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O resultado do outubro eleitoral impactará substancialmente nos rumos da região.

Por Mateus Fiorentini*

 

  Presidente Evo Morales, que disputa a reeleição, enfrenta ataques da direita em razão dos incêndios que atingiram a Bolívia

Desde a eleição de Maurício Macri, na Argentina, e Bolsonaro, no Brasil, a avaliação que compreende que o ciclo de governos progressistas na América está encerrado ganhou força. A partir de então inúmeros debates sobre o fim ou não desse processo ou a natureza cíclica dos fenômenos políticos no continente foram resgatados. Contudo, a eleição de Lopez Obrador, no México, trouxe a perspectiva de que possa ser apenas um período transitório para uma nova onda de transformações. Diante disso, o outubro eleitoral em que argentinos, uruguaios e bolivianos irão às urnas assume caráter decisivo para o contexto latino-americano.

Esses processos eleitorais ocorrem em um momento de desgaste dos projetos conservadores e neoliberais na região. A narrativa construída pela direita apontava os governos de esquerda como culpados pela crise econômica, pela corrupção e todas as mazelas que atingem o planeta. Entretanto, uma vez que estes governos não conseguem dar respostas que permitam a seus países encontrar saídas para a crise perdem crédito junto à sociedade. A situação econômica e social da Argentina tornou-se exemplo do que não fazer e transformou Macri em referência negativa comum a todos os pleitos. Bolsonaro, por outro lado, é a imagem do pior que pode acontecer, tanto em matéria econômica e social, quanto em termos de seu conservadorismo político e ideológico. Tal fenômeno tem levado setores da direita regional a se descolar do presidente brasileiro. Sebastian Piñera não sabia onde se esconder diante dos elogios de Bolsonaro a Pinochet, uma vez que a direita chilena foge da imagem do ditador como o diabo foge da cruz. O discurso da direita nesses países busca vincular as candidaturas da esquerda como chavistas, apoiadores da “ditadura de Maduro” valendo-se da campanha e do desgaste contra a Venezuela. Outro elemento a ser considerado diz respeito à atualização programática bem como a reconfiguração das alianças conformadas.

O primeiro pleito ocorrerá no dia 20 na Bolívia, seguido de Uruguai e Argentina, ambos em 27 de outubro.

Bolívia

O caso boliviano merece destaque pelo cenário econômico e social do país. Tradicional referência de subdesenvolvimento e alvo de piadas, inclusive por parte da esquerda brasileira, a Bolívia sustenta um desenvolvimento sólido. O país andino garantiu um crescimento de 5%, ao ano, em média, nos últimos 10 anos. No ano de 2014, cresceu 5,5%, em 2015 4,9% e 4,3% no ano de 2016. Estes números chamam ainda mais a atenção diante do contexto dos demais países já que, em 2016, os EUA cresceram 1,5% e a média da América Latina ficou em 0,9%. É esperado que o país governado por Evo Morales conclua o ano de 2019 com um crescimento de 4% e 3,9% em 2020, segundo o FMI. A projeção do Ministério da Economia para 2019, contudo, é de 4,5%. Além disso, Evo liderou um processo que reduziu pela metade os índices de pobreza, atingindo números similares aos da Argentina. E, possui a menor taxa de desemprego da região.

Diante disso, a oposição ficou sem argumentos para contrapor o projeto em curso. Apoia-se no desgaste de Evo após reafirmação da candidatura contrariando resultado do plebiscito realizado anteriormente. Por outro lado, a direita boliviana tem buscado culpar o governo pelos incêndios provocados na região amazônica. Tal estratégia da direita para desmoralizar Evo junto aos movimentos indígenas, sobretudo, tem sido frequente.

Assim sendo, na campanha Evo aponta para a necessidade de cinco anos mais para concluir esse processo. Em tom que combina afirmação e autocrítica, defende que a Bolívia mudou muito mas que mudaram também seus líderes que aprenderam com seus erros. Nesse contexto, Evo lidera as pesquisas com 33% seguido de Carlos Mesa (26%) e Oscar Urtiz (7%). Segundo analistas, o melhor cenário para Evo seria a vitória em primeiro turno, em um eventual segundo turno, a pesquisas apontam vitória de Mesa com 44% contra 39% da candidatura do atual presidente pelo Movimento para o Socialismo (MAS).

Uruguai

Devido a sua condição o Uruguai talvez seja o país onde mais repercutem os acontecimentos de Brasil e Argentina. Ao mesmo tempo, um dos países onde produziu-se um frutífero debate em torno da atualização do projeto da esquerda. Tendo como pano de fundo o cenário de crescimento das forças de direita na região a Frente Ampla dedicou-se a intenso debate interno. Tal fenômeno está inserido na tradição dessa organização, que esgota os debates até às últimas consequências para produzir a atuação unitária. Desde o congresso que comemorou seus 45 anos de fundação a FA apontou para a reafirmação de princípios e a necessidade de atualização organizativa e programática.

Pode-se dizer que a direita saiu na frente ao unificar todas as tendências do Partido Nacional em torno de Lacalle Pou após intensa disputa interna com o que chamou-se de “Bolsonaro oriental”. Na Frente Ampla esse processo custou mais tempo e a agremiação unificou-se em torno do prefeito de Montevidéu. No país de Pepe Mujica, portanto, a disputa se dá entre Daniel Martinez da Frente Ampla e Lacalle Pou do Partido Nacional.

