Desde o dia 17 de novembro, a situação francesa mudou abruptamente. Na origem disso, a irrupção espontânea, como raramente visto antes, de uma considerável franja das massas.
Estas não apenas sacodem o poder, como, ainda, as mediações políticas e sindicais. Como o superliberal Nicolas Beytout aponta na coluna de L’Opinion: “a França está dançando sobre um vulcão. Saberemos, em poucos dias, após as mobilizações do sábado e as primeiras consultas com os Coletes Amarelos, se poderão evitar a explosão. Por enquanto, há com o que se preocupar. O discurso de Emmanuel Macron sobre o plano de energia não alcançou seus objetivos, o apoio dos franceses aos Coletes Amarelos não enfraqueceu e nenhuma das revoltas que se agregaram em poucas semanas foram apaziguadas”. Mas essa mudança repentina na situação está longe de ser apenas uma trovoada em céu sereno. É produto de profundas contradições que se acumularam nos últimos anos e que, consequentemente, dificultam o estabelecimento de soluções hipotéticas para esses problemas.
Uma profunda crise de autoridade de Estado
Em contraste com as análises mais difundidas à esquerda, colocamos, desde o início, no início desse período presidencial, que o “macronismo” era, acima de tudo, um bonapartismo fraco. A imagem “jupiteriana[1]” de poder com a qual aparece não é o resultado de uma solidez intrínseca, mas, paradoxalmente, um reflexo da crise orgânica do capitalismo francês. Para se adaptar completamente à globalização neoliberal, esse mesmo capitalismo hexagonal não hesitou em desconstruir completamente o velho sistema político, deixando um grande vazio que o “macronismo” soube ocupar. Antes das férias de verão, e a despeito da derrota dos trabalhadores ferroviários durante a batalha das ferrovias – que, apesar de tudo, mostrou uma grande determinação, dilapidada pela orientação deletéria da direção sindical –, enfatizamos o desgaste prematuro do “macronismo” e a perda de crédito acelerada por parte de setores que, até agora, sem fazer pertencer ao núcleo duro de sua base social, apenas o toleravam. Essa gradual mas contínua perda de legitimidade testemunhou um novo desenvolvimento do caso Benalla[2] e um mês de setembro sob o signo da catástrofe, simbolizada pela saída de dois ministros do Estado e figuras do governo central: Nicolas Hulot, fiador de esquerda e da “sociedade civil” do executivo, assim como Gérard Collomb. A saída do prefeito de Lyon, primeiro apoio para Macron, é sintomática, além do mais, da maneira como a burguesia de província está abandonando Macron. Se, em períodos eleitorais, a amplitude da votação da FN[3] em alguns lugares e o aumento da abstenção são, em grande parte, devido ao colapso dessa burguesia que fica sem quadros ou não consegue mais “manter” as populações que, a partir de então, se projetam, a passagem para a ação, hoje, dos Coletes Amarelos, é a prova mais eloquente.
Diante desse enfraquecimento do poder, confrontado com uma base social cada vez mais reduzida, afirmamos que se abre, no retorno das férias, “uma nova situação, distinta da situação não revolucionária que caracterizou a primeira parte [do] mandato [de Macron] (…). Uma situação transitória em que as violações que se abriam ‘de cima’ poderiam permitir que a raiva do movimento de massas se expressasse com maior força, dando origem a uma situação pré-revolucionária”. O tsunami político e social representado pelo levante espontâneo dos Coletes Amarelos confirma essa hipótese.
Em termos gramscianos, poderíamos dizer que estamos no início de um processo de aprofundamento da crise orgânica pela passagem repentina de setores inteiros das massas “da passividade política a uma determinada atividade em que as reivindicações, como um todo orgânico, constituem uma revolução. Para Gramsci, esse tipo de processo tem raízes em uma crise de hegemonia marcada, em particular, pelo fato de que os ex-líderes intelectuais e morais sentem que o chão se desmorona sob seus pés e que seus falatórios foram transformados, precisamente, em falatórios, ou seja, em discursos absolutamente alheios à realidade. É exatamente isso que estamos testemunhando hoje. Não apenas nos falatórios sem sentido da mídia e em seus “formadores de opinião”, mas, ainda, na parábola macroniana como tal: em apenas um ano e meio, o presidente é rejeitado por 80% da população. Esse é um tour de force (uma façanha) e tanto para um homem cuja única “legitimidade” era fingir resolver a questão da crise de representatividade dos partidos tradicionais. Um fator agravante, se há, desses 80% que rejeitam Macron, é que a grande maioria apoia os Coletes Amarelos, ou seja, um movimento espontâneo cujo lema principal é a “renúncia de Macron” e cujo escopo semanal são as barricadas nos Champs-Elysées desde 24 de novembro.
