Segundo pesquisa da UFPR, ‘nepotismo e familismo explicam atraso, falta de justiça e desigualdades’ no Paraná
Créditos da foto: Pedro de Oliveira / ALEP e Otavio Conci
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos rostos mais famosos da força-tarefa da Operação Lava Jato, gosta de usar o Facebook para comentar a investigação. Em 23 de abril, compartilhou um artigo do jornal gaúcho Zero Hora que teorizava que a operação só seria possível em Curitiba. Em São Paulo, a grana não deixaria. No Rio, o problema seria a malandragem. Em Porto Alegre, a ideologia.
“Em Curitiba, há uma elite cultural parecida com a porto-alegrense, de boa formação cultural. Só que, em Curitiba, essa elite cultural está a salvo da tacanhice ideológica”, escreveu o jornalista e colunista David Coimbra. “Por estar longe demais das capitais, Curitiba teve tempo e ambiente para se transformar na matriz de uma nova casta de funcionários públicos que se formou no país.”
Uma pesquisa feita na Universidade Federal do Paraná (UFPR) por quatro sociólogos pinta um quadro diferente. Intitula-se “Prosopografia familiar da ‘Operação Lava Jato’ e do ministério Temer”. É de julho de 2017. Propõe-se a descrever a genealogia e as relações de personagens como Santos Lima, seu colega procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, e o juiz Sérgio Moro. Um total de 16 pessoas participantes da maior operação de combate à corrupção da história brasileira.
Suas conclusões? “A classe dominante do Paraná tradicional é uma grande estrutura de parentesco, quase sempre com as mesmas famílias da elite estatal ocupando simultaneamente os poderes executivo, legislativo e judiciário”, diz o texto.
Na origem disso, segundo os pesquisadores, estão famílias de imigrantes que ao longo do tempo assumiram o controle dos órgãos e da burocracia estaduais, “com seus privilégios e poderes, muitas vezes se associando na grande e antiga teia de nepotismo, de escravidão, exclusão social e coronelismo das antigas e sempre atuais oligarquias familiares da classe dominante paranaense”.
Moro nasceu em 1972 no Maringá. Sua família é de origem italiana. Um parente, Hildebrando Moro, foi desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná. Sua esposa, a advogada Rosângela Wolff de Quadros, também é de família imigrante e com parentes no TJ, Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, na ativa, e Haroldo Bernardo da Silva Wolff, aposentado em 2000.
Conforme a pesquisa, Rosângela é prima do atual prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN), ambos descendentes de um capitão, Manoel Ribeiro de Macedo, “preso pelo primeiro Presidente da Província do Paraná por acusações de corrupção e desvio de bens públicos em instalações estatais”.
Outro parente influente dela “é Luiz Fernando Wolff de Carvalho, do grupo Triunfo, bastante ativo nas atividades empresariais e na política regional, sempre envolvido com problemas jurídicos”.
Santos Lima é filho de um político que foi do partido da ditadura, a Arena. Promotor de carreira, Osvaldo dos Santos Lima foi vice-prefeito em Apucarana e, em 1973, presidente da Assembleia Legislativa. O avô de Carlos Fernando, Luiz dos Santos Lima, era “comerciante e juiz em São Mateus do Sul, na época do coronelismo local”.
Os irmãos do procurador da Lava Jato, Luiz José e Paulo Ovídio, prossegue a pesquisa, são promotores de Justiça no Paraná. A esposa, Vera Márcia, foi funcionária do Banco Banestado, o antigo banco estadual alvo de um escândalo nos anos 1990 e 2000, com remessas ilegais e bilionárias de dinheiro para o exterior.
Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, nasceu em Pato Branco em 1980. Seu pai, Agenor Dallagnol, era procurador também. “Tal como nos outros dois [Moro e Lima] casos verificamos uma reprodução dentro da elite estatal, com os filhos preservando muitas vezes os valores e as ideologias dos pais na década de 70, época de autoritarismo e justiça de exceção”, dizem os pesquisadores.
A genealogia dos principais nomes da Lava Jato leva os estudiosos a pôr em dúvida a falta de ideologia apontada no artigo compartilhado por Santos Lima. Com o tempo, dizem os sociólogos, ficou “evidente” a “forma seletiva” como Moro e a força-tarefa “escolheram os alvos políticos”. Não atacaram o sistema de corrupção privada sobre o Estado vigente desde a ditadura. Preferiram “inviabilizar o governo Dilma, o PT e perseguir e desmoralizar o ex-presidente Lula”.
O resultado desse quadro político-estatal-familiar-burocrático no Paraná, de acordo com a pesquisa da UFPR? “A grande teia de nepotismo e familismo explica muito do atraso, falta de justiça e desigualdades no Paraná e Curitiba, locais em que famílias com mentalidades políticas do ‘Antigo Regime’ ainda mandam e dominam.”
Leia a íntegra do estudo:
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