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No dia 2 de julho de 1948, Monteiro Lobato concedeu à rádio Record aquela que seria a última entrevista de sua vida, que encerrou com as palavras: “O Petróleo é Nosso”! Dois dias após, “O Repórter Esso”, na voz de Herón Domingues, anunciou a morte de um grande brasileiro, desses que surgem poucos a cada geração: “E agora uma notícia que entristece a todos: acaba de falecer o grande escritor e patriota Monteiro Lobato!”.

No dia 2 de julho de 1948, Monteiro Lobato concedeu à rádio Record aquela que seria a última entrevista de sua vida, que encerrou com as palavras: “O Petróleo é Nosso”! Dois dias após, “O Repórter Esso”, na voz de Herón Domingues, anunciou a morte de um grande brasileiro, desses que surgem poucos a cada geração: “E agora uma notícia que entristece a todos: acaba de falecer o grande escritor e patriota Monteiro Lobato!”.

Por Carlos Russo Jr.

 

 

Monteiro Lobato, nascido em Taubaté em 1882, falecia aos 66 anos de idade; o corpo foi velado na antiga Biblioteca Municipal de São Paulo e em seu cortejo fúnebre, que seguiu a pé até o Cemitério da Consolação, havia mais de dez mil pessoas, que compreendiam que Monteiro Lobato representara, a seu modo, o ímpeto pioneiro, renovador, criador de tantas iniciativas fecundas e ousadas, aventuras pessoais ou coletivas, que formatariam um Brasil moderno.

Advogado sem vocação, seu primeiro emprego foi o de promotor público na cidade de Areias. Depois teve sua experiência como fazendeiro, mas as inovações agropecuárias que realizou demonstraram-se desastrosas; no entanto, “enquanto o fazendeiro se enterra, o escritor se levanta”, diz seu biógrafo Edgard Cavalheiro, porque o melhor “fruto da fazenda” foi o livreto “Urupês” (1918), uma coletânea de quatorze contos, nos quais surge a figura do Jeca Tatu.

O que “Urupês” desencadeou foi quase uma hecatombe na classe média que se expandia no Brasil. Surgia exatamente na contramão do otimismo que o recém reeleito Presidente Rodrigues Alves, o mesmo que higienizara o Rio de Janeiro com mão de ferro em seu primeiro mandato (1902/ 1906). O governo estabelecera o ufanismo nacional como plataforma de governo e, por encomenda, Afonso Celso publicara em prosa e verso o livro “Por que me ufano de meu país”. Por incrível coincidência, Rodrigues Alves morreria antes do final do ano de gripe espanhola contraída no Rio de Janeiro, a mesma gripe que em poucos meses dizimou dezessete mil pessoas somente na capital carioca.

O propósito claro de Lobato em “Urupês” e “Jeca Tatu” foi produzir um conto que fosse um grito de alerta contra o atraso cultural de nosso país, a miséria e o conservadorismo corrupto e corruptor. Se o índio fora o modelo idealizado por muitos escritores românticos do século passado, a figura do caboclo seria seu substituto moderno.

Jeca Tatu representa a miséria e o atraso do homem do interior. Ele é desleixado tanto na aparência quanto na higiene pessoal. Sem educação ou cultura própria, Jeca era ingênuo e repleto de crendices, visto como alcoólatra e preguiçoso. Porém, como afirma Monteiro Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”, a sociedade o deformou. “Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens nas tripas e no sangue todo um jardim zoológico da pior espécie. É bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não… És tudo isso sem tirar uma vírgula, mas ainda és a melhor coisa desta terra!”

“Urupês”, além desta personagem trouxe também uma série de inovações linguísticas. Monteiro Lobato estava preocupado em reproduzir nos seus textos a riqueza da fala do homem brasileiro do interior, seus coloquialismos e neologismos. De acordo com a crítica literária, o recurso da oralidade foi a maior ousadia do escritor em Urupês, pois nessa época o uso do português coloquial em obras era visto como algo “inferior” e sem valor literário.

Quando Monteiro Lobato em 1917 escreveu o texto “Mistificação ou paranoia”, criticando os modernistas, não se dera conta de que desde “Urupês” ele era uma clara ponte ligando o passado às convenções estilísticas propostas pelos mesmos que criticava.