A crise de hegemonia também se expressa no fato de que um certo número de setores de classe mais reconhecíveis na vida do Estado se separa completamente de seus principais grupos, mas ainda não chegam, todavia, a se impor como as novas classes hegemônicas. Esse é o contexto mais geral em que apareceu o movimento dos Coletes Amarelos.
O despertar revolucionário dos “de baixo”
A gota d’água que fez transbordar o copo de cólera foi o aumento dos impostos sobre os combustíveis. No entanto, enfrentamos hoje um movimento mais amplo que, apesar de sua heterogeneidade, está em processo de radicalização e está desafiando não apenas todo o governo, mas também certos aspectos da Quinta República Francesa. O elemento mais subversivo da sublevação em curso reside em seus métodos radicais, bem como no fato de que é uma expressão do sofrimento que ressoa muito além do único setor dos Coletes Amarelos mobilizados. É isso o que demonstra claramente o apoio muito amplo que existe na opinião diante do movimento, inclusive após as “cenas de violência” do sábado, 24 de novembro, em que o governo planejava colocar a população contra o movimento. Assistimos, pela primeira vez na França, à decisão de bloquear vinda “de baixo”, sem qualquer controle seja do governo, dos sindicatos, dos partidos de esquerda ou da extrema-direita. Esse bloqueio se efetivou, sem consulta em nível territorial nem às autoridades nem aos sindicatos. Essa atitude absolutamente subversiva – ao contrário da domesticação das manifestações características das ações rotineiras das confederações ou da esquerda – pode ser vista na decisão de manter o encontro de 24 de novembro nos Champs-Elysées, e ainda em caso de a manifestação ser proibida. Um novo obstáculo foi ultrapassado com a “jornada revolucionária” de 1º de dezembro, que sacudiu Paris e diversas cidades da região, e no curso do qual o executivo foi completamente superado no que se refere à manutenção da ordem.
Tanto a mobilização na “mais bela avenida do mundo” quanto as barricadas são completamente inéditas para a margem direita (do Sena) no século XX, exceto pelos conflitos que caracterizaram a mobilização facciosa de 6 de fevereiro de 1934 que foi, no entanto, limitada à Concórdia. O amplo apoio aos Coletes Amarelos, contudo, dá uma boa ideia de como grandes setores das massas se identificam com a raiva que vem sendo expressa na Champs Elysée. É o que aponta Arnaud Benedetti, especialista em comunicação, em uma tribuna do Figaro: “Uma vez decantadas as imagens, é a sensação de um perigoso impasse que pode se instalar. Os Coletes Amarelos já conseguiram se tornar um símbolo. É a esse símbolo que a maioria dos franceses parece delegar o poder para melhor serem ouvidos por Macron”.
O nível de politização e a capacidade de expressão da grande maioria dos Coletes Amarelos entrevistados, frequentemente apresentados como periurbanos ou rurais frustrados ou grosseiros, é também surpreendente. Como afirma o historiador de classes populares Gerard Noiriel, “o que chama atenção no movimento dos Coletes Amarelos é a diversidade de seus perfis e, notadamente, o grande número de mulheres, enquanto anteriormente o papel de orador era muitas vezes reservado aos homens. A facilidade com que esses líderes populares se expressam hoje frente às câmeras é consequência de uma dupla democratização: a elevação do nível escolar e a penetração de técnicas de comunicação audiovisual em todas as camadas da sociedade. Essa habilidade é completamente negada pelas elites hoje, o que reforça o sentimento de desprezo entre as pessoas”.
