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O petróleo brasileiro exportado para Israel abastece tanques, aviões e outros veículos militares usados contra os palestinos em Gaza. Fotos: Unicef, UNRWA, Fepal, Hosnysalah/Pixabay e reprodução de redes sociais

O Brasil e o genocídio na Faixa de Gaza

O Brasil, apesar dos acenos positivos para cessar o massacre em Gaza, segue tendo um papel essencial em manter funcionando a máquina genocida de Israel

Ainda que a mídia brasileira e mundial tenha rebaixado o genocídio em Gaza a uma notícia entre outras, as condições pelos 2,3 milhões de palestinos e palestinas na Faixa sitiada, isolada e bombardeada estão alcançando níveis cada dia mais horrorosos.

As pessoas mortas e desaparecidas chegam a 50 mil, 70% delas mulheres e crianças. Em Gaza, 90% da infraestrutura está devastada, não tem mais nenhum hospital funcionando adequadamente.

Mais de 30 crianças já morreram de fome e muitas mais de doenças causadas pela má nutrição, a falta de água e de tratamentos médicos.

E Israel continua a bombardear hospitais, campos de refugiados. O nível de crueldade das forças de ocupação israelense chega ao ponto de bombardear a população palestina nas filas para receber as raras ajudas humanitárias que chegam à Gaza.

Os poderes coloniais, liderados pelos EUA e Europa, estão apoiando o genocídio. Esperar que eles tomem iniciativa enfrentando o governo israelense equivale a condenar o povo palestino à morte.

Porém, os povos de todo o mundo tomaram iniciativa. As mobilizações massivas e contínuas, protestos, bloqueios e acampamentos estudantis a nível global tem conseguido uma histórica, talvez irremediável, quebra de legitimidade de Israel.

Umas semanas atrás, no marco do Conselho dos Ministros de Relações Exteriores da União Europeia, pela primeira vez, se quebrou o tabu e falou-se “de maneira significativa” de sanções ao Estado de Israel.

Contudo, hoje, é mais evidente do que nunca que iniciativas concretas chegarão somente do Sul Global.

Já em dezembro de 2023, a Malásia impôs uma proibição a todos os navios de propriedade e bandeira israelense, bem como a quaisquer navios com destino a Israel, de atracarem em seus portos.

Em maio de 2024, a Turquia interrompeu todo o comércio com Israel.

Outros estados também impuseram sanções, incluindo a Colômbia, que em fevereiro de 2022 anunciou a suspensão total das compras de armas Israelenses, e, depois, cortou relações diplomáticas em maio de 2024. Finalmente, a Colômbia, em junho, começou o processo para proibir todas as exportações de carvão para Israel.

iniciativa sul-africana de acusar Israel frente à Corte Internacional de Justiça de genocídio teve também um importante papel jurídico e diplomático.

A decisão da Corte de que Israel, de fato, está cometendo um genocídio em Gaza tem pressionado muitos países a reduzir ou cortar a sua cumplicidade com o genocídio em curso.

O cessar-fogo e a entrada de ajuda humanitária nesse momento é a demanda mais urgente. Contudo, isso não significaria o fim das condições genocidas em Gaza.

O antigo relator Especial da ONU para os Direitos Humanos, Richard Falk, descreveu já em 2009 as políticas israelenses, os repetidas massacres e o cerco contínuo, ilegal e paralisante que destruiu todas as esferas da vida em Gaza, como “um prelúdio ao genocídio”.

Para o genocídio acabar precisa que os direitos, incluindo o direito à autodeterminação do povo palestino, sejam reconhecidos.

Para contribuir para a paz e o fim dos crimes de genocídio e apartheid israelenses, o mundo tem que enfrentar o problema da sua causa raiz: depois da limpeza étnica incompleta que em 1948 fundou o estado de Israel, o projeto colonial israelense tem usado o apartheid como medida temporária para gerir, ou melhor dito, oprimir, a população palestina.

Patrick Wolfe em Colonialismo de povoação e a eliminação do nativo destaca que toda sociedade colonial de povoação considera a eliminação da população indígena, ou pelo menos da sua resistência, uma necessidade.