De todo modo, Moteiro Lobato desistiu dos experimentos agrícolas, quando o êxito dos primeiros contos sacudiu o homem empreendedor e o levou a investir todas as suas forças e dinheiro no mercado editorial.

No princípio do século, os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa; Monteiro Lobato tornou-se editor, passando a produzir livros no Brasil e abrindo possibilidade para diversos autores totalmente desconhecidos do público. “Um país se faz com homens e livros”. “Livro não é gênero de primeira necessidade… é sobremesa; tem que ser posto embaixo do nariz do freguês, para provocar-lhe a gulodice.”

Lobato conseguiu desenvolver um mercado de massa e transformar a indústria editorial em indústria de consumo. Dentro de pouco tempo as edições da Monteiro Lobato e Cia. dominavam nosso mercado livreiro. Seu parque gráfico era o maior da América Latina.

O voo editorial, entretanto, fora alto demais. Sem nenhum apoio governamental, as grandes oficinas gráficas não suportaram a dificuldade de financiamento e a crise energética que se abatia sobre o Brasil e fazia as rotativas pararem. Lobato enfrentou dignamente a falência de sua Editora, em cujos alicerces ele, alguns anos após, plantaria uma nova, os da Companhia Editora Nacional, existente até os dias de hoje.

É depois da primeira experiência com uma editora que ele deixa São Paulo e muda-se para o Rio de Janeiro, onde segue a carreira de escritor. Seguidor de Figueiredo Pimentel, o brilhante autor português de “Contos da Carochinha”, Monteiro Lobato ficou popularmente conhecido pelo conjunto educativo de sua obra infanto-juvenil, que constitui aproximadamente metade da sua produção literária.

Em 1927, Lobato realiza um velho sonho: é nomeado adido comercial nos Estados Unidos. Os quatro anos que passará na América do Norte constituirão uma descoberta e um deslumbramento para o caipira de Taubaté: vê o gigantesco progresso americano e o compara com a nossa lentidão colonial. Ao voltar, trará planos grandiosos de salvação econômica para o Brasil. O primeiro deles é a Campanha do Ferro: é preciso “ferrar o Brasil”. A próxima, ainda mais ampla, será a Campanha do Petróleo.

Nos anos 30 havia interesse oficial em se dizer que no Brasil não havia petróleo, afinal o ouro negro já jorrava espontaneamente no solo do meio oeste norte americano. Monteiro Lobato aliava a literatura e a prédica a atitudes concretas. Na contramão dos interesses dominantes, fundou a Companhia Petróleos do Brasil, e graças à grande facilidade com que foram subscritas suas ações, inaugurou várias empresas para fazer perfuração, sendo a maior de todas elas a Companhia Mato-grossense de Petróleo (em 1938), que visava realizar perfurações quase junto à fronteira com a Bolívia, cujo governo nacionalista já encontrara gás e petróleo.

Em dois livros, “Ferro” (1931) e “O Escândalo do Petróleo” (1936), o escritor documenta os lances dramáticos da duríssima batalha que teve que travar contra a “carneirada” e contra os “moinhos de vento”, movido unicamente pelo afã de prover o Brasil de uma indústria petrolífera independente. O último livro esgotou várias edições em menos de um mês. Aturdido, o governo de Getúlio Vargas, que era acusado de “não perfurar e não deixar que se perfure” proibiu “O Escândalo do Petróleo” e mandou recolher todos os exemplares disponíveis, naquilo que seria o primeiro lance da longa sequência de escândalos envolvendo o petróleo brasileiro, que prosseguem até os dias de hoje.

A empolgação de Lobato fez com que ele percorresse todo o país em busca de apoios; a guerra que lhe moveram os governantes, os burocratas e os sabotadores dos interesses pátrios, terminou por deixá-lo pobre, doente e desgostoso. Em 1941, depois de enviar outra carta a Vargas, acusando-o de má conduta na política brasileira de minérios, acabou preso. No Presídio Tiradentes foi confinado por quase quatro meses, na mesma cela do Pavilhão 1, pela qual passariam tantos presos da ditadura militar de 1964.

