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Até umas duas semanas atrás a possibilidade de Jair Bolsonaro não concluir o mandato era tratada nas altas e nas baixas rodas de Brasília à boca pequena, de maneira disfarçada, como quem duvida da própria especulação. De uma hora pra outra o assunto meteu o pé na porta e mostrou a cara. Ninguém esconde mais nada, ninguém disfarça mais nada. A saída do capitão daquela cadeira do Palácio do Planalto – senão de direito, mas na prática – deixou de ser uma possibilidade e é tratada como certa.

O que se discute agora são dois aspectos: o prazo e a forma. Ou seja: que ele não cumprirá o mandato até o final é dado como favas contadas, na opinião da maioria dos analistas e observadores da cena política, desde parlamentares de todos os matizes ideológicos, inclusive os que podem ser enquadrados no espectro da direita que Bolsonaro representa, até cientistas políticos e jornalistas.

O próprio governo, que monitora as redes sociais com lupa grossa, já percebeu a intensificação do trânsito de informações neste sentido. Palavras como “impeachment”, “golpe”, “renúncia”, “parlamentarismo branco”, entre outras, correm soltas e já se converteram em hashtags de alta voltagem. E não se trata, como o próprio Bolsonaro vem insinuando, de um complô articulado entre setores influentes dos três poderes, inconformados com a “nova política” trazida pelo seu governo. “Nova política” que estaria impedindo negociatas e conchavos, sem os quais, como afirma Paulo Portilho, autor do texto que Bolsonaro subscreveu, o Brasil é ingovernável.

Os militares estão caindo fora

Claro que o abortamento de qualquer governo é assunto delicado e seríssimo, pelos riscos de ruptura institucional que pode acarretar, embora o Brasil tenha realizado dois impeachments sem maiores traumas. Como também pelas consequências dramáticas e imprevisíveis para uma população que já enfrenta dificuldades de toda ordem em sua vida diária, e não vislumbra no horizonte qualquer notícia alentadora. A percepção geral para os analistas, não é a de que exista um desejo consolidado de que Bolsonaro deixe o governo. Mas simplesmente a constatação de que a absoluta falta de rumos e de projetos consistentes, passados cinco meses desde a posse, exige mudanças imediatas e profundas.

A insatisfação, que começou tímida, contaminou setores até então considerados infensos a qualquer tentativa de radicalização. É o caso dos militares, que já não escondem o desconforto com um governo que teve o aval deles desde o primeiro movimento, mas que até agora não foi capaz de oferecer respostas concretas para os problemas estruturais do país. Os sinais que chegam dos quartéis é a de que os militares não estão dispostos a ter sua imagem manchada pela associação a um governo errático e apequenado pela concentração de ações periféricas voltadas exclusivamente à intolerância ideológica e à pauta conservadora de costumes.

Até aqui Bolsonaro não tem nada a apresentar

Até aqui, fora a proposta de reforma da previdência de Paulo Guedes e o projeto da nova segurança de Moro, o governo Bolsonaro não tem rigorosamente nada a exibir em qualquer outra área. Nada. Em compensação, sobram cabeçadas dentro do próprio governo, entre o presidente e a imprensa, entre o presidente e o Congresso, entre os filhos do presidente e o vice, entre o guru do presidente e os militares, entre os líderes do governo no Congresso, entre o guru e o vice, entre os ministros, entre… todos.

Um quadro tão estranho que outro dia, numa roda com alguns parlamentares do PT, do PSOL, da Rede, do PC do B e de outras legendas à esquerda eu não resisti e brinquei: “Escuta, por que vocês não vão descansar na praia e deixam a oposição trabalhar?” Sim, porque nunca se viu tanto fogo amigo – amigo? – como no atual governo. Pra que oposição?

Junto aos parlamentares cujos partidos se dispuseram a dar apoio ao novo governo já se percebe nitidamente um recuo. Sintonize as TVs Câmara e Senado e observe o tom dos discursos. O entusiasmo – por vezes até exagerado – que havia no início deu lugar a um apoio de conveniência. Ênfase na defesa do governo se vê, embora já bem fraco, apenas entre os líderes que o fazem por dever de ofício. Poucos dos antes aguerridos direitistas têm dado a cara a tapa. Sem apoio e sem base articulada, Bolsonaro em pouco tempo já exibe sinais claros de isolamento.

A saída do capitão virou até piada

Não à toa, o governo vem sofrendo derrotas sucessivas, articuladas inclusive pelos integrantes de sua, digamos, “base de apoio”, se é que isto existe. Foi assim na votação da reforma da estrutura do governo na comissão especial, com a retirada do Coaf das mãos de Moro. Ora, se não consegue aprovar um projeto estratégico como este, para ficar num único exemplo, como é que pretende seguir adiante?

A possibilidade de saída de Bolsonaro já entrou até no anedotário. Foi lançado até um aplicativo que faz a contagem regressiva para a saída. As piadas se multiplicam, como: “Quem for fazer o Enem estude o Bolsonaro porque ele vai cair”.

E não por outra razão já se articula ostensivamente pelos corredores do Congresso a adoção de um “Parlamentarismo branco”, situação hegemônica que o Legislativo assume quando fica evidente a fragilidade do Executivo. A articulação escancarou-se desde a aprovação do orçamento impositivo, que retirou enorme quinhão de poder do capitão. E está crescendo em velocidade acelerada, com líderes que até outro dia tentavam ajudar na articulação política do governo trabalhando para emplacar uma proposta alternativa de reforma da previdência em consonância com uma reforma tributária capaz de oferecer uma resposta concreta aos desafios de crescimento.

Torna-se claro o deslocamento do poder, com o esvaziamento do Executivo. Pode ser um disfarce, como alguns analistas observam, para um afastamento de fato de Bolsonaro. Pode ser uma tentativa de retirar o poder real do presidente, que viraria uma rainha da Inglaterra. Solução menos traumática, é claro, do que um impeachment.

O povo já foi pra rua

Na história recente do país não há governo que nem bem tenha chegado aos primeiros cinco meses e já enfrente manifestações gigantes pelas ruas, como ocorreu no último dia 15 contra o bloqueio de verbas da educação. E na expectativa de outras, como as dos policiais e dos caminhoneiros, que já se anunciam. Nem há governo que em tão pouco tempo já esteja sendo escanteado pelas principais forças políticas, inclusive as que lhe deram apoio. Líderes das duas casas do legislativo, diante do vácuo de poder, da incapacidade do governo de pilotar as reformas que o país exige, parecem mesmo dispostos a botar o bloco do Congresso na rua, com a adoção do parlamentarismo branco, agora já sem aspas. E largar Bolsonaro pra lá.

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