Como já afirmamos em diversos artigos como em outros textos deste dossiê Coletes Amarelos do RP Dimanche , o movimento é composto, principalmente, por uma classe trabalhadora branca, empobrecida por causa da desindustrialização relativa do país depois dos anos 1980. É também composto por auto-empreendedores, profissionais liberais de baixo escalão, assim como pequenos-chefes, ligados, os das duas últimas categorias, ao que poderíamos chamar de classe média empobrecida. A crise de 2008-2009 desempenhou um papel importante de aceleradora desses processos de empobrecimento e de “rebaixamento de classe”, para usar o título do ensaio do sociólogo Eric Maurin, o medo do rebaixamento de classe, a saber, essa “angústia surda que que afeta um número crescente de franceses [e que] é baseada na crença de ninguém está “seguro”, de que todos correm o risco de perder seu emprego, seu salário, suas prerrogativas, em uma palavra, seu status. Ao tornar a ameaça mais tangível, as crises levam essa ansiedade a seu clímax”.
Deve-se acrescentar à essa realidade a invisibilização completa, na maior parte do campo político, das classes populares. Além disso, o bloco burguês constituído por Macron deixou sua marca, diferentemente da esquerda e da direita clássica que compartilharam o poder, na França, nas últimas décadas[4]. O Le Monde apontou como Macron levou esse desprezo das classes dominantes em relação às classes populares a seu auge, observando o atual movimento dos Coletes Amarelos: “Outra grande queixa é a impressão de não ser contar, de ser considerado como “merda” pelos dirigentes políticos. Neste registro, Marie Pedrabissi é inesgotável. Nascida no “mesmo ano que Macron”, esta mulher de 40 anos não suportou a maneira como o presidente da República “insultou” as pessoas como ela, profissional do setor médico em reconversão profissional depois de dois colapsos. “Ele nos diz, vocês são gauleses rebeldes, preguiçosos. Mas quem ele pensa que é? Meu pai? Muito jovem. É um de Gaulle que precisamos.” Aos seus olhos, “as palavras pesam mais que as ações” e essas do chefe de Estado traíram sua arrogância. Em quem ela votou? Ela esconde seu rosto em seu cachecol. “Não tive escolha…” Marine Le Pen? “Não! Eu passei nove meses em uma barriga árabe: minha mãe é sírio-libanesa”.
É a partir dessa base social policlassista, que vai desde a grande maioria do mundo do trabalho – mas que, em consequência do recuo em termos de organização e de consciência do movimento operário associado à atitude conciliatória das confederações sindicais, não se percebem como proletários- até setores da classe média rebaixados às características mais pequeno-burguesa, passando pelos auto-empreendedores, que surge o caráter irregular das reivindicações sociais e econômicas que o movimento carrega. Algumas são claramente progressistas, como o aumento do SMIC[5] ou a anulação de certos impostos indiretos. Outras, por outro lado, são bem mais ambíguas, como as demandas de redução de “encargos” patronais.
As aspirações democráticas expressas pelo Coletes Amarelos são, por sua vez, absolutamente progressistas. Expressam uma crítica radical à delegação do poder e sua prática, evidenciada pelo fato de que as duas delegações de Coletes Amarelos que foram recebidas pelo Ministro da Ecologia e, em Matignon, por Edouard Philippe[6] puderam exigir que as discussões fossem transmitidas ao vivo pelo Facebook. Entre as “queixas” dos Coletes Amarelos, há outras reivindicações, como a abolição do Senado ou que os políticos eleitos recebam um salário mínimo. É a manifestação de uma profunda desconfiança em relação aos corpos constituídos e um desejo de que a lei seja a mesma para todos. Como aponta Noiriel, “a desconfiança popular em relação à política parlamentar vem sendo uma constante em nossa história contemporânea. A vontade dos Coletes Amarelos de impedir toda cooptação política de seu movimento se insere no prolongamento de uma crítica recorrente da concepção dominante da cidadania. A burguesia sempre privilegiou a delegação de poder: “Vote por nós e cuidamos de tudo”. No entanto, desde o início da Revolução Francesa, os sans-culottes rejeitaram essa expropriação do povo, defendendo uma concepção popular da cidadania, baseada na ação direta. Uma das consequências positivas das novas tecnologias impulsionadas pela internet é que elas permitem reativar esta prática da cidadania, facilitando a ação direta dos cidadãos. Os Coletes Amarelos que bloqueiam as vias, recusando todas as formas de associação ou incorporação política, se inserem confusamente no prolongamento do combate dos sans-culottes de 1792-1794, dos cidadãos combatentes de fevereiro de 1848, dos comunas de 1870-1871 e dos anarco-sindicalistas da Belle Époque”. Esse é um aspecto democrático-radical que vai contra o presidencialismo da Quinta-República e seus mecanismos defendidos abertamente pela direita, aceitos e legitimados por François Mitterrand e pelos socialistas a partir de 1981, e abertamente reivindicados pelo Rassemblement National[7] de Marine Le Pen. Também nesse aspecto, os coletes amarelos defendem uma concepção muito mais avançada do que todos os políticos burgueses do regime imperialista, mas também, infelizmente, do que a extrema-esquerda. Seja por obreirismo, seja por sindicalismo, a extrema-esquerda não compreende a importância revolucionária destas reivindicações para avançar na luta por um poder dos trabalhadores.
