O apelo de Lula é quase um pedido de socorro à militância, para que possa governar sem tantas concessões à direita, escreve o colunista Moisés Mendes
O que certas militâncias de esquerda e certas confrarias de juristas brasileiros têm em comum? Ambos estão com suas bundas pesadas vendo série da Netflix e criticando quem está no mundo real da luta da política e do sistema de Justiça.
Certos militantes criticam Lula por suas concessões à direita e, agora, por ter atraído Marta Suplicy de volta ao PT. Um gesto que para muitos abre a porteira a traidores e os coloca ao lado de quem continuou lutando contra o golpismo com um toco de canivete, enquanto Lula esteve preso.
E certos juristas blasés atacam decisões de Alexandre de Moraes e de todos os que se insurgem contra o que o lavajatismo construiu, do golpe contra Dilma à prisão de Lula e à eleição de Bolsonaro.
Lula é atacado e cercado por ser moderado e condescendente. Moraes, por seu ativismo judicial radical. Os atacantes de Lula e de Moraes poderiam criar a confraria da contemplação crítica e do imobilismo.
Por isso as chineladas de Lula na militância podem ser aplicadas também à indolência dos críticos de Moraes e até de Dias Toffoli. Lula pediu para que parem de encher o saco, saiam do sofá e enfrentem os dilemas da vida real.
A fala de Lula, na festa de acolhimento de Marta, é para ser compreendida pela militância de terceira série, mas se dirige mesmo a líderes de segunda linha do partido: larguem um pouco o Twitter, lutem pelo PT e me ajudem a governar com menos dependência da direita.
Parem de conversar em rodinhas, fazendo intriga e trocando emojis entre vocês mesmos, e arregimentem suas forças contra os pastores que disseminam mentiras. Não pela internet, porque não basta, mas também no cara a cara, com o pé no barro.
Lula não precisa dizer que está pedindo ajuda e, daqui a pouco, pode estar pedindo socorro. José Dirceu já havia avisado, falando no mesmo tom, que a chinelada seria dada.
Lula lamenta a incapacidade de renovação do PT. O monopólio das figuras com mandato sobre os recursos do partido. E até as distorções provocadas pela preferência às pautas e aos candidatos considerados identitários.
Lula não deve estar querendo de volta um Brasil e um PT que não existem mais, mas pede que pelo menos tentem se movimentar. Tentem identificar forças de renovação nos movimentos sociais.
Esforcem-se para não sabotar os projetos de novas caras com chance de prosperar como força eleitoral já na disputa municipal desse ano.
A militância e os líderes de nível médio que atacam as concessões e a moderação de Lula podem estar imobilizados porque o petista clássico dos anos 70 e 80 envelheceu e não tem mais as mesmas forças. E as novas gerações? Aí é outra conversa.
Lula sabe que o retorno de Marta Suplicy ao PT não é um assunto só para os paulistanos. São Paulo oferece ao partido e às esquerdas uma situação única. Boulos, o candidato a prefeito de Lula e do PT, é do PSOL, e a candidata a vice é uma dissidente agora retornada aos 78 anos.
É nesse contexto, no Estado das raízes do partido, que deve ser compreendida a fala de Lula. Se líderes de primeira e segunda linha continuarem batendo em Lula por causa de Marta e não souberem o que fazer com o seu apelo, a militância continuará onde está, vendo série espanhola com os juristas que batem em Alexandre de Moraes.
Com a diferença de que nessa área dos juristas liberais e garantistas de centro-meio-direita, o corporativismo, principalmente o acadêmico, não oferece muitas chances de discordância, com as exceções que também não se renovam.
Sabemos todos que o fantástico mundo dos corneteiros do Direito vive da corneta, algumas vezes muito bem remunerada.
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