Sob presidência bolsonarista, CCJ aprovou texto que pune o aborto em todos os casos, até nos previstos em lei
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, a quantidade de vítimas de estupro e estupro de vulnerável cresceu 91,5% nos últimos 13 anos
Quando Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara aprovou, na semana passada (27/11), a Proposta de Emenda à Constituição PEC 164/2012, de autoria do ex-deputado Eduardo Cunha, que acaba com a possibilidade de qualquer tipo de aborto permitido por lei no País, as mulheres brasileiras, mais uma vez, se viram reféns de uma classe política guiada pelo conservadorismo. Vale destacar que a deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC) é a presidenta da Comissão.
Ao aprovarem uma PEC retrógrada que barra o procedimento do aborto, mesmo nos três casos permitidos pela legislação – anencefalia fetal, gravidez decorrente de estupro e gravidez que traz risco à vida da gestante, os 35 deputados partidos de direita e de extrema direita colocaram, novamente, seus interesses retrógrados sob os direitos de mulheres e crianças vítimas de crimes sexuais,
O texto ainda precisa ser debatido em comissão especial e ser aprovado pelos plenários da Câmara e do Senado, com pelo menos dois terços dos parlamentares, para ser viabilizado.
Nota de repúdio
A Secretaria Nacional de Mulheres do PT divulgou nota de repúdio sobre a aprovação da PEC.
“A Secretaria Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores é veementemente contra essa medida absurda, que pune vítimas de estupro. O estupro é uma das maiores violências a que uma mulher é submetida. É inadmissível que a vítima de um crime sexual seja obrigada a seguir com uma gestação indesejada, fruto de uma agressão. Desde já, orientamos as companheiras e os companheiros petistas a se unirem a nós em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e meninas”, diz a nota.
“Por hora, nascem 44 bebês de mães adolescentes no Brasil, segundo dados do SUS. Não podemos, admitir que, diante dessa tragédia social, o nosso partido, com a história que tem, acate uma posição de punição às vítimas de estupro. As meninas brasileiras devem brincar, estudar, se desenvolver com saúde e segurança. O Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores tem em sua essência o respeito à dignidade. Portanto, não pode trilhar o mesmo caminho da extrema direita, que, por meio do seus preceitos, guiados pelos dogmas religiosos e conservadores, busca punir vitimas de estupro, em vez de protegê-las e acolhê-las, diante de sua dor”, acrescenta a Secretaria.
Crianças e jovens podem sofrer os maiores impactos
Reportagem do jornal Valor Econômico, ouviu especialistas sobre o impactos que a PEC pode ter um impacto maior em crianças e jovens vítimas de violência sexual
Professora de direito constitucional da PUC-SP e presidente do Instituto Liberta, que defende os direitos das crianças e adolescentes, Luciana Temer classifica a proposta como um retrocesso e afirma que as permissões para o aborto no país estão previstas desde que o Código Penal entrou em vigor , em 1940.
“O que a gente está falando aqui no Brasil [proibição do aborto legal] é muito grave. Não é um ponto de vista. Eu digo que é um retrocesso porque o Brasil permite isso desde 1940. Então estamos falando de um retrocesso para antes de 1940”, afirma a professora de direito constitucional e ex-secretária municipal.
“A vida não se inicia com o nascimento e sim com a concepção. Na medida desse conceito, as garantias da inviolabilidade do direito à vida têm que ser interrompidas aos fetos”, diz o texto de Cunha.
Constituição
Segundo Luciana Temer, na Constituição de 1988 não se adicionou o termo “desde a concepção” para não inviabilizar as hipóteses de aborto legal que já eram permitidas naquele momento.
A legislação brasileira não define quando se inicia a vida, especialmente pela própria ciência não ter uma resposta unânime para essa questão, afirma Vivianne Ferreira , professora de direito da FGV-SP.
O direito à vida, assim como os outros direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, não é absoluto. Como exemplo disso, diz a professora, está a previsão de legítima defesa no Código Penal. “Você pode tirar a vida de alguém em legítima defesa e isso não é considerado um crime”, explica Ferreira.
Ainda de acordo com o periódico, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, a quantidade de vítimas de estupro e estupro de vulnerável cresceu 91,5% nos últimos 13 anos no Brasil. O número bateu recorde em 2023, saindo de 78.887 em 2022 para 83.988. Só no ano passado, foi registrado um estupro a cada seis minutos no país. Entre as vítimas, 77,6% são menores de idade, e 61,6% têm entre 0 e 13 anos.
Diante dessa realidade, Juliana Martins , coordenadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acredita que a PEC pode trazer mais vulnerabilidade à vida de mulheres e meninas que passaram por episódios de violência sexual.
“Já é muito difícil para uma mulher adulta enfrentar todas as questões relacionadas a uma gravidez decorrente de um estupro, quem dirá para uma menina. E em vez de a gente falar sobre como proteger essas meninas, estamos falando em como abandoná-las à própria sorte no caso de uma violência. Não estamos garantindo o direito à infância, a uma vida plena, segura, saudável”, disse.
CCJ sob presidência bolsonarista
De acordo com o PT Câmara, a deputada Erika Kokay (PT-DF) reclamou da arbitrariedade do comando da comissão, tanto ao agir com truculência contra manifestantes, quanto ao pautar uma PEC que não interessa à sociedade brasileira. “Nós tivemos aqui uma manifestação, onde mulheres parlamentares inclusivas foram desrespeitadas. Isso não guarda correspondência com a verdadeira leniência que se teve com aqueles que aqui estavam defendendo o PL da Anistia (para os golpistas do 8 de Janeiro), que nos acusaram de todos os adjetivos desqualificadores ao defender a anistia de que tentaram promover o rompimento democrático” .
Sobre a PEC, Kokay disse ser favorável à admissibilidade da proposta porque ela não apenas inseriu a palavra “desde a concepção”, na questão constitucional do “direito à vida”, mas automaticamente, elimina qualquer possibilidade de interrupção legal da gravidez nos casos previstos no Código Penal.
“Quando se diz que o “direito à vida” se dá “a partir da concepção”, está se falando que não pode ocorrer a inviolabilidade da vida. Se isso entra na Constituição, se rasgam os casos de aborto descriminalizados no Código Penal. Isso vai estabelecer que mulheres estupradas, por exemplo, vão ter que conviver com um estupro sem fim e ainda legitimar o estuprador. Por isso certos estão os manifestantes que diziam aqui “Criança não é mãe. Estuprador não é pai”, porque são meninas e mulheres adolescentes as maiores vítimas desse crime no Brasil”, disse Erika Kokay.
Com informações do PT Org
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