Um bloco anti-burguês em formação? O caráter escandaloso da orientação das direções do movimento operário
A combinação da fraca capacidade dos sindicatos de canalizar a raiva, por um lado, e a existência de um poder direto em suas botas, como em 1968, deixa receosos os setores patronais mas lúcidos de que se abra um período extremamente turbulento para a burguesia. O pesar choroso pelos “corpos intermediários” é a manifestação desta percepção do perigo, notadamente em conexão com a primeira mobilização nacional dos Coletes Amarelos que foi chamada a continuar, e isso enquanto o centro do poder sobre o qual repousa todo o conjunto do regime da Quinta-República, ou seja, o presidente Macron, está altamente enfraquecido e isolado. Alexis de Toqueville já se interessava por este tipo de situação no Antigo Regime e na Revolução, quando, durante uma crise, “o governo central se assusta com seu isolamento e sua fraqueza; ele gostaria de fazer reviver as influências individuais ou as associações políticas que foram destruídas; ele os chama em seu auxílio; ninguém o atende; ele se surpreende ordinariamente ao perceber mortos todos aqueles dos quais ele mesmo tirou a vida”.
Por outro lado, observamos a reação ultra-conservadora e a hostilidade do conjunto das direções sindicais em relação ao movimento dos Coletes Amarelos. Isso vale tanto para os colaboradores da CFDT[8] e seu chefe, Laurent Berger, quanto para os “combativos” da CGT[9] e, atrás destes, do Solidaires. Temos aí um testemunho bastante eloquente do medo dos sindicalistas de serem ultrapassados por sua base, assim como a recusa de chamar uma grande mobilização política que levantaria a questão do poder. O temor de que a raiva de milhões de assalariados de pequenas empresas, frequentemente deixados de lado pelas confederações, possa contaminar os trabalhadores sindicalizados com mais experiência – mas incapazes de ultrapassar suas direções sindicais, independentemente de sua combatividade, devido à ausência de uma estratégia alternativa – é o que explica a atitude abertamente divisionista de Philippe Martinez e da direção da CGT frente ao movimento.
