É necessária uma auditoria da dívida pública para estancar a sangria
Apesar das imensas riquezas existentes no Brasil, o nosso desenvolvimento socioeconômico encontra-se completamente travado: caímos para a 13ª posição no ranking do PIB mundial, ultrapassado até pela Austrália; agrava-se o processo de desindustrialização; e exacerba-se o desemprego, a desocupação e a extrema desigualdade social, com alarmante aumento, a olhos vistos, de famílias em situação de rua em todas as cidades do país, sobrevivendo à custa de lixo e ossos.
Enquanto isso, os jornais noticiam que “Grandes bancos têm maior lucro nominal em 15 anos”, um novo recorde, tendo em vista que o lucro dos quatro maiores bancos somou R$ 81,63 bilhões em 2021!
Não chegamos à barbárie por acaso e tampouco porque “Deus quer”, mas devido ao modelo econômico que atua no Brasil, projetado para produzir escassez para a maioria enquanto uma minoria privilegiada ostenta níveis absurdos de riqueza.
Esse modelo econômico é sustentado principalmente por 4 eixos: o sistema tributário injusto e regressivo, a política monetária suicida praticada pelo Banco Central, o modelo extrativista irresponsável da mineração e do grande agronegócio, e, principalmente, o Sistema da Dívida.
Assistimos a um verdadeiro saque das riquezas nacionais para alimentar o Sistema da Dívida, enquanto todos os outros investimentos necessários ao nosso desenvolvimento socioeconômico são deixados de lado, sob o falacioso argumento de que não haveria recursos.
Recursos não faltam em nosso país! Além de cerca de R$ 5 trilhões em caixa, houve “Superávit Primário” em 2021, no valor de R$ 64 bilhões (resultado referente à União, estados e municípios). Mas todo esse dinheiro está reservado para o rentismo!
O gráfico do Orçamento Federal Executado (pago) em 2021 evidencia o privilégio do Sistema da Dívida, que tem sugado a riqueza do país, produzida pela classe trabalhadora, para enriquecer ainda mais os super-ricos, também privilegiados pelo injusto modelo tributário.
A responsabilidade do Banco Central na garantia de lucros recordes aos bancos e produção de crise para a indústria e todos os demais setores econômicos é imensa!
Dentre outros mecanismos, a indecente remuneração diária da sobra de caixa dos bancos e a abusiva elevação dos juros sob a falsa justificativa de combater inflação têm amarrado a economia brasileira, levando inúmeras empresas à falência e famílias ao desespero: desde o mês de março/2021, o Banco Central já aumentou a Selic em 488% (saltou de 2 para 11,75% a.a.), e não segurou a inflação, mas, mesmo assim, já anunciou que fará nova alta.
No “celeiro do mundo”, onde o agronegócio bate recordes de exportação e lucros para as grandes corporações, mais da metade dos lares (55,2%, ou 116,8 milhões de pessoas) sofre com a insegurança alimentar, ou seja, não possui acesso pleno e permanente a alimentos.
A insegurança alimentar “moderada ou grave” atinge 43,4 milhões de pessoas (20,5% da população, que não têm acesso a alimentos em quantidade suficiente), e 19,1 milhões se encontram na chamada “insegurança alimentar grave”, ou seja, passam fome.
O desemprego formal atinge 12 milhões de pessoas, número este que se amplia para 28 milhões quando incluímos as 7,4 milhões de pessoas subocupadas (pela insuficiência de horas trabalhadas) e mais 9 milhões de pessoas da chamada “Força de Trabalho Potencial”, que inclui os chamados desalentados, que sequer acreditam que podem conseguir um trabalho.
Enquanto um grupo privilegiado de 28 mil pessoas ganha mais de 320 salários-mínimos mensais, recebendo cada uma em média R$ 765 mil por mês isentos do Imposto de Renda – Pessoa Física, pois são grandes banqueiros e empresários que recebem lucros distribuídos isentos e altíssimos ganhos com juros da dívida pública, a classe trabalhadora e consumidores em geral são pesadamente punidos com tributos embutidos no preço dos produtos.
A renda anual declarada pela parcela de 28 mil pessoas privilegiadas somou R$ 371 bilhões em 2020, valor próximo ao rendimento obtido (R$ 383 bilhões) por 89 milhões de pessoas, que representam os 40% mais pobres de toda a população brasileira.
Para acabar com essa barbárie, é necessário modificar o modelo econômico, com medidas que enfrentem os eixos que o sustentam, a começar por uma auditoria da dívida pública, com participação social e cidadã, para estancar a sangria de dinheiro que deveria socorrer as necessidades sociais urgentes, mas está alimentando o lucro dos bancos.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.