Na cadeia manteve-se altivo e escreveu ao general Horta Barbosa, comandante do Conselho Nacional do Petróleo, responsável por seu encarceramento, agradecendo “os deliciosos dias passados na Casa de Detenção”, que lhe permitiram “meditar sobre o livro de Walter Piktin, ‘A short introduction to the history of Human Stupidy’”.

O certo é que com admirável sentido de luta, Monteiro Lobato conseguiu sacudir o Brasil de alto a baixo, apontando ao povo brasileiro os caminhos de sua emancipação econômica, bandeiras de lutas que se aprofundariam após a sua morte e que redundariam na fundação da Petrobras, empresa criada em 1953, na fase populista do então presidente Getúlio Vargas, impulsionada pela campanha popular iniciada em 1946 por Lobato, sob o slogan de “O petróleo é nosso”.

Voltemos ao Monteiro Lobato, o grande escritor da maior parte das histórias infantis nacionais. “A menina do narizinho arrebitado”, com edição inicial de cinquenta mil exemplares ocorreu no ano de 1921; nela Lobato introduziu o elenco de crianças e bonecos do Sítio do Pica Pau Amarelo. A seguir outras tão importantes ou mais foram: “Reinações de Narizinho” (1931), “Caçadas de Pedrinho” (1933) e “O sítio do pica-pau amarelo” (1939).

Lobato criou personagens inesquecíveis, que se incorporaram para sempre ao folclore brasileiro. Emília, a boneca de pano falante com sentimento e ideias independentes; Pedrinho, personagem com que o autor se identificava quando criança; Visconde de Sabugosa, a espiga de milho com consciência e atitudes de adulto; Cuca, a vilã.

A figura folclórica do Saci Pererê encontrou sua maior divulgação no autor de “Reinações de Narizinho”.

Lobato também acreditava que era chegada a hora de nos libertarmos da influência de Portugal e desenvolvermos uma linguagem brasileira. Nas suas adaptações infantis ele emprega uma linguagem coloquial e simplificada. Quase dez anos após, em 1928, o modernista Oswald de Andrade, no “Manifesto Antropofágico” apresentou a imagem do canibal brasileiro que devora o inimigo para apropriar-se de sua alma. “Assim como o canibal, o escritor brasileiro não deve absorver passivamente as influências estrangeiras, mas transformá-las em algo novo, abrasileirado, a la Monteiro Lobato”.

“Nós usamos a linguagem o mais simplificada possível, como a de Machado de Assis que é nosso grande mestre.”

Em “Don Quixote para crianças”, por exemplo, Emília, a boneca de pano, um dos álter egos do escritor, retira da estante o pesado Don Quixote que Dona Benta passa a ler para as crianças, netos e bonecos, nos famosos “Serões de Dona Benta”. Emília, depois de ouvi-la falar em lança em cabido, adargar, etc., perde o interesse e decide brincar. Então Dona Benta resolve contar a história de Cervantes com suas próprias palavras e quando Pedrinho, no final, pergunta se contara a história inteira, a avó diz que toda a história era apenas para os adultos. “Temos que abrasileirar a linguagem, tornando a literatura desejada pela nossa infância”.

“Os doze trabalhos de Hércules” concluem os trinta e nove livros infanto-juvenis e quase um milhão de exemplares em circulação. Através das viagens que os personagens do Sítio do Pica Pau Amarelo empreendem com Hércules, Lobato conta os trabalhos de humanização realizados pelo maior dos heróis gregos, como também os principais e mais belos trechos da mitologia grega, em linguagem apropriada para crianças, mas com riqueza de detalhes raramente encontrada em outros livros de adaptações mitológicas.

Lobato, em sua época, foi o escritor mais traduzido para línguas estrangeiras como o francês, italiano, inglês, alemão, espanhol, japonês, árabe e iídiche.

Em 1926, Lobato concorreu a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, mas acabou derrotado. Tal qual ocorrera anos antes com Lima Barreto, era a segunda vez que isso sucedia. Na primeira vez, em 1921, Lobato desistiu antes da eleição, por não querer fazer as visitas de praxe aos acadêmicos para pedir votos. Na segunda vez, concorria à vaga de um jurista. Na primeira, recebera um voto no terceiro escrutínio, e, na segunda, dois votos, idêntica votação recebida anos antes por Lima Barreto.