A orientação absolutamente criminosa das direções sindicais consiste precisamente em recusar em intervir, devido ao fato de que certas ambivalências e contradições expressas pelos Coletes Amarelos no nível sócio-econômico poderiam servir de trampolim para a direita ou a extrema-direita. Mas seria apressado comparar o movimento atual com o Movimento Cinco Estrelas italiano, um movimento espontâneo e fortemente estruturado de cima para baixo, desde seu início, ou também comparar com a ação de 6 de fevereiro de 1934. é o que destaca o economista e ensaísta Bruno Amable, em uma tribuna publicada no Liberation intitulada “Rumo a um bloco antiburguês” : “e se a raiva dos Coletes Amarelos desafiasse principalmente a transformação neoliberal imposta pelo governo? (…) o movimento dos Coletes Amarelos representaria o primeiro passo da constituição de tal bloco? À condição de estudos aprofundados, parece que a definição da composição do movimento, classes populares e “pequenas” classes médias, está adequada. Mas a constituição de um bloco social supõe uma estratégia política, particularmente em sua dimensão econômica. É a resposta a essa questão que determinará a verdadeira natureza do movimento dos Coletes Amarelos: uma manifestação reacionária, como pode ser o Tea Party nos EUA ou Pediga na Alemanha, ou o início da convergência das lutas muito aguardado desde o Nuit Debout[10].”[11]
Contra o derrotismo objetivista que hoje caracteriza a maior parte da extrema-esquerda na França e que está na origem de sua orientação abstencionista, Amable tem razão de ressaltar que o resultado do movimento dos Coletes Amarelos permanece aberto e que pode evoluir à esquerda e à direita. Mas a característica heterogênea e confusa do movimento dos Coletes Amarelos não é uma exceção, mas uma regra logo quando tratamos de movimentos em que os setores de massa passam à ação após longos períodos de refluxo ideológico. Os revolucionários certamente terão que intervir em processos similares. O pior seria ter medo desses elementos de confusão, de imaturidade, até mesmo dos preconceitos reacionários dessas mesmas massas. Como apontava Trotsky, em um texto sobre o processo revolucionário aberto , como o processo espanhol, mas onde ele aponta alguns paralelos e oposições com a Rússia de 1917, “A vitória, de nenhum modo, é o fruto maduro da “maturidade” do proletariado. A vitória é uma tarefa estratégica. É necessário aproveitar as condições favoráveis que uma crise revolucionária oferece para mobilizar as massas; tomando como ponto de partida o nível de sua “maturidade”, é necessário impulsioná-las para a frente (…) Igualmente abstrata, pedante e falsa é a referência à “falta de independência” do campesinato. Quando e onde o nosso sábio viu, em uma sociedade capitalista, um campesinato com um programa revolucionário independente ou com capacidade para a iniciativa revolucionária independente? (…) Mas para despertar toda a massa do campesinato, o proletariado teve de dar o exemplo através de um decidido levante contra a burguesia e inspirar nos camponeses confiança na possibilidade de uma vitória. Entretanto, a iniciativa do proletariado era paralisada a cada passo por suas próprias organizações.”.
Por uma política hegemônica da classe operária e por uma aliança operária e popular contra Macron e seu mundo
Como explicamos em nosso editorial do início da semana passada, uma orientação defendendo a perspectiva de criação de comitês de ação locais que incluam sindicalizados e não sindicalizados, Coletes Amarelos, estudantes combativos e jovens da vizinhança poderia servir como ferramenta para fazer explodir o entrave conservador à mobilização que representam os aparelhos sindicais que se encontram nas mãos da burocracia.
Frente ao movimento atual e contra toda rigidez normativa, trata-se de evitar as tendências propagandistas ou professorais comuns a muitos setores de extrema-esquerda que fazem uma imagem abstrata e ideal da luta de classes, exigindo que a classe seja absolutamente pura e desligada de outros setores considerados como necessariamente reacionários. Se ela não deseja ser uma extrema-esquerda meramente testemunhal, deve recorrer à audácia estratégica de Trotsky, adaptando sua estratégia operária a uma tática de apelo à formação de Comitês de Ação da Frente Popular em 1935, vários meses antes da chegada ao poder da última. “Cada grupo da população que participe realmente da luta em uma dada etapa e esteja preparado para acatar uma disciplina comum, escreveu Trotsky em novembro de 1935 , deve influenciar com direitos iguais a direção da Frente Popular. Cada duzentos, quinhentos ou mil cidadãos que, em uma dada cidade, bairro, fábrica, em um quartel, em uma aldeia, aderem à Frente Popular, deve, ao longo dos combates, eleger o seu representante no Comitê de Ação local. Todos os participantes da luta se comprometerão a reconhecer sua disciplina.”