Esta eliminação inclui a eliminação física e genocida do povo, tanto como a sua expulsão da terra e uma infinidade de estratégias destinadas a desestruturar, fragmentar e debilitar a sociedade indígena para que pelo menos a próxima geração não resista mais à desapropriação e à opressão, e renuncie às reivindicações pelos seus direitos.

Os povos indígenas das Américas sabem disso melhor que ninguém.

Na África de Sul, boicotes, desinvestimento e sanções acabaram com o apartheid antes que tenham chegado a fase final do genocídio. Na Palestina, não. E hoje estamos assistindo a um terrível genocídio em tempo real e ao vivo.

Já no início do genocídio, o Brasil como presidência do Conselho de Segurança da ONU mobilizou toda a sua diplomacia para tentar o impossível — um acordo mundial pelo cessar-fogo.

O presidente Lula foi um dos primeiros Chefes de Estado a reconhecer que Israel estava (e está) cometendo um genocídio e apesar das pressões não renegou.

Ao contrário, o Brasil deu rapidamente o seu apoio à causa levada pela África do Sul frente à Corte Internacional de Justiça.

De fato, tem rebaixado a sua presença diplomática em Tel Aviv, ainda que a razão principal dada não tenha sido o genocídio e o apartheid israelense, mas o insulto sofrido pelo embaixador brasileiro.

Palavras e ações diplomáticas são importantes, mas insuficientes

A Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional, a Assembleia Geral da ONU, o Conselho de Segurança, todos os órgãos mais influentes do mundo têm exigido um cessar-fogo. Sem resultado.

O esforço, principalmente dos EUA e alguns países europeus, de desautorizar todo o sistema das Nações Unidas e dos direitos humanos para proteger Israel está arriscando descredibilizar de forma irreversível também a ONU e o direito internacional sob os escombros de Gaza.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já em outubro do ano passado alertou:“O que vemos na Palestina também será o sofrimento no mundo de todos os povos do Sul. […] Gaza é apenas o primeiro experimento para considerarmos todos e todas descartáveis”.

Ele tirou suas conclusões e começou a atuar.

A única maneira pela qual se pode exercer influência e conseguir um cessar-fogo e o fim do genocídio é através de pressão concreta, de boicotes, desinvestimentos e sanções.

Frente a um genocídio, querer exercer influência não é escolha, é dever. Qualquer ajuda ou apoio a um genocídio ou um crime de lesa humanidade, é cumplicidade e a omissão leva ao risco de ser responsabilizado de acordo com a lei internacional.

E o Brasil está cumprindo com os seus deveres, com o que diz a sua Constituição?

Faz parte dos países que abrem o caminho pelo fim do genocídio?

Está defendendo, de fato, e não somente retoricamente a causa palestina, a causa da humanidade, e o sistema dos direitos humanos?

Nos últimos meses, o Ministério da Defesa tem estreitado ainda mais as relações militares do Brasil com Israel.

A Petrobrás tem continuado a fornecer combustíveis que abastecem a máquina do genocídio israelense.

O Tratado de Livre Comércio entre Israel e Brasil continua em vigor, apesar de a cláusula que decreta a exclusão dos produtos provenientes dos assentamentos ilegais israelenses do acordo e que foi a pré-condição para a ratificação do acordo, até hoje nunca ter sido aplicada.

A conclusão triste é que hoje o Brasil, apesar dos acenos positivos que já ressaltamos, segue tendo um papel essencial em manter funcionando a máquina genocida de Israel.

A sua cumplicidade nunca será ao nível dos EUA, Alemanha e Inglaterra e outros poderes coloniais, mas isso não deveria ser a referência ou aspiração para o Brasil.

Seria de esperar que o Itamaraty estivesse na vanguarda da defesa do direito e das instituições internacionais, mas, pelo menos, é preciso exigir que o Brasil cesse qualquer cumplicidade com genocídio e apartheid.

No caso da Ucrânia, o Itamaraty tem vetado a venda de blindados para manter a neutralidade diplomática.

