O Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo é, no segundo dia do ano, campeoníssimo da imbecilidade de 2019.
Não tenho medo de errar, mesmo sendo este ano promissor em matéria de estultices.
Porque, em seu discurso de posse, conseguiu, além de ser vazio – como qualquer medíocre poderia ser -, produzir uma peça de estupidez difícil de igualar, com uma inacreditável vaidade, exibicionismo e num desfile de supostas erudições.
Começou a declinar em grego – sim, em grego! – o versículo bíblico “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” e disserta sobre as palavras gnosis (conhecimento), alethea (revelação) e eleutheria (liberdade).
Recita Anchieta em tupi-guarani.
Cita o grito dos gregos na Batalha de Salamina, nas Termópilas.
Chama Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho de gênios da raça, salvadores da Pátria e heróis do Brasil.
E termina com um suspeitíssimo “anuê Jaci” – fala-se “Anauê” – que seria “Ave,Maria”, chamando Nossa Senhora pelo nome da Lua, mas invocando também a saudação integralista.
Isso depois de passar por Tarcísio Meira, Raul Seixas, Renato Russo, pelo “O |Direito de Nascer”, aquele ma “Mamãe Dolores” e Albertinho Limonta e várias outras citações em grego.
A coisa é séria, a ponto de por em dúvida a sanidade mental do cidadão e, mais ainda, a dos que o colocaram para representar o nosso país diante do mundo.
Olha que eu sou da geração que lia os textos do pedante José Guilherme Merchior, que era diplomata, também, e posso dizer que nunca vi algo mais caricato. Merchior, em suas agressivas polêmicas filosóficas com outro embaixador, Mário Vieira de Mello, foi, certamente a fonte de inspiração de Luiz Fernando Veríssimo para uma de suas crônicas. da qual reproduzo por sua incrível semelhança com o que ouvi, no vídeo de Ernesto Araújo:
Trecho da crítica que o crítico Endauro Massinha escreveu do livro de Alciste Longas Felpa, “Marcha, ranço”, uma coleção de ensaios sobre a produção intelectual brasileira desde o modernismo:
“Como um Chacrinha de idéias, Felpa toca sua corneta metafórica na cara de alguns dos expoentes da inteligência brasileira, expulsando-os do palco da consideração nacional como impostores desmascarados. É a iconoclastia pela iconoclastia, para impressionar o auditório, sem qualquer embasamento teórico além do dúbio postulado de que valores estabelecidos são, por definição, valores suspeitos. Ou, na frase de Gershwald, que Felpa cita com a prodigalidade constrangedora de um sicofanta, dasgube wroths mensleimen grub cabiden. Em Felpa, a boutade substitui a razão, o insight dá lugar ao jeu de sprit e o alemão – eu diria o ale de segunda mão, se quisesse subir no mesmo palco – passa por raciocínio.”
Trecho de um artigo publicado por Alciste Longas Felpa, em resposta à crítica de Endauro Massinha:
“A modéstia é uma das minhas muitas qualidades e por isto eu não sonhava, nem em delírio, que minha singela obra, planejada como uma espingarda de chumbo para espalhar projéteis inócuos numa larga área de irritação fosse chegar com tamanha precisão ao seu alvo prioritário, a vaidade do crítico Endauro Massinha. Julguei estar sendo sutil em excesso ao me referir, no livro, a ‘um certo escrevinhador, espécie de tabelião juramentado da soi disant ‘inteligentzia’ brasileira, que há anos decide e assina embaixo (dizem alguns que com um ‘X’ ) sobre o que é e o que não é autêntico na nossa literatura.’ Reconheço que fui injusto, ele é mais perspicaz do que eu supunha, apesar da esclerose adiantada, que tem de nascença. Identificou-se. E contra-atacou, como um búfalo pressentindo a sua extinção. Só que para responder a este Chacrinha, travestiu-se de Elke Maravilha, com mais espalhafato do que substância, e se deu mal. Compreendo que a citação errada em alemão possa ser obra de um linotipista menos preparado, visto que as massas não têm acesso ao pensamento superior europeu – e com gente como Massinha guiando o seu progresso cultural, jamais terá. Mas nada, a não ser a esclerose, explica o uso indevido de ‘sicofanta’ na mesma frase. Não quereria sua excelência dizer ‘acólito’? Quem sabe capanga? ‘Preposto intelectual’? ‘Sicofanta’, diz-nos o dicionário, significa patife. Este certamente não era o objetivo da Elke. Digo, do crítico. Se era, passaremos do terreno das boutades para o da responsabilização judicial antes que ele possa soletrar ‘Ai’ . Penso que foi um equívoco, no entanto. Como disse Gershwald – e a citação vai no português para circunavegar o linotipista prefiro a burrice ao mau-caráter.”
Trecho de um artigo de Endauro Massinha, em resposta ao artigo de Alciste Longas Felpa:
“Sicofanta vem do grego pelo latim ‘sycophanta’. Na sua origem a palavra nominava as pessoas que delatavam contrabandistas de figo, pois este era fruto raro e interessava ao poder coibir seu tráfego clandestino. Daí o sentido de adulador que a palavra tem, e com o qual foi usada por mim em referência a certo escrevinhador que – sacudindo a pança da falsa erudição para sua platéia de subsicofantas e emulando o prestidigitador com seus truques – também mereceria o epíteto de sicomântico, aquele que pratica a sicomancia, ou a adivinhação por meio de folhas de figueiras. No caso, o poder que o palhaço adula é o de pseudopensadores cujas maiores credenciais, para eles, são que escrevem em outra língua, e as folhas que consulta não são as da figueira mas as escritas pelos outros, já que é incapaz de um pensamento original, ainda mais em português. Não o chamei de patife, portanto. Ele que me interpele no terreno das idéias, desde que não sejam contrabandeadas, como figos gregos, pois neste caso as delatarei. Não sobrecarreguemos ainda mais o pobre sistema judicial brasileiro, meu caro Chacrinha. Limitemo-nos ao seu cérebro e ao meu saco.”
Meu caro Chacrinha, diante disso eu só posso render homenagens ao seu “eu não vim para explicar, eu vim para confundir”.
Acha que eu exagero? Assista cinco minutos do vídeo da fala de Araújo:
POR FERNANDO BRITO
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