O ex chefe de estado brasileiro, envolvido em um escândalo de corrupção, saberá na quarta feira se sua condenação será confirmada e se poderá se candidatar para a corrida na qual é favorito. Ele conversou com o Libération em São Paulo.
Na próxima quarta-feira, o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre decidirá a sorte de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil e favorito nas pesquisas acerca da eleição de outubro (34 a 37% das intenções de voto). A corte deverá confirmar ou não a condenação de Lula feita em 12 de julho, que o sentencia a nove anos e meio, feita pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelas investigações da chamada Lava Jato acerca dos desvios na gigante do petróleo nacional, Petrobrás. O líder de esquerda é acusado de ser proprietário de um tríplex construído pela empresa OAS, dado a ele em troca de contratos com o grupo petroleiro. Se a sentença for confirmada, será legalmente impedido de se candidatar. Às vésperas de seu processo, Lula recebeu o Libération, assim como outros cinco jornais estrangeiros (New York Times, El País, La Nación, Die Zeit e o Guardian) no instituto que leva seu nome, em São Paulo.
Você não parece crer na neutralidade dos juízes que examinarão seu recurso…
Lula: Se eu não confiasse na justiça, não poderia me considerar um democrata. Mas este processo se baseou em um artigo do jornal O Globo afirmando que tal apartamento me pertencia. Nisto foi baseada uma investigação feita pela Polícia Federal que mais tarde levou a uma acusação do Ministério Público. Mais grave ainda, esta acusação foi acolhida pelo juiz Sérgio Moro, o que me faz acreditar que existam segundas intenções políticas, talvez misturadas com ódio.
Qual seu pedido à justiça?
Lula: Exijo que aqueles que me acusam apresentem provas materiais de que este apartamento me pertence. Se o objetivo é me impedir de concorrer à eleição presidencial, a existência de provas me desacreditaria totalmente perante às pessoas… Se o tribunal julgar com base nas provas do caso, não tenho dúvidas de que serei absolvido; mas se a motivação política prevalecer, sei que serei condenado.
Neste caso, você renunciaria sua candidatura?
Lula: Renunciar não faz parte do meu vocabulário. Eu enfrento outros nove processos judiciais de cabeça erguida. Não é o Lula que está sendo julgado, mas nosso governo. Não busco disputar a presidência para escapar de uma condenação (os processos são suspensos durante o exercício de poder). É o inverso: quero ser absolvido para me tornar candidato. Aqueles que me acusam estão mais preocupados do que eu. Eles sabem que mentem. Eu tenho a tranquilidade dos inocentes. Quarta-feira será um dia como qualquer outro. Na sexta, viajarei para Addis-Abeba, para a cúpula da União Africana. Se há um partido que combateu a corrupção foi o PT. Criamos todos os mecanismos necessários. Mas o que está havendo é uma “juridização” da política, uma politização de certos membros da justiça. É para denunciar isto que eu vou percorrer o país.
De onde vem este ódio ao qual você se refere?
Lula: A melhoria de vida de uma parte significativa dos mais pobres durante os doze anos de poder do PT desagradou muitos. Nós transformamos estes mais pobres em cidadãos. Eles agora podem ir a restaurantes, pegar aviões, comprar carros, computadores e celulares modernos. Tudo o que antes era reservado aos 35% mais ricos se tornou disponível para todos… O ódio também foi usado pela mídia dentro da cobertura das acusações de corrupção. No nosso caso, 50 centavos podem causar muito mais acusações do que bilhões desviados pela direita.
Uma eleição sem você seria uma fraude, como afirma seu partido?
Lula: Seria, evidentemente, se eu for impedido de concorrer por uma decisão totalmente política tomada pela justiça. Se utilizar de um processo judiciário para impedir uma candidatura é algo bem pouco democrático. Se eu tivesse 1% das intenções de voto, eles não tentariam impedir minha candidatura. O que eles querem é tentar evitar que o próprio povo possa julgar.
Como falar sobre assédio judicial contra você? A direita é também alvo da Lava Jato…
Lula: A corrupção era tão flagrante que não havia como esconder. Mas, durante os dois primeiros anos da investigação, ela tinha como alvo apenas o PT. Quando a glória subiu à cabeça destes moleques (os jovens procuradores da operação Lava Jato), eles passaram a tentar destruir a política brasileira. O problema é o carnaval em torno desta operação. Os juízes se deixam influenciar pela opinião pública.
Por que a comunidade empresarial está preocupada com seu retorno?