Por que no caso do genocídio israelense contra o povo Palestino, o Itamaraty tangencia seu papel e sua responsabilidade alegando que “escapa da sua área de atuação” e deixa que o Brasil esteja, nesses casos, ao lado do Estado genocida de Israel?

Depois de protestos dos movimentos sociais, dos parlamentares e também uma carta das intelectuais, acadêmicos e artistas de destaque no Brasil, o contrato pelos obuseiros da maior empresa militar israelense Elbit Systems foi suspenso no 8 de maio, por 60 dias, para “submeter o processo novamente à assessoria jurídica do Ministério da Defesa em razão de alterações feitas na fase final do processo de seleção da licitação”.

Dia 9 de julho acabam os 60 dias. E depois?

Por que o governo não cancela esse contrato que destina um bilhão de reais do Novo PAC ao financiamento do genocídio israelense? Esse dinheiro podia pagar os salários de 333.325 enfermeiras ou 250 mil professores.

Por que a Petrobras abastece os tanques israelenses em Gaza com petróleo?

Agora é hora de cortar todas as relações militares, proibir a exportação de combustíveis, de cancelar o Tratado de Livre Comércio com Israel e banir a importação dos produtos dos assentamentos ilegais israelenses.

Marco legal: Não é escolha, é dever!

Na análise jurídica de maior autoridade até agora sobre as “Obrigações de Terceiros Estados e Corporações de Prevenir e Punir o Genocídio em Gaza”, a Dra. Irene Pietropaoli argumenta a obrigação de ação:

“A obrigação de prevenir o genocídio e o correspondente dever de agir começam, como esclareceu a CIJ [Corte Internacional de Justiça] no caso Bósnia v Sérvia, “no momento em que o Estado toma conhecimento, ou normalmente deveria ter tomado conhecimento, da existência de um sério risco de que o genocídio venha a ocorrer”. A partir desse momento, se o Estado tiver à sua disposição meios susceptíveis de ter um efeito dissuasor sobre os suspeitos de preparar o genocídio, ou razoavelmente suspeitos de nutrir uma intenção específica (dolus specialis), tem o dever de fazer tal uso desses meios conforme as circunstâncias permitirem”. […] O critério de ‘risco sério’ da comissão de genocídio é desencadeado pelo critério de ‘plausibilidade’ da comissão de genocídio necessário para a indicação de medidas provisórias no caso África do Sul x Israel”.

“Um Estado pode ser responsabilizado quando não implementa todos os meios legais sob sua autoridade” alerta Irene Pietropaoli, citando a compra de obuseiros Elbit pelo Brasil em particular.

Ela destaca que os Estados têm a responsabilidade de “empregar todos os meios razoavelmente disponíveis, de modo a prevenir o genocídio, tanto quanto possível”.

Quanto mais “capacidade de influência, vale dizer mais ligações políticas, militares e financeiras, bem como ligações de todos os outros tipos” os Estados têm, mais responsabilidade têm.

Na sua análise especifica que

“Seguindo a ordem da CIJ de 26 de Janeiro – e ordens subsequentes de 28 de Março e 24 de Maio – e com base nas suas obrigações ao abrigo da Convenção sobre o Genocídio e do direito humanitário internacional, os Estados Terceiros precisam tomar medidas imediatas para garantir que a sua relação econômica com Israel e o as atividades das empresas domiciliadas nos seus territórios não violem o seu dever de prevenir e não serem cúmplices do genocídio, e a fim de garantir que não sejam cúmplices ou não ajudem e auxiliem na prática de crimes de guerra por Israel. As empresas também têm essa responsabilidade independentemente da regulamentação dos seus Estados de origem. Estas ações incluem: um embargo de armas – abrangendo exportação, importação e trânsito (incluindo a utilização do espaço aéreo territorial e das águas territoriais), incluindo combustível e tecnologia utilizados para fins militares -; sanções econômicas e suspensão das relações comerciais, incluindo contratos públicos e investimentos; responsabilização das empresas que contribuem para o genocídio; e maiores obrigações de devida diligência em matéria de direitos humanos”.

De fato, essas obrigações foram já levadas a sério por uma série de governos ou impostos por tribunais nacionais.

