Formação consiste em palestras sobre como falar em público e se vestir. Desempenho em 2024 foi superior ao da esquerda
247 – As eleições municipais de 2024 consolidaram uma nova estratégia dos partidos de direita e centro no Brasil: incentivar a participação de mulheres com perfil conservador na política. Enquanto a esquerda enfrenta desafios para emplacar lideranças femininas, os partidos da direita destacaram-se ao eleger a maior parte das 728 prefeitas do país. A liderança no número de mulheres eleitas está com MDB (129), PSD (102), PP (89), União Brasil (88), PL (60) e Republicanos (51), enquanto o PT, partido historicamente associado aos movimentos feministas, elegeu 41 prefeitas, relata o jornal O Globo.
A ampliação da presença feminina conservadora nas prefeituras é resultado de um projeto de ‘capacitação’ liderado por figuras como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP). As três percorreram diversas cidades pelo país, promovendo um tipo de “formação básica” para mulheres interessadas em ingressar na política. O trabalho incluiu palestras sobre comunicação pública, como se portar e se vestir, além de definição de pautas voltadas a temas populares e familiares.
Damares Alves observa que muitas mulheres relutavam em se envolver na política por associarem o espaço a pautas exclusivamente focadas em aborto e igualdade de gênero. Segundo ela, o objetivo do programa foi aproximar as mulheres de temas considerados mais atrativos para a base conservadora. “Começamos a trazer pautas, como mães atípicas, empreendedorismo feminino, invisibilidade de mulheres de comunidades tradicionais, como quilombolas e marisqueiras”, explicou Damares. O foco foi capacitar essas mulheres para que tenham uma atuação política enraizada em vivências e necessidades locais.
O movimento atraiu até mesmo mulheres trans, como Thalyta Baronne, que se candidatou à vereadora pelo Republicanos em Sento Sé, Bahia. Embora não tenha sido eleita, Thalyta relata que o apoio do partido foi essencial para sua jornada. “Para mim é o partido que mais luta pelos direitos e pela defesa das mulheres e crianças. Por eu ser uma mulher trans e de direita isso traz uma perspectiva única e potencial para desafiar estereótipos e romper bolhas políticas,” afirma Thalyta.
Para 2026, nomes como Cristina Graeml, candidata pelo PMB derrotada no segundo turno em Curitiba, e Emília Corrêa, eleita pelo PL em Aracaju, despontam como potenciais candidatas a cargos de maior projeção, com o apoio de figuras influentes do campo bolsonarista. Michelle Bolsonaro também é cotada para uma possível candidatura ao Senado pelo Distrito Federal, enquanto Emília Corrêa é vista como nome forte para concorrer ao governo de Sergipe. Esses novos nomes vêm sendo promovidos por Jair Bolsonaro (PL) e por líderes partidários como parte de uma estratégia de expansão conservadora.
No outro lado do espectro político, o PT e a esquerda em geral ainda enfrentam desafios para desenvolver lideranças femininas. Anne Moura, secretária Nacional de Mulheres do PT, acredita que o desempenho modesto em 2024 deve-se ao fato de muitas lideranças femininas do partido estarem ocupadas com funções no governo. “Muitos quadros, mulheres que poderiam estar nessa linha de frente também, estão ajudando no governo. Isso tira alguns nomes que poderiam disputar na ponta”, pondera Anne. Apesar do menor número de prefeitas eleitas, ela afirma que o PT continua avançando na pauta de gênero, sendo hoje o partido com a maior bancada feminina no Congresso e liderado por uma mulher.
Ainda assim, a ausência de figuras como Lula e a primeira-dama Janja nas campanhas das principais candidatas do PT, como Marília Campos, reeleita em Contagem, e Margarida Salomão, em Juiz de Fora, foi percebida. A deputada Maria do Rosário, candidata do PT em Porto Alegre, defende que o trabalho de inclusão feminina no partido é contínuo e não se limita aos períodos eleitorais, ressaltando que a maior bancada de mulheres no Congresso hoje é do PT.
A professora Flávia Biroli, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), observa que o interesse da direita em promover mulheres na política é, paradoxalmente, um reflexo dos avanços obtidos pelos movimentos feministas nos últimos anos. Segundo Biroli, o aumento da presença feminina nos partidos conservadores é impulsionado, em parte, pela cota de gênero do fundo eleitoral. Ela destaca que Michelle Bolsonaro, embora se apresente como uma figura antifeminista, deve sua posição à luta por direitos das mulheres ao longo das décadas.
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