Anticlerical por excelência, Monteiro Lobato sofreu crítica, censura e perseguição por parte da Igreja Católica. O influente padre Sales Brasil, na primeira fila do reacionarismo da guerra fria, denunciou o livro “História do Mundo Para Criança” como sendo o “comunismo para crianças”. Muitos exemplares do livro foram queimados por clérigos e autoridades Brasil afora. Por ordem do governo Getúlio Vargas, a adaptação infantil de Peter Pan foi aprendida pelo DOPS em todo o Estado de São Paulo.

Lobato também provocou outros tipos de polêmicas. Quando publicou “Paranoia ou Mistificação”, a crítica desfavorável à exposição de pintura de Anita Malfatti (na Semana de Arte Moderna de 1922), muitos modernistas passaram a taxá-lo de reacionário, com a notável exceção de Mário de Andrade. Na realidade, a crítica de Lobato era direcionada aos “ismos europeus”: cubismo, futurismo, dadaísmo, surrealismo, que ele denominava de “colonialismos”, “europeizações”, da mesma raiz do “academicismo da geração anterior”. Lobato era a favor de uma arte autenticamente brasileira, autóctone e nisso, como já o dissemos, ele mesmo era uma ponte para o moderno.

É bem verdade que a obra literária de Lobato da década de vinte, continha preconceitos raciais e eugênicos. Ele acreditava que a miscigenação fora um fator prejudicial na formação do povo brasileiro. Em seu livro, “O Presidente Negro” (1926), descreve um conflito racial de um tempo futuro (ano de 2.228), após a eleição de um negro para a presidência dos EUA, com consequências desastrosas advinda do cheque de raças, quase um século antes da eleição de Obama.

Posteriormente, com sua aproximação do socialismo, essa faceta “eugênica” e preconceituosa se desfaria. Relata seu biógrafo, Cavalheiro, que “ele ansiava por um socialismo difuso, meio anárquico, meio romântico”. “Não possuía, entretanto, nenhum gosto pela especulação doutrinária e por isso, jamais foi homem de partido, militante político”.

Seu contato maior com os comunistas ocorreria a partir de 1941, após o período de confinamento no Presídio Tiradentes, durante a ditadura de Vargas. Empolgou-se com a luta antinazista na Segunda Guerra Mundial. Jamais escondeu sua admiração e estima por Luiz Carlos Prestes e o fazia de modo aberto, a quem lhe perguntasse. Em 1945, no famoso comício do Pacaembu, enviou a Prestes uma das mais lindas e humanas saudações.

Quando, em 1947, levanta-se uma nova onda de perseguições políticas, de sua pena nascerá a história de “Zé Brasil”, panfleto que percorreu o país de norte a sul, acusando o Presidente Dutra de implantar no Brasil uma nova ditadura: o “Estado Novíssimo”.

Sua visão sobre a problemática social ele a resumiria, já sexagenário, da seguinte maneira: “A nossa ordem social é um enorme canteiro em que as classes privilegiadas são as flores e a imensa massa da maioria é apenas o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo. Nasci na classe privilegiada e nela vivi até hoje, mas o que vi da miséria silenciosa nos campos e nas cidades me força a repudiar uma ordem social que está contente com isso e arma-se até com armas celestes contra qualquer mudança.”

Monteiro Lobato foi um dos homens mais íntegros e corajosos que já viveram neste país, um intelectual “à moda antiga”, daqueles que, passados quase um século, nossa pobreza ética e intelectual ainda se ressente da falta.
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Bibliografia:

1. Lobato M. Urupês. Ed. Brasiliense, 1971.

2. Lobato, M. O Presidente Negro ou O Choque das Raças: Romance Americano do Ano 2228. Ed. Brasiliense, 1964.

3. Pereira, Astrojilgo. Crítica Impura. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1963.

4. Lobato, M. Obras Completas, Ed. Brasiliense, 1959.

5. Schuacz, L.M. e Starling, H. Brasil: Uma Biografia. Brasil, Companhia das Letras, 2013.

Fonte: Espaço Literário Marcel Proust

Por Carlos Russo Jr.

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