O presidente colombiano, Gustavo Petro, anunciou a suspensão da compra de novos equipamentos e contratos com as empresas ligadas ao estado de Israel e ao genocídio, de forma que os equipamentos já adquiridos serão utilizados até o fim de seu ciclo de vida e depois substituídos por opções de empresas de outros países.

O governo regional da  Valônia, na Bélgica, suspendeu duas licenças de exportação de armas para Israel.

Um tribunal holandês ordenou que o governo suspendesse a exportação de peças do caça F-35 para Israel.

Corporações japonesas encerraram a primeira joint venture do país com a empresa militar israelense Elbit Systems, com base na decisão da CIJ.

Na Alemanha e nos EUA, líderes políticos são levados à justiça por seus cidadãos por cumplicidade em genocídio.

proposta da deputada Perpétua Almeida, derrotada pela maioria, de que os acordos militares com Israel tenham a cláusula “que as empresas de defesa, os equipamentos e tecnologias utilizadas em operações de violação dos direitos humanos contra o povo palestino sejam excluídos da participação deste acordo” teria sido indispensável para o Brasil não ser diretamente cúmplice no genocídio.

Enquanto a ilegalidade de quaisquer relações militares com Israel parece evidente, também o abastecimento do regime de apartheid de Israel com petróleo faz parte das ações internacionalmente reconhecidas como ilegais.

David Boyd, relator especial das Nações Unidas para questões humanas, direitos e meio ambiente,  alerta que “Os países e empresas que continuaram a fornecer petróleo aos militares israelenses desde a decisão da Corte Internacional de Justiça estão a contribuir para horríveis violações dos direitos humanos e podem ser cúmplices do genocídio”.

Aproveitando as armas do genocídio?

O fato de que o Brasil está continuando a manter e fortalecer relações militares com Israel no meio de um genocídio é talvez o aspecto mais evidentemente escandaloso.

Os movimentos têm denunciado há anos a importação de armas, tecnologia e doutrinas militares e de repressão desde Israel.

Os armamentos, tecnologias e doutrinas israelenses são desenvolvidos para manter e avançar a colonização da Palestina e o apartheid israelense, a limpeza étnica e agora o genocídio do povo palestino. Estão sendo testados nos corpos palestinos e promovidas como tal.

Pior ainda, conforme alertam especialistas em segurança pública e movimentos negros e de favelas do Brasil, as relações militares e de “segurança” com Israel também agravam as violações de direitos humanos, o racismo e a militarização no território brasileiro.

O dinheiro que o Brasil gasta nesses negócios desvia recursos do orçamento público para a indústria e a economia israelense, permitindo-lhe de continuar os seus crimes contra a humanidade e o genocídio.

O novo PAC financia o genocídio

No caso do último contrato de quase um bilhão de reais por obuseiros da israelense Elbit Systems, o orçamento chega diretamente através de financiamentos do Novo PAC, criado para “acelerar o crescimento econômico e a inclusão social“ no Brasil.

Nesse caso acaba para financiar o genocídio e o apartheid israelense. Os prejuízos vão além disso e tangem sequer quem no Brasil defende a militarização.

Quem ganhou o recente processo de licitação de 36 novos obuseiros 155mm foi a Elbit Systems, a maior empresa militar de Israel.

Elbit  se baseia na experiência do Instituto de Investigação do Ministério da Defesa de Israel e lucra enormemente com o fornecimento aos militares israelenses de uma variedade de armas utilizadas para sustentar o apartheid e o genocídio israelense contra o povo palestino.

Os seus obuseiros estão sendo usados em Gaza e também pelo exército ucraniano. São armas “estatísticas” – não tem precisão, logo, podem criar grande destruição numa área de extensão indeterminada.

São úteis num genocídio pela destruição total de uma área, como em Gaza , ou para criar um muro de fogo e destruição frente a um exército maior, como na Ucrânia.

Aqui já surge a pergunta de que cenário ou doutrina de guerra o Ministério da Defesa está planejando para precisar dessas armas?

Talvez melhor que o exército brasileiro não tenha necessidade desses obuseiros, já que é improvável que o Brasil vai ter esses obuseiros tão cedo.