Vendo nesses comitês uma valiosa ferramenta de aliança revolucionária com a pequena-burguesia, Trotsky segue apontando quanto “É verdade que podem participar nas eleições dos Comitês não apenas os operários, mas também os empregados, os funcionários, os veteranos de guerra, os artesãos, os pequenos comerciantes e os pequenos camponeses. Dessa maneira, os Comitês de Ação não poderiam ser melhor resposta para a tarefa da luta do proletariado pela influência sobre a pequena burguesia. Contudo, tornam extremamente difícil a colaboração da burocracia operária com a burguesia.”[12]
Esse era, de fato, o objetivo central da tática de Trotsky, na medida em que “ A primeira condição para isso é: compreender com clareza o próprio significado dos Comitês de Ação, como o único meio de quebrar a resistência contra revolucionária dos aparatos dos partidos e sindicatos.”
Uma orientação estratégica desse tipo pode permitir a superação do principal obstáculo que permanece na política das direções sindicais para que a luta dos Coletes Amarelos se espalhe para outros setores do mundo do trabalho, mas também para o mundo dos estudantes e dos jovens dos bairros e, fundamentalmente, para os batalhões mais concentrados do proletariado que, por causa de sua posição no centro do sistema, podem travar a produção e fazer curvar o poder de Macron e da burguesia. Contra qualquer atalho que considere contornar a importância estratégica do proletariado das grandes fábricas e de serviços ou que se limite a conceber um simples bloco anti-burguês, de esquerda ou populista, sobre um terreno eleitoral absolutamente incapaz de derrotar Macron e seu mundo, é somente uma estratégia desse tipo que poderá oferecer uma saída progressista à crise profunda a qual estamos testemunhando.
[1] A imprensa francesa atribuiu a alcunha irônica ao presidente, que se comporta como se fosse o Deus Júpiter, pai dos deuses na mitologia romana.
[2] Benalla é um caso judiciário e político francês em andamento envolvendo Alexandre Benalla, que atuou como oficial de segurança e chefe-adjunto do gabinete do presidente francês Emmanuel Macron.
[3] Frente Nacional ou Front National, em francês. Partido de direita populista e nacionalista francês.
[4] Sobre esse assunto, lembramos que André Malraux costumava dizer que “o RPF [neste caso, a direita gaulista] é o metrô às 6 horas da tarde”. Nota do autor
[5] Salaire minimum interprofessionnel de croissance, ou Salário Mínimo Interprofissional de Crescimento, em tradução livre.
[6] Primeiro-ministro francês desde 15 de maio de 2017.
[7] “Reunião Nacional”, em tradução livre, ex-Front National, partido liderado por Le Pen.
[8] Confederação francesa democrática do trabalho ou Confédération française démocratique du travail.
[9] Confederação Geral do Trabalho ou Confédération Générale du Travail, em francês.
[10] Movimento social francês ocorrido em 2016 contra reformas trabalhistas.
[11] Amable continua salientando como “A questão da resistência à tributação (do diesel, entre outras) é mais complexa do que parece. A contestação do imposto é um tema clássico da direita; e vimos alguns membros do governo tentarem usar a demanda por “menos impostos” pretendendo ter uma confirmação da legitimidade do programa econômico de Macron. Alguns temas relacionados (não fazemos nada por nós, enquanto gastamos muito com imigrantes, “cassos”, desempregados…) também atestam a existência de expectativas da direita dentro de certos grupos das classes populares. Mas tal evolução não é inevitável. O tema do poder de compra das famílias de baixa-renda, subjacente a todas as reivindicações dos Coletes Amarelos, é um tema de esquerda. A contestação dos impostos também não é separável da constatação de uma degradação dos serviços públicos (a impressão de pagar para receber nada). A defesa desse serviço é um tema de esquerda por excelência. O aumento de certos impostos que pesam sobre o poder de compra das classes populares e médias, os cortes nos subsídios de habitação e outras transferências não são dissociáveis da supressão do imposto sobre a fortuna ou a conversão do CICE em redução de encargos sociais”.
[12] Ele acrescentou também que “Não se trata de uma representação democrático-formal de toda e qualquer massa, mas de uma representação revolucionária das massas em luta. O Comitê de Ação é o instrumento da luta. Não há como adivinhar de antemão justamente quais são as camadas de trabalhadores que se sentirão atraídas pela criação de Comitês de Ação: as fronteiras das massas em luta se determinam na própria luta”.
Paris | @JuanChingoFT
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