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No sistema social indiano, a casta superior dos brâmanes teria saído da própria cabeça do deus Brahma, o que confere onipotência a seus membros e dever de obediência aos demais. Os integrantes do chamado Sistema de Justiça Brasileiro (composto pelo MPF, o Poder Judiciário e adicionalmente a Polícia Federal, na função de polícia judiciária) podem não se sentir filhos de Têmis, deusa grega da Justiça, mas nos últimos anos vêm agindo como uma nova casta, portadora exclusiva da honestidade e da decência, e por isso credenciada a usufruir de privilégios e a fustigar os outros poderes (desmoralizados e enfraquecidos demais para reagir), os partidos políticos e as organizações sociais. Para vigiar e punir, vale inclusive a violação da própria lei, a partir de um auto-conferido direito de reinterpretá-la segundo as conveniências morais ou políticas. A ditadura judiciaria é este exercício de uma hegemonia autoritária pelos integrantes do sistema de Justiça. Não estamos longe disso mas os podres desta casta também começam a aparecer, mitigando o risco de uma nova e sutil forma de arbítrio, pois a sociedade está de olho também na Justiça, desde antes da condenação sem provas do ex-presidente Lula.  A cassação da medida de um juiz federal que confiscou seu passaporte foi mais uma evidência de que alguns juizes extrapolam, como disse o que garantiu a devolução do documento.  Mas agora é tarde. Lula já foi privado do direito de ir e vir, de participar de evento da ONU sobre combate a fome na Etiópia.

Comecemos pela “coisa maravilhosa”, conforme definição de Roberto Carlos para a atuação do juiz Sergio Moro à frente da Lava Jato. Hoje soubemos que, tal como o outro campeão da moralidade, o juiz Bretas, Moro também recebe auxílio-moradia mesmo sendo proprietário de imóvel em Curitiba. Ele explicou que o faz para compensar a falta de aumentos salariais. Imagine se isso fosse dito por um de seus investigados. Logo depois a bancada do PT entrou com ação junto ao Conselho Nacional de Justiça pedindo investigação da suspeita de subfaturamento na compra de um imóvel pelo juiz. Um apartamento de 256 metros quadrados não pode ter custado R$ 173 mil à época. Moro, o justiceiro que já foi tão aplaudido, até aqui foi dono dos destinos de suas vítimas. Prendeu-os preventivamente pelo tempo que quis, arrancando as delações premiadas que lhe interessavam, confiscou bens e ativos como quis, incorrendo inclusive, agora, numa grande contradição: mandou leiloar o tríplex da OAS, destinando os recursos apurados à Petrobrás. Mas ele mesmo não negou ter associado a suposta destinação do imóvel a Lula com contratos na petroleira? Esta falácia ainda precisa entrar naquele livro do professor Euclides Mance.

Nas gravações colecionadas pela Lava Jato, e principalmente nas que envolveram executivos da Odebrecht e da JBS, apareceram referências a subornos pagos a juízes (e membros de instâncias superiores). Nunca, porém, tais referências foram investigadas.

O Legislativo – cujos integrantes, com seus defeitos e virtudes eventuais, foram eleitos pelo povo – é visto pela casta judiciária como o rebotalho do sistema, casta inferior, cheia de impurezas. No sistema de Justiça, todos entram por concurso. Entretanto, as relações de parentesco são intensas, com casos e mais casos de pai que ajuda a mulher ou a filha a se tornar desembargadora, pois aos postos mais elevados se chega pelo filtro da influência política. É verdade que, por  força das afinidades, ocorrem muitos casamentos entre colegas de carreira. O problema é que a soma de suas influências acaba degenerando em soma de vantagens, como vimos no caso do casal Bretas, a pedir dois auxílios-moradias, embora tendo imóvel próprio, numa confissão de que se trata de salário indireto para furar o teto constitucional. O que é isso, senão contestar a Justiça?

Em matéria de privilégios, o auxílio-moradia, que custa cerca de R$ 5,4 bilhões anuais aos cofres públicos, é o mais escandaloso mas não é o único. Eles têm cota para aquisição de livros e auxilio alimentação, como se precisassem de um vale para comer, ganhando o que ganham, quase sempre algo perto do teto de R$ 33 mil, afora os penduricalhos.

Em todas as estruturas do sistema, do STF à comarca, existem cargos comissionados que podem ser preenchidos sem concurso, tanto quanto no Executivo e no Legislativo, os únicos que levam a fama. São ocupados também por parentes, muitas vezes de forma dissimulada, com a troca de vagas entre magistrados para não ferir a lei do nepotismo.

O Supremo, como topo do sistema, é o estuário da hipertrofia do poder, de sua superposição aos demais. Ontem o presidente da República deixou de discursar, na abertura do ano judiciário, porque temeu um choque com a presidente do tribunal, que mandou uma brasa verbal condenando os criticam decisões judiciais. O recado era para o PT mas serviu a meio mundo, inclusive ao chefe ilegítimo do Executivo, proibido pela Justiça de nomear uma ministra. Uma ministra inapta ao cargo mas a prerrogativa é do chefe do outro poder. Azar dele se quer nomear alguém inadequado para atender a um partido.

Ali, enquanto prevalecer o mandato vitalício, teremos 11 ilhas, onze vaidades e não um colegiado comprometido unicamente com a aplicação da lei. Quando for tempo de passar a limpo também o sistema de Justiça, será preciso aprovar o mandato com duração fixa.

Em relação ao MPF, será preciso estabelecer limites para seu poder amplo e difuso. E a Polícia Federal talvez tenha que ser dividida em duas. Uma para atender ao Judiciário, e outra que cuide de atender o Poder Executiva em tarefas como o combate a crimes da alçada federal, tarefa hoje negligenciada, pois todos os delegados querem cuidar é deste assunto que rende manchetes, o combate à corrupção.

TEREZA CRUVINEL

Colunista do 247, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País