Já outra empresa israelense, a Rafael, atrasou a entrega dos mísseis anticarro Spike LR que o Brasil tinha contratado e que iam a ser entregues a partir do segundo semestre do 2023 “em razão da guerra”, posto que toda capacidade produtiva das empresas militares está voltada para a produção de armas para o genocídio em Gaza.

Sendo as forças armadas israelenses o maior cliente da Elbit e já que Israel está se preparando para a continuidade do genocídio em Gaza e expansão de sua guerra ao Líbano, e somado ao atual clima político entre Brasil e Israel, parece que o contrato se conforma mais como um crédito de guerra a Elbit Systems que qualquer outra coisa.

O que faz o fato que o orçamento pelos obuseiros chegue do Novo PAC ainda mais contraditório é que, de acordo com o Estadão em 18 junho 2024, a empresa eslovaca Zuzana teria firmado uma parceria com a brasileira Avibrás, que está nesse momento lidando com problemas financeiros e esse contrato teria aberto a possibilidade de salvar uma empresa brasileira.

Além dos objetivos do Novo PAC, a Lei nº 12.598/12  sobre normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e de sistemas de defesa estabelece que pode-se considerar Empresa Estratégica de Defesa somente empresas que, entre outras, podem assegurar que o conjunto de sócios ou acionistas e grupos de sócios ou acionistas estrangeiros não possam exercer em cada assembleia geral número de votos superior a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser exercidos pelos acionistas brasileiros presentes.

O uso da lei no contexto das contratações de produtos ou sistemas de defesa é obrigatório.

A Elbit Systems, de fato, tem parceria no contrato com uma empresa “brasileira”, a AEL Sistemas, porém, ela é uma subsidiária da Elbit Systems e não cumpre os requisitos para a definição dos EEDs.

É bom lembrar também como a gaúcha AEL Sistemas tornou-se uma subsidiária da Elbit, já que mostra bem as dinâmicas do processo de israelização da indústria militar brasileira em curso há mais de duas décadas.

AEL Sistemas estava com problemas financeiros, mas bem posicionada para vencer uma licitação importante, talvez capaz de salvá-la. A FAB decidiu contra a AEL e concedeu o contrato à Elbit Systems. Quando a AEL falhou, a Elbit foi rápida em assumir o controle.

De acordo com o exército brasileiro, ao contrato de R$ 900 milhões pela taxa de câmbio atual, tem-se acrescentado um gasto de 15% a 20% adicionais no treinamento e capacitação de suas tropas para uso do equipamento.

Federico Medella, diretor comercial da Ares, outra empresa brasileira que a Elbit comprou, explica: “O EB contará com uma equipe de profissionais altamente qualificada e capacitada, com amplo conhecimento da operação e manutenção do sistema”. Isso, imagina-se, se refere ao pessoal do exército genocida israelense.

Os “especialistas” do treinamento serão os que tem sido lançados ou os que tem treinado quem lançou os 155mm que tem tido um papel fundamental no genocídio em Gaza?

De acordo com a política brasileira que reconhece que Israel está cometendo crimes de guerra e um genocídio, essas pessoas, em vez de serem pagos pelo EB para treinamentos teriam que ser responsabilizados pela justiça brasileira pelo princípio da jurisdição internacional por atos criminosos sob o direito internacional.

Os drones que não voam

contrato de R$86 milhões pela manutenção de dois drones RQ-1150 Heron I, da Israel Aerospace Industries, um modelo que Israel já tem posto fora de uso por ser desatualizado, foi assinado em maio de 2024 por inelegibilidade de licitação.

Um total de 64 partidos e organizações da sociedade civil questionaram o contrato que fornece manutenção ao longo de 5 anos. Além de ser outro financiamento ao genocídio israelense, a história dos dois drones é, a dizer pouco, bizarra.

Os drones em questão foram adquiridos em 2009 e desabilitados em 2016 por falta de uso. Voaram apenas mil horas das 40 mil previstas.

