Lista inclui proposta anti-MST e outros projetos de endurecimento penal
Brasil de Fato – A ala reacionária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara prepara um novo combo de propostas de teor punitivista para serem apreciadas pelos parlamentares. Estão na pauta do colegiado desta terça-feira (2) pelos menos três medidas com esse perfil. Entre elas, está o Projeto de Lei (PL) 8262/2017, que permite que proprietários possam acionar a polícia para a retirada de “invasores de propriedade privada” independentemente de ordem judicial.
De autoria do ex-deputado André Amaral (PMDB-PB), a proposta não é nova no cenário político. O texto teve relatório aprovado pela Comissão de Segurança Pública em agosto de 2022 e conta com parecer favorável já apresentado pelo relator do PL na CCJ, Victor Linhalis (Podemos-ES). O projeto ainda não teve o debate finalizado por conta de um pedido de vista coletiva apresentado por seis deputados em abril. Na ocasião, a presidenta da comissão, a deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC), colocou na agenda uma série de medidas reacionárias e utilizadas na disputa de narrativa do grupo como pautas de combate ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
Nesse sentido, o PL 8262/2017 se conecta ainda a outras iniciativas já adotadas pelo grupo em diferentes momentos do jogo político, como a última Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST, ocorrida em 2023. O colegiado encerrou os trabalhos sem aprovação de relatório final, mas o assunto segue vivo na boca de parlamentares mais reacionários, que constantemente associam o MST a supostas ações criminosas. O discurso é historicamente utilizado pelo grupo para defender a linha discursiva do agronegócio e fazer agitação política com a base de eleitores do segmento.
Para o professor e pesquisador Thiago Trindade, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), a recorrência constante ao nome do movimento como alvo político remete à disputa de classes sociais. “É uma prática já bem consolidada no sentido de tentar imputar, mais no debate público do que no campo judicial propriamente dito, um estigma sobre o MST. Mas não é apenas sobre o MST. É sobre qualquer movimento que tenha algum tipo de questionamento dos privilégios de uma determinada classe, que, nesse caso aqui, é a classe mais ligada ao latifúndio, às grandes propriedades rurais.”
Também coordenador do núcleo Brasília do Observatório das Metrópoles, Trindade vê ligação direta entre essa e outras disputas. “Se você pega as ações específicas desse grupo politico político contra o MST, você percebe que isso é articulado com vários outros movimentos [do segmento] que vêm sendo feitos. É o que vimos com a disputa em torno do PL do Estupro, que deu uma sacudida no debate público por conta da reação dos grupos feministas a essa agenda. E por que isso não foi feito no governo Bolsonaro, quando, teoricamente, se tinha um alinhamento político muito mais favorável no Executivo para se aprovar um projeto como esse? Porque, em tese, agora, se esse PL fosse aprovado, o Lula provavelmente vetaria, e isso inflamaria todo um debate no país. É uma tentativa de desgastar o governo.”
Cenário
O cientista político insere a questão também dentro do cenário de profunda mudança pela qual vem passando, na última década, a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo no país. “As condições nas quais um presidente da República governa hoje no Brasil são muito diferentes daquilo que o Lula tinha cerca de 20 anos atrás, no primeiro mandato dele. Há uma reconfiguração quase completa. Tem o centrão, tem o orçamento secreto”, exemplifica.
“Só que a grande questão agora é que há um grupo político que pretende mostrar a todo momento pro governo que ele não vai poder governar, que ele não vai ter paz. Na legislatura atual, o perfil mais conservador do Congresso, principalmente da Câmara, é mais inclinado ao conflito. Não é um Congresso que esteja disposto a negociar e a conversar nos termos da política tradicional. É um grupo que quer buscar um tensionamento constante.”
Populismo penal
Nesse sentido, a CCJ inseriu ainda na pauta desta semana o projeto de Caroline de Toni, presidente do colegiado, que altera a Lei de Execuções Penais para condicionar uma série de direitos de detentos à coleta de material biológico para obtenção do perfil genético do preso. Se aprovada, a proposta valeria para medidas como a progressão de regime, a saída temporária, a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e a suspensão condicional da pena, que ficariam condicionadas a essa coleta. Também figura na agenda o PL 6831/2010, que amplia as penalidades para estupradores.
Crítica das medidas, a Rede de Justiça Criminal vê a opção por essas agendas como mais uma iniciativa voltada ao favorecimento de discussões que dialogam com o reacionarismo e ofuscam a busca por soluções estruturais para os problemas que afligem o país. “O punitivismo é fácil de traduzir porque ele é falso, superficial. Ele lida com falsas simetrias. É basicamente [a lógica] do ‘se você fez isso, eu preciso te punir na mesma medida’, e aí você dá soluções que ficam sempre na superfície [dos problemas]. Quase nunca você tem propostas que vão na raiz do problema. Quando a gente chega em ano eleitoral, em que as pessoas precisam do voto para se eleger, isso se acirra ainda mais porque é fácil vender um discurso como esse. Eles não explicam que prender mais é algo que não tem resolvido o problema”, analisa a secretária-executiva da organização, Janine Carvalho.
“É fácil, por exemplo, num caso de estupro, falar em castrar a pessoa. Isso é fácil de traduzir para a população numa linguagem não de justiça, mas de vingança. E aí se faz um jogo muito desonesto, que é mexer com o medo da população, que é um medo legítimo. Todo mundo quer se sentir seguro. O problema é que, quando você vai traduzir isso em propostas, quase nenhuma delas vai resolver o problema. Com isso, a gente fica sempre enxugando esse gelo e fica difícil até de traduzir pra população que isso não está funcionando, se a gente não consegue dar uma vazão pra sociedade sobre quais são os problemas realmente estruturais do país.”
A especialista destaca que o atual perfil dos parlamentares ajuda a garantir o terreno fértil para a proliferação do populismo penal na agenda do Legislativo. “Temos uma maioria conservadora no Senado e na Câmara e alguns assuntos encontram mais facilidade para deslanchar. Se você junta essa falta de entendimento da população sobre o que é o crime, a falta de conhecimento sobre como combater isso de uma maneira eficaz e que aborde as nossas reais dificuldades e um Congresso conservador que se vale do medo das pessoas pra vender pautas rasas, temos aí um combo explosivo para que essa agenda ande. O ano eleitoral explica muito por que essas coisas estão andando tão rápido e a galope.”
Com informações do Brasil 247
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