulistanos, usando a imagem do presidente desde o primeiro dia de propaganda no rádio e na televisão. Mesmo assim, não conseguiu liderar entre os mais pobres, mostrando uma dificuldade de transferir votos do petista para si, e chega ao primeiro turno tecnicamente empatado na liderança com Nunes e Marçal.

Em uma tentativa de evitar um segundo turno sem representantes do campo progressista, artistas e intelectuais lançaram um manifesto mirando os eleitores de Tabata e pedindo voto útil em Boulos. Desde que o segundo turno foi instituído, as eleições em São Paulo sempre tiveram um candidato de esquerda nesta etapa da disputa.

A um dia da eleição, desta vez, no entanto, ainda não é possível saber quem irá ao segundo turno. Nem Nunes, com a máquina na mão e o maior tempo de TV, nem Boulos, com a campanha mais cara da eleição, nem Marçal, com o domínio das redes sociais, têm vaga garantida. Quem conseguir avançar, enfrentará o adversário no dia 27 de outubro.

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