A primeira compra e licitação do Heron I da IAI já foi altamente questionável, por não observar os custos futuros necessários para manutenção e pelo fato de que esses VANT são valorizados sobretudo pela sua grande carga útil – até 490 kg de explosivos -, e de fato dificilmente adequados para o programa de vigilância da Polícia Federal na região de Foz de Iguaçu (projeto SISVANT) pelo qual foram comprados inicialmente.

Em janeiro de 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro, foi feito um novo contrato com a IAI para a manutenção dos equipamentos. Em novembro de 2019, foi criado o Grupo de Trabalho Sierra que efetuou 40 minutos de voo com os drones.

Em agosto de 2020, se extingue o GT-Sierra. Desde então, os drones são usados pela Esquadrilha IVR no 1º/7º GAV, e a função dos drones agora é descrita como “disseminar conhecimentos e doutrinas relacionados ao emprego dos sensores imageadores aeroembarcados nas aeronave P-3AM e RQ-1150 Heron I”, ou seja, servem para que militares possam testar os sensores do Heron I sem que se entenda a utilidade disso posto que depois os drones não se usam.

Que função teriam os treinamentos no Heron I pelos pilotos dos aviões anti-submarinos P-3AM da Lockheed, renovados na sua tecnologia pela franco-alemã Airbus Defense and Space, é um mistério da FAB.

Também fica a pergunta: Qual é a razão pela qual os pilotos do P-3AM não podem estudar os sensores do P-3AM no P-3AM?

Embora a FAB use outros drones, por exemplo, na militarização do Rio de Janeiro, nunca ao longo dos 14 anos em que o Brasil tem gastando somas exorbitantes de dinheiro nesses drones, foi relatado um qualquer uso operacional – no bem ou no mal – desses equipamentos.

Os RQ-1150 Heron I foram comprados por R$ 27 milhões cada um, e quando foram desabilitados o gasto total do projeto SISVANT chegou a R$150 milhões.

Incluindo os R$86 milhões, e sem contar o contrato durante o governo Bolsonaro, do qual não sabemos o valor, o estado brasileiro já gastou de manutenção pelo menos R$ 236 milhões, pagando mais do que quatro vezes o seu custo inicial. Isso, quando ironicamente a IAI promove os Heron como VANT com “baixo custo do ciclo de vida” (low lifecycle cost).

Surpreende também que o atual contrato de R$86 milhões de manutenção prevê 2.417 horas de voo, ou seja R$ 35.581 por hora. No entanto, o projeto SISVANT tinha previsto 40 mil horas de voo, com um gasto por hora prevista de R$ 3755. Como o gasto por hora de voo aumentou quase 10 vezes?

O país já empreendeu recursos de manutenção que seriam suficientes para a compra de novos drones de outras empresas não-israelenses. Visto que a Embraer, em 2021, começou a produzir drones brasileiros, com um novo modelo desenvolvido em 2022, e em linha com a Lei nº 12.598/12, tem a possibilidade, se não a obrigação, de substituição por produtos nacionais.

De fato, pesquisadores e especialistas brasileiros têm criticado a escolha da FAB por continuar e aprofundar a dependência de estados estrangeiros e pôr em risco a soberania nacional.

Acordos de cooperação com o genocídio e o apartheid

Em meio ao genocídio em curso contra o povo palestino, a Câmara dos Deputados do Brasil aprovou 3 acordos de cooperação com o Estado de Israel, assinados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, um deles na área de “segurança pública”.

Além destes, outro acordo de cooperação militar, também assinado por Bolsonaro, já havia sido ratificado pelo Congresso Nacional em 2022.

Acordo na área militar visa, além da cooperação “nos campos da aquisição, pesquisa e desenvolvimento, apoio logístico e mobilização”, a “permitir às Partes beneficiaram-se de projetos de interesse mútuo, intercambiar tecnologias, treinamento e educação em questões militares (entidades governamentais ou privadas de seus respectivos países)” e a “compartilhar conhecimentos e experiências operacionais”.

Essa cooperação inclui “intercâmbio de pessoal”, “intercâmbio de dados técnicos, informações e hardware” e “pesquisar projetos de equipamentos de interesse mútuo de ambas Partes, com a finalidade de produção e comercialização”.

