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O presidente Jair Bolsonaro afirmou, em uma live da noite desta quinta-feira 4, que apenas não atua pela liberação do trabalho infantil porque seria “massacrado”. A série de declarações favoráveis a uma condição que ceifa a infância de mais de 2 milhões de crianças brasileiras, segundo levantamento da Fundação Abrinq, não parou por aí.

Bolsonaro afirmou que ele mesmo ‘quebrou milho’ na plantação aos 9 anos, que ‘não foi prejudicado em nada’ e que ‘trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil’ seriam reclamações esvaziadas, conforme é possível conferir no trecho abaixo. O cenário real no Brasil, no entanto, mostra o contrário.

https://youtu.be/Ezap_kxW50M

De acordo com o Observatório da Criança e do Adolescente, da Fundação Abrinq, quase 6,4% das crianças brasileiras entre 5 e 17 anos de idade trabalhavam em 2016. O cenário piora com os dados do IBGE daquele ano, que apontam que, entre as crianças e jovens de 5 a 17 anos que trabalham, cerca de 21% estavam fora da escola.

Além da evasão escolar, as crianças também sofrem com acidentes de trabalho. Cerca de 620 crianças e adolescentes foram vítimas deles em 2016, e, entre 2012 e 2016, 130 morreram por conta de complicações dos incidentes.

Mesmo assim, é possível identificar uma verdade implícita no vídeo: o cenário descrito pelo presidente é extremamente comum. O Censo Agropecuário de 2017 mostra que quase 588 milhões de crianças trabalhavam no campo, sendo que 90% delas possuíam vínculo familiar com o empregador – ou seja, atuavam juntamente aos pais ou parentes em atividades rurais. A identificação, no entanto, não pode servir para justificar um problema e “olhar para o passado”, mas sim “olhar para o futuro e lutar para que essa realidade seja superada”, segundo opina Antônio Lima, procurador do Ministério Público do Trabalho.

“Na fala dele, há leituras de visão do senso comum – da qual a gente discorda, mas compreende que possa existir. Mas não pelo presidente da República. A mensagem para o pai agricultor deveria ser: invista na educação dos seus filhos”, diz Lima, que também é mobilizador nacional de comitês pela prevenção e erradicação do trabalho infantil.

Uma visão rasa

O procurador analisa ainda as inconsistências presentes na visão rasa do assunto. “O trabalho infantil é justamente a porta de entrada para a violência. Se você olhar o perfil socioeconômico dos adolescentes que cumprem medidas preventivas, 90% delas vêm do trabalho infantil.”

Com as falas, Bolsonaro também negou o que jurou proteger. A Constituição Federal proíbe, no artigo 7º, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos, e qualquer trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. “Há uma obrigação legal em cumprir a Constituição. Ao fazer uma fala contra ela, ele diz para as pessoas não cumprirem a lei”, afirma o procurador.

“Ele falou da realidade dele, que também foi a minha realidade. Mas, sendo presidente, é muito ruim. A criança tem direitos humanos que devem ser assegurados como prioridade absoluta. Segundo o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], ele deve ser punido”, analisa Antônio.

Em nota a CartaCapital, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que “não consta no âmbito desta pasta qualquer proposta legislativa no sentido de alterar os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente que tratam da proibição do trabalho infantil”.

O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), articulador da Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, manifestou em nota o “veemente repúdio” à declaração de Bolsonaro, afirmando que o presidente desrespeita a Constituição e tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

“O Fórum Nacional denuncia essa grave violação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e convoca a sociedade e as famílias brasileiras para defender e garantir a todas as meninas e meninos no país o direito de brincar, de estudar, de se desenvolver plenamente, de crescer em ambientes protegidos e acolhedores e assim contribuir, como cidadãs e cidadãos adultos, para o desenvolvimento econômico e social sustentável do Brasil”, diz a FNPETI.

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