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Embora a tentativa de golpe contra o governo da Venezuela e seu presidente, Nicolás Maduro, tenha sido aparentemente sufocada, as pressões continuam. Nesta quinta-feira (2), o governo venezuelano exigiu que o Departamento de Estado dos Estados Unidos respeite a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e proteja a embaixada venezuelana em Washington, que tem sido palco de manifestações contra e a favor de Maduro.

Enquanto isso, no Brasil, o presidente da República, Jair Bolsonaro, continua alimentando o clima de conflito, ao dar declarações polêmicas. Na terça (30), disse que as eventuais decisões do Brasil sobre o país vizinho seriam “exclusivamente” dele. Nesta quinta, declarou à colunista Mônica Bergamo que iria “até o limite do Itamaraty” para defender a “democracia” venezuelana.

Para o ex-chanceler brasileiro Celso Amorim, é “lamentável” que a posição do Brasil contrarie a postura histórica do país em 100 anos, sempre caracterizada pela pacificação e pelo diálogo. Sobre suas expectativas em relação ao papel brasileiro na crise, o ex-ministro das Relações Exteriores é taxativo: “Na realidade não há muito o que esperar da posição do Brasil”. Para ele, as declarações belicistas de Bolsonaro impedem que o país venha a ter algum papel na mediação ou no diálogo.

“Essas declarações que têm sido feitas no Brasil e as atitudes que têm sido tomadas em outros lugares, embora haja variações de tom, impedem que o Brasil venha a ter algum papel na mediação ou no diálogo”, diz. “O que melhor se pode esperar do Brasil é que fique quieto, porque qualquer outra ação na linha que tem sido adotada atualmente seria desastrosa.”

Apesar da ameaça de guerra contida no discurso de Bolsonaro e da timidez das instituições diante do cenário, Amorim considera oportuno o posicionamento do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), diante da afirmação do chefe de Estado de que qualquer decisão seria exclusivamente dele.

Maia lembrou que a Constituição brasileira “determina que é competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar uma declaração de guerra pelo presidente da República”.

Como avalia a situação da Venezuela, as perspectivas e o papel do Brasil na nova crise? O que espera do Brasil?

Na realidade não há muito o que esperar da posição do Brasil, porque o que deveria ocorrer neste momento é um esforço de mediação, com países como Uruguai, México, Espanha depois da eleição, embora, também, a tentativa de golpe de Guaidó tenha tornado mais difícil ainda qualquer esforço de mediação. O diálogo vai exigir concessões de todas as partes, mas isso tem que ser, naturalmente, com respeito à soberania e autodeterminação da Venezuela.

E as declarações de Bolsonaro, como por exemplo dizendo que uma decisão (militar) depende “exclusivamente” dele?

Essas declarações que têm sido feitas no Brasil e as atitudes que têm sido tomadas em outros lugares, embora haja variações de tom, impedem que o Brasil venha a ter algum papel na mediação ou no diálogo, o que é lamentável. O Brasil, que é o maior país da América do Sul, deveria atuar pela pacificação como sempre fez nos últimos 100 anos. Não foi só no governo Lula. Nós atuamos sempre dessa forma nas oportunidades que se apresentaram. Estamos com uma posição radical, de defesa de um autoproclamado presidente (Juan Guaidó), que não creio que tenha alguma legitimidade, e diante de uma situação de confronto.

O que melhor se pode esperar do Brasil é que fique quieto, porque qualquer outra ação na linha que tem sido adotada atualmente seria desastrosa. Não creio que se chegará a isso (uma intervenção militar brasileira). Seria uma afronta muito grande a princípios consagrados na Constituição brasileira, aos quais os militares, inclusive, são muito respeitosos. Apesar das declarações, penso eu – mas posso estar sendo excessivamente otimista –, há mais fumaça do que fogo. Temos que ficar atentos, e a paz na região e na Venezuela é uma tarefa para todos aqueles que se interessam em que os conflitos na região se resolvam pelo diálogo, como tem sido, e não pela força das armas.

Nesse contexto, as instituições brasileiras não estão muito tímidas e quietas?

Sim, acho que estão tímidas, inclusive a mídia. Temos uma situação peculiar no Brasil, que é uma ameaça de guerra. Vamos dar o nome correto aos bois. Pode-se chamar como uma intervenção militar, mas é uma guerra, nesse caso. E, na realidade, o assunto é uma discussão quase que marginal, como se fosse um probleminha entre o presidente e os militares, uma questão de visão entre eles, quando realmente é uma questão institucional séria.

E a declaração de Rodrigo Maia, também tímida, lembrando que uma declaração de guerra depende do Congresso?

Eu acho que a declaração inicial do deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, foi boa, chamando a atenção paro fato de que declaração de guerra, embora o presidente seja quem declare, tem que se submeter ao Congresso Nacional.

Como aliás deveria ter submetido ao Congresso a saída da Unasul. É possível, provável até, que esse Congresso aprovasse, mas teria provocado uma discussão. Estou falando Unasul porque em situações de conflitos anteriores, inclusive de conflito civil, dentro da Bolívia, e entre a Venezuela e a Colômbia, a Unasul teve papel muito importantes para pacificar e encontrar soluções pelo diálogo. Nós nos desfizemos desse instrumento que é poderoso e age pela persuasão, conversa e diálogo, e não pelas pressões e sanções que estão vitimizando o povo venezuelano.

E o bloqueio econômico de grandes proporções movido contra a Venezuela?

O que vejo hoje é uma coisa muito grave. A Venezuela está sendo levada a um estado – não diria nem pré-industrial, mas um Estado de economia medieval, por força das sanções norte-americanas. Isso já era razão suficiente para o Brasil se opor. Mas temos essas declarações ambíguas sobre a possibilidade de intervenção militar – embora o presidente tenha dado uma explicação, que não elimina a dúvida sobre a possibilidade de uma intervenção decidida pelo Executivo.

Seria muito grave e fico muito impressionado que isso seja objeto de pouca discussão. É uma coisa inédita na história do Brasil, praticamente, e não há como esconder a gravidade dessa situação. De fato, há uma timidez dos partidos políticos. Mesmo quando há declarações, elas são isoladas. E, sim, a primeira declaração do deputado Rodrigo Maia foi positiva, sobre o aspecto institucional.

Mas, além disso, é uma questão de ir contra a índole do povo brasileiro, essa de uma intervenção militar. Somos um país não só pacífico, mas que tem a tradição de ser pacificador, de atuar para garantir e possibilitar a paz em outros lugares. Esse foi o sentido de todas as nossas ações internacionais, desde o batalhão de Suez, ainda na década de 50, passando pelo Haiti, contando com nossas atuações na Venezuela. Enfim, sempre com esse objetivo de garantir o diálogo, soluções pacíficas e evitar o conflito. Aparentemente, o contrário do que está se está fazendo agora.

Da Rede Brasil Atual 

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