Em outras palavras, o Acordo sanciona a plena participação no genocídio do povo palestino através da cooperação e ajuda dada e recebida das forças armadas israelenses e entidades privadas.

Parece preocupante também no contexto brasileiro a perspectiva de entidades privadas e públicas brasileiras beneficiar-se de “experiências operacionais” genocidas.

Acordo relacionado a “segurança pública”, ainda em tramitação no Senado, visa a cooperação nas “práticas de governança em ações conjuntas” e “compartilhamento de conhecimento, experiências, expertise, informação, pesquisa e boas práticas”.

O Acordo tem como contraparte o Ministério de “Segurança Nacional” de Israel, liderado por Itamar Ben-Gvir, o colono condenado pelas mesmas cortes israelenses por fazer parte de um grupo terrorista “Kach”. Atualmente é entre os mais explícitos no incitamento ao genocídio do povo palestino.

Por décadas as forças armadas brasileiras têm defendido as suas relações com Israel argumentando que precisam da “melhor tecnologia”.

Esquecendo por um momento qualquer moral, política e doutrina legal, fica a pergunta: As forças armadas brasileiras acham seriamente que a tecnologia que fracassou e continua fracassando no seu objetivo de vigiar uma faixa de 365 km2 (mais ou menos a dimensão de Belo Horizonte) sem bosques nem montanhas, é indispensável no objetivo de segurar o território e as fronteiras brasileiras?

Um genocídio que comporta a destruição total de um território, o despejo e a fome extrema de toda a população, mais de 37 000 mortos até agora, não é um êxito.

Perante a derrota militar do exército e da tecnologia israelense frente a um grupo armado, completamente isolado do mundo há 17 anos, qualquer militar que prega a cooperação e intercâmbio de experiências e práticas com esse exército genocida não somente é moralmente e politicamente deplorável e incita o Brasil à participação em crimes internacionais, ele é intelectualmente desonesto.

O petróleo brasileiro: abastecer o genocídio

Em pesquisa encomendada por Oil Change International e publicada em março de 2024, denuncia-se que o Brasil, em fevereiro de 2024, figurava como terceiro mais importante exportador de petróleo bruto a refinarias israelenses, que direcionam o combustível ao abastecimento de tanques, aviões e outros veículos militares.

A maioria do petróleo bruto das refinarias israelenses é composto de petróleo da região do Mar Cáspio – especificamente, petróleo bruto do Azerbaijão canalizado através do oleoduto Baku – Tbilisi – Ceyhan e petróleo bruto do Cazaquistão e da Rússia que viaja através do Consórcio do Oleoduto Cáspio.

Com a decisão da Turquia de proibir a exportação de petróleo a Israel, os fornecimentos do Brasil tornam-se ainda mais fundamentais para o projeto colonialista israelense, já que ambas as rotas do mar Caspio passam pela Turquia.

A pesquisa do movimento “Nossa Classe” dos petroleiros no Rio de Janeiro denunciou em abril de 2024 que “mais de dois meses de todo petróleo consumido em Israel, para mover suas tropas de ocupação colonial e que expulsam e matam palestinos, é feita pela Petrobrás. Quase 30% de todas exportações brasileiras feitas para Israel é feita pela Petrobrás. Ou seja, uma canetada do ex-presidente da empresa, o senador petista Jean Paul Prates, romperia esse fluxo” (veja PS do Viomundo).

Talvez com a nova diretora da Petrobras, Magda Chambriard, essa canetada seja possível.

Código de Conduta da Petrobras declara que “É dever da Petrobras respeitar, conscientizar, prevenir a violação e promover os direitos humanos em suas atividades e atuar em conformidade com os direitos humanos protegidos por tratados e convenções internacionais, além de reparar possíveis perdas ou prejuízos decorrentes de danos causados sob sua responsabilidade às pessoas ou comunidades impactadas por suas atividades, com a máxima agilidade.”

No entanto, por agora, Israel é o décimo maior destinatário da Petrobras em geral e, no caso de óleo cru, o nono, com um valor exportado entre o 2019-2023 em petróleo de US$1.103.249.068,20.

