Dados de desmatamento serão torturados até falarem o que Bolsonaro quer
Diante dos índices pornográficos de desmatamento na Amazônia no ano de 2019, Jair Bolsonaro e seus ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Augusto Heleno (Segurança Institucional) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) convocaram uma entrevista coletiva na qual apresentaram uma mentira, uma fraude e uma falsa solução para o problema.
A mentira ficou por conta do presidente. Bolsonaro voltou a sugerir que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e seu diretor, Ricardo Galvão, divulgaram os dados de desmatamento do sistema Deter-B à imprensa por má fé, numa tentativa deliberada de minar a reputação do Brasil e do governo. Isso é falso: o Inpe não “divulgou” os dados; eles estão disponíveis diariamente na internet na plataforma TerraBrasilis, que desde o fim de 2018 mantém os sistemas Deter e Prodes numa interface amigável. O que ocorreu foi que o desmatamento virou notícia porque ele disparou desde maio.
A fraude veio pelas mãos do ministro do Meio Ambiente. Ricardo Salles tentou desqualificar o Deter apresentando uma análise de seus dados feita com observações selecionadas a dedo – o Inpe afirmou que não teve acesso prévio ao estudo. As discrepâncias apontadas por Salles são normais dentro do Deter. O que importa é que os desmatamentos apontados pelo sistema do Inpe de fato aconteceram e seu ritmo de fato aumentou. Uma análise honesta demandaria uma série de dados ano a ano e mês a mês com imagens da empresa Planet, usadas por Salles em seu estudo, o que não existe.
A falsa solução proposta por Salles e Bolsonaro é contratar, com dinheiro público, um novo sistema que use imagens Planet para dar “informações mais detalhadas”. Se o objetivo é produzir uma contestação do Inpe, não vai dar certo – o Deter é apenas um de quatro sistemas que monitoram a Amazônia em tempo real, e todos eles apontam a mesma tendência de alta explosiva em 2019.
O Deter é um sistema de excelência produzido por um órgão público de excelência, e foi um dos responsáveis pela redução de 70% na taxa de desmatamento observada entre 2004 e 2012. Tentativas de desqualificá-lo e de reduzir a transparência no monitoramento florestal do Brasil só trarão mais prejuízo à imagem do país. Se o propósito é municiar o Ibama, o governo prevarica: afinal, não é por falta de satélites que o desmatamento está subindo. O desmatamento sobe porque Salles e Bolsonaro “meteram a foice no Ibama”, reduziram o número de operações de fiscalização e de multas e preferem confraternizar com madeireiros e estimular garimpeiros a agir com base nos alertas do Deter.
Se Salles gastasse combatendo o crime ambiental metade da energia que gasta combatendo a ciência e os fatos, a crise do desmatamento não teria tomado a proporção que tomou. Vai trabalhar, ministro.
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