A direita apoia-se na difícil situação econômica do país e o crescente sentimento de insegurança e desemprego para apontar o esgotamento dos governos da Frente Ampla. Os frenteamplistas, por sua vez, identificam Lacalle Pou com o desastre macrista na Argentina e o obscurantismo patológico de Bolsonaro, tendo a figura de Trump como exemplo maior. Para tanto, apoiam-se nas conquistas alcançadas nos últimos anos como a aprovação do casamento homoafetivo, aborto legal e legalização da maconha. Ao mesmo tempo, sustenta-se no estruturado Estado de Bem-Estar construído no país. Ao longo dos governos da Frente Ampla, o Uruguai atingiu o maior nível de salários da região,  reduziu a pobreza de 38 para 8% e a indigência de 4,5 para 0,1%, universalizou o sistema de saúde público, atingiu o investimento de 4,2% do PIB em educação, entre outras conquistas frenteamplistas.

As pesquisas mais recentes apontam Daniel Martinez (FA) com 34% das intenções de voto, seguido de Lacalle Pou com 26% e Ernesto Talvi (Partido Colorado) com 12%.

Argentina

Devido ao peso econômico e social e seu papel geopolítico na região, o cenário argentino é um dos mais observados dentre os pleitos mencionados. O processo que inaugurou a implantação de governos de direita na região se vê diante de uma situação de extrema gravidade. A Argentina de Macri chega a esse pleito com um incremento da taxa de desemprego de 10%, redução do poder aquisitivo em 12% e um aumento da pobreza de 32%, segundo dados da CEPAL.

Diante disso, peronistas e kirchneristas retomaram a dianteira política após as eleições primárias realizadas recentemente e deram ampla vantagem para o candidato apoiado por Cristina Kirchner. Segundo a maioria dos prognósticos essa posição deve sofrer poucas alterações. Em pesquisa divulgada pela “Oh! Panel” 82% dos eleitores deve manter o mesmo voto das primárias contra 9% que cogita mudar e outros 9% de indecisos. Aliado a isso o estudo aponta que 57% acreditam que Alberto Fernandez pode resolver o problema da inflação, ainda que 75% entenda que este não será resolvido a curto prazo.

Para 75% da população o país voltará a crescer a partir do fortalecimento de políticas sociais e incremento do consumo interno mais que pela atração de investimentos estrangeiros. Assim, 64% identificam que o país está na direção errada e a avaliação negativa de Macri atingiu 61%. Esse contexto leva a 69% população acreditar que o candidato peronista vencerá as eleições de 27 de outubro.

Esse ambiente constituiu uma polarização entre o que Cristina Kirchner chama de “Estado promotor” e os defensores do livre mercado. Em outras palavras, poderia se dizer que há uma disputa entre um Estado de Bem-estar contra a instauração do Mad Max e a guerra de todos contra todos. Nesse sentido, a candidatura de Alberto Fernandez vai consolidando-se como a provável vitoriosa das eleições no país vizinho. Entretanto, como sabemos bem, entrar em campo de salto alto é o primeiro passo para a derrota. Para tanto, Macri e a direita argentina buscam instrumentos para sangrar a candidatura de Fernandez. O principal deles diz respeito a “revitalização” do caso dos “Cuadernos” que envolvem denúncias contra a ex-presidenta, a atual senadora e candidatada a vice-presidente na chapa de Fernandez, Cristina Fernandes Kirchner, de desvios de recursos de campanha.

Entretanto, a consolidação da candidatura de Alberto Fernandez não resulta apenas da difícil situação da Argentina. Responde também à atualização da tática peronista ampliando o espectro das alianças.  Esse ajuste tático se expressa na própria composição da frente, se antes Cristina elegeu-se pela “Frente para la Victoria”, Fernandez lidera a “Frente de Todos”. É possível afirmar que a chapa Alberto Fernandez-Cristina Kirchner expressa uma composição com os setores localizados mais ao centro do espectro peronista. Além disso, a reaproximação de Sergio Masa, que concorreu à presidência nas últimas eleições apresentando-se como uma dissidência do kirchnerismo, joga importante papel na construção da unidade dos setores progressistas.

Segundo a pesquisa de “Oh! Panel” Alberto Fernandez lidera com 52% das intenções de voto seguido de Maurício Macri (Juntos por el cambio) com 32%. Confirmando esse resultado Fernandez elegeria-se no primeiro turno e imporia derrota fragorosa à direita argentina.

O resultado desse outubro eleitoral impactará substancialmente nos rumos da região. Poderá determinar o encerramento do dito ciclo progressista na América Latina. Por outro lado, pode representar a retomada do protagonismo político dos setores democráticos, patrióticos populares e de esquerda para uma nova onda de transformações. A esperança é latino-americana.

Mateus Fiorentini é Mestre em Integração da América Latina pela USP com a pesquisa intitulada “Caminho uruguaio ao socialismo: o pensamento de Rodney Arismendi e a unidade da esquerda (1955-1971). Professor de História formado pela PUC-SP, Diretor de Relações Internacionais da ANPG e membro da Fundação Maurício Grabois.