Enquanto isso é uma importante contribuição a sustentabilidade do apartheid e genocídio de Israel, pela Petrobras é o 0.23 % das suas vendas.

A Data Desk detectou a exportação de mais de dois carregamentos de 260.000 toneladas entregues a Israel desde 13 de Outubro provenientes de campos de propriedade conjunta da Shell e da Petrobras.

Os embarques do Brasil foram feitos por meio de navios-tanque que desligaram seus transponders AIS na área de Port Said STS, no Egito, antes de chegarem a Israel.

A Data Desk forneceu provas detalhadas da entrega do petróleo bruto ao terminal da Europe Asia Pipeline Company (EAPC) ao sul de Ashkelon, a partir do qual os oleodutos abastecem as refinarias de Haifa e Ashdod. Ambas as refinarias são cruciais para fornecer combustível às forças armadas de Israel.

A origem do óleo é da área do Pré-Sal dos seguintes campos de produção: Berbigão (130 mil toneladas) e Tupi (43,33 mil), Iracema do Norte (43,33 mil) e Sapinhoá (43,33 mil). Todos esses campos são operados pela Petrobrás, que possui a maioria de participação, formando um consórcio com a Shell, Repsol Sinopec e Galp, entre outras.

De acordo com a pesquisa do Diário Esquerda, além dessas áreas de produção, foi vendido para Israel, ao longo do ano de 2023, o petróleo cru produzido no campo de Búzios, de propriedade da Petrobrás.

Outros portos usados nos últimos cinco anos pela exportação de petróleo a Israel são Porto de Santos (SP), foram utilizados o terminal do Açu (RJ); Terminal Petroleiro de São Sebastião -TEBAR (SP) e Terminal Petrobras Ilha Conceição (RJ).

Uma vez descarregada no porto israelense, o petróleo chega às refinarias de Ashdod ou de Haifa.

A refinaria de Ashdod, que foi desmembrada do grupo Paz em outubro de 2023, produziu 262.000 toneladas de combustível de aviação entre janeiro e junho de 2023, 11% da sua produção total.

De acordo com o relatório financeiro do quarto trimestre de 2023 do Grupo Paz, sua subsidiária, Paz Aviation Services mantém um contrato ativo para abastecer aeronaves em sete bases aéreas militares em Israel, que parecem cobrir a maior parte do patrimônio da Força Aérea Israelense.

O Grupo Bazan, proprietário da refinaria de Haifa, orgulha-se de “fornecer energia contínua aos veículos, às forças armadas e a toda a economia energética”. A refinaria de Haifa fornece combustível para os postos de gasolina Delek e Sonol.

Os militares israelenses estão autorizados a abastecer os seus veículos em qualquer um dos cerca de 400 postos de gasolina de Delek e Sonol, ao abrigo de um contrato do 2021.

Data Desk tem relevado entregas de petróleo bruto dos campos de Berbigão, Sapinhoa, Tupi, Iracema Norte, Iracema Sul e Búzios em 2023 e 2024.

Além de abastecer o projeto colonial israelense na Palestina, a exportação do petróleo alimenta também a exploração neo-colonial no Brasil.

O vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, Felipe Coutinho afirma: “O Brasil está sendo submetido à exploração do tipo colonial, depois dos ciclos do pau-brasil, do açúcar, do ouro, prata e diamantes, do café, da borracha e do cacau, é a vez do ciclo extrativo e primário exportador do petróleo brasileiro”.

ALC Mercosul-Israel: o comércio livremente ilegal

Outra medida que o Brasil teria o dever de tomar é, finalmente, suspender o Acordo de Livre Comércio (ALC) Mercosul-Israel que, desde o dia que entrou em vigor, está em violação das suas próprias normas.

O ALC lembra a história da resolução da repartição da Palestina nas Nações Unidas que o diplomata Oswaldo Aranha, como presidente da Assembleia Geral, promoveu.

Prometeram ao povo palestino, em troca da perda de 58 % do seu território ancestral, a concessão de um estado em 42% do território restante. Só que nunca aconteceu nem isso.

Na mesma maneira, em troca do favorecimento da economia israelense, sustentando o seu regime de apartheid, a diