Inquirição na CPI da Pandemia destaca presença de políticos na estrutura da Senah e possível crime de falsidade ideológica
A inquirição dos senadores ao reverendo Amilton Gomes de Paula, presidente nacional da Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), expôs uma série de informações desencontradas e uso de “bravatas” em torno das conversas sobre vacinas contra a covid-19.
O reverendo foi apontado pelo PM Luiz Paulo Dominguetti como intermediador entre o governo e a empresa americana Davati Medical Supply, na oferta de vacinas da AstraZeneca ao Ministério da Saúde – segundo Dominguetti, ele procurou a Senah para viabilizar o negócio e revelou que o ex-diretor de Logística do Ministério Roberto Ferreira Dias teria exigido US$ 1 de propina para cada dose comercializada.
“O que o cabo Dominguetti quis dizer quando afirmou, em uma conversa com o senhor, que ‘Michelle entrou no circuito?’ Vossa senhoria estaria apenas fazendo uma exploração de prestígio (…)”, questionou o senador Humberto Costa (PT) sobre um possível envolvimento da primeira-dama Michelle Bolsonaro nas negociações. O reverendo disse que “só queria mostrar algo que não tinha”, e reconheceu que o diálogo com Dominguetti existiu, “eu só não me lembro do contexto”.
Percebendo que o advogado de defesa estava falando aos ouvidos do reverendo, o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD), lembrou “que não pode interferir falando ao depoente o que ele tem que responder (…) Não é permitido”.
O reverendo também confirmou que usou de “bravata” em uma mensagem enviada a Dominguetti, afirmando que falou “com quem manda”. Contudo, Omar Aziz interviu ao afirmar que viu o advogado dizer ao reverendo “fala que foi uma bravata”.
“Eu tenho respeitado aqui os advogados que, quando a gente toma uma decisão um pouco mais fora do tom, aí vem o mundo contra a gente. Mas eu estou ouvindo, ninguém tá me contando. O senhor pode ficar aí, mas vossa excelência está dizendo para o depoente o que ele tem que responder, aí não dá”, disse o presidente da comissão.
“Eu tive a impressão aqui reverendo (…) que vossa excelência estava completamente inocente nisso aí, que foi usado e tal, mas a gente vai vendo aqui que tem muita coisa que não se explica. (…) Tem alguma coisa que tá faltando e o senhor está protegendo alguém. O senhor tá protegendo alguém que foi alguém que lhe apresentou ao Ministério da Saúde para o senhor fazer essa intermediação”, disse Costa.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania) destacou ainda os bons relacionamentos que a Senah mantinha com os políticos, mesmo depois de afirmar sucessivamente que não tinha contatos, e destacou o uso da fé para realização de lobby e negócios.
“Se o senhor não tem relação política, reverendo, por quê que os presidentes da sua instituição são três deputados? O deputado Júlio Cesar Ribeiro, o deputado Castelo Branco e o deputado Marco Martins Machado?”, questionou. “Aí não é questão de relacionamento, eles integram a sua instituição”. Segundo o reverendo, eles nunca foram à instituição, e o pedido para que eles integrassem a Senah como presidentes de honra foi feito por ele.
“Eu fico muito triste, na verdade, quando eu ouço aqui algumas pessoas fazendo algumas colocações, e sobretudo pela sua posição. E lhe digo isso, reverendo, porque meu pai é pastor. E meu pai tem mais de 40 anos como pastor, quando eu nasci ele já era pastor. E eu sei o que é um pastor, sei o que é um ministro, sei o que é a luta e o que eles representam para uma sociedade”, disse a senadora.
“A gente está vivendo um tempo hoje, na história do Brasil, que me traz uma grande preocupação. Está muito claro uma relação que o presidente tentou adotar com a igreja de governo e igreja, e é uma relação que não dá certo. A história diz isso”, ressaltou. “A gente percebe claramente que o senhor omite, o senhor mente em algumas situações, e o que nós estamos vendo ultimamente é que, em nome de Deus, se propaga por exemplo o armamento, a perpetuação da doença (…) Não basta pegar em uma Bíblia ou ir em uma igreja como o presidente faz, ser a imagem e semelhança de Cristo não é isso”.
Entidade usada “para fins espúrios”
Embora a Senah tenha Secretaria Nacional no nome, a entidade não possui ligação com órgãos públicos, ao mesmo tempo em que a AstraZeneca já informou oficialmente que não vende à iniciativa privada e não autoriza intermediários, como a Davati, a negociar seus imunizantes. Contudo, Amilton Gomes disse que a entidade dele foi usada “de maneira odiosa para fins espúrios”.
O senador Jean Paul Prates (PT) observou que o próprio nome da Ong criada por Amilton — “Secretária Nacional” — pode apontar para falsidade ideológica, uma vez que o uso de brasões da República e da ONU em seus comunicados leva à imediata suspeita de estelionato. O senador ressaltou que as instituições com que a ONG de Amilton se comunicava usavam do mesmo expediente.
Amilton Gomes de Paula chegou a chorar durante os questionamentos do governista Marcos Rogério (DEM), o que não comoveu o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
“Não tem nada de humanitário nesta malandragem, nada. O objetivo aqui era financeiro, escamoteado com o nome de doação. O mais absurdo é o governo brasileiro dar espaço para gente como o senhor, como Dominguetti, como Cristiano”, afirmou o senador. “Enquanto as pessoas estavam morrendo, vocês estavam atrás de vantagem financeira. A oferta de vacinas é mentirosa, a conversa fiada de apoio humanitário é mentirosa, tudo atrás de dinheiro, no pior momento da vida do Brasil”.
Já o senador Rogério Carvalho (PT) ressaltou que nenhum outro governo deixou de comprar vacinas de laboratórios reconhecidos internacionalmente para depois fazer negociação com intermediários sem qualquer qualificação. O senador apresentou documentação da Terracap — companhia imobiliária de Brasília — e questionou Amilton sobre o motivo de a ong Senah funcionar no mesmo endereço de um espaço de festas localizado na cidade de Águas Claras, apresentando ainda documentos afirmando que o endereço pertence a uma clínica de olhos.