Lula: Os bancos e o mercado ganharam muito dinheiro durante o governo do PT (2003-2016). Mas hoje, quando leio que o “mercado” tem medo do Lula, acredito que são os yuppies (nota da tradutora: a expressão utilizada por Lula se refere a profissionais entre os 20 e 40 anos de idade, que normalmente figuram entre a classe média e a classe alta) de 29 anos de idade que fazem terrorismo eleitoral e especulação para ganharem mais dinheiro. Isso me lembra de uma economista do Banco Mundial que mentiu a respeito dos números do Chile na tentativa de prejudicar a ex-presidente Michelle Bechelet. As pessoas sérias sabem que o PT é capaz de gerir o crescimento. Tenho orgulho em dizer que o país nunca teve um período de tanta prosperidade como no nosso governo. Nós aumentamos os salários por doze anos seguidos e criamos 22 milhões de empregos sem provocar inflação. Foi a entrada dos mais pobres no mercado consumidor que impulsionou este crescimento e tenho certeza que podemos recriar esta dinâmica. Se vencermos, a esquerda poderia inclusive ganhar novamente em outros países da região.
Vocês não tem nenhuma autocrítica a fazer, sem arrependimentos?
Lula: Sim, lamento não ter feito mais. Poderíamos ter lutado mais contra o analfabetismo e democratizado os meios de comunicação, que hoje são monopolizados por um punhado de grandes famílias. Dito isto, nós fizemos muita coisa em pouco tempo. Por exemplo, duplicamos o número de jovens nas universidades, de 4 a 8 milhões. É pouco comparado à Argentina ou ao Chile, mas o Brasil foi o último país da América do Sul a ter universidades. A primeira foi fundada em 1920.
Por que o PT possui tantas figuras, você em especial, acusadas de corrupção?
Lula: Depois do Mensalão (escândalo de compra de votos que implicou o PT em 2005), nos esforçamos para governar melhor. E tiramos do partido as pessoas envolvidas. Se um de nossos membros – e somos mais de 2 milhões – comete erros, e estes erros são comprovados, nós não o protegeremos.
Como reconstruir um partido que sofreu grandes derrotas nas eleições municipais de 2016?
Lula: Segundo as pesquisas, o PT ainda tem grande credibilidade, muito superior a de outros partidos. 7% dos 150 milhões de eleitores no Brasil se dizem simpatizantes. Nosso partido é o mais forte do país. Isso não o impede de perder votos. Somos massacrados pela mídia desde 2005. Mas acredito que receberemos mais votos nas eleições gerais de outubro.
Mas você parece querer se associar novamente a líderes que contribuíram para a destituição de sua sucessora, Dilma Rousseff…
Lula: O partido busca se adequar às realidades regionais. Como romper com o PMDB (partido do atual presidente, Michel Temer, que destituiu Dilma Rousseff) em Minas Gerais, quando eles nos apoiam neste estado? Fazer alianças não é uma questão de princípios, mas de conjuntura política. O PT não pode deixar todos os aliados contra si. É exatamente o que querem os nossos adversários. Mas queremos voltar ao poder e governar.
O que planeja fazer se for eleito?
Lula: Coisas viáveis. Eles (os adversários) tentarão vender a ideia de que o Lula vai ser mais radical, mas este não é o caso. Estou mais maduro, mais experiente. Devemos defender aquilo que acreditamos, mas também deixar claro o que queremos para o futuro. Minha candidatura só faz sentido se eu puder defender uma política diferente. As reformas do governo de Michel Temer (reforma trabalhista e previdenciária, limitação de investimentos durante vinte anos através de emenda constitucional) foram realizadas puramente para atender aos interesses do mercado. Ganhos sociais foram perdidos. Se não discutirmos tais questões em um referendo, o Brasil voltará a ser um país que servirá apenas a 35% dos cidadãos mais ricos.
Criticar a política de austeridade não é também negar a dilapidação das finanças públicas?
Lula: Não venha me falar de responsabilidade fiscal. Eu sei muito bem que não se pode gastar mais do que se ganha. O problema é que não se discutem as prioridades. A educação, por exemplo, não é uma despesa, mas um investimento no nosso futuro. Ás vezes, aumentar a dívida vale a pena se há uma contrapartida. O Brasil não deve ter medo. Temos a quarta maior reserva internacional do mundo, com 378 milhões de dólares. Mas o projeto atual (de Temer) se resume a se desfazer do patrimônio público. Um projeto deve ser ousado.
A entrevista foi traduzida da original em francês. Todos os créditos são do Le Libération.
Por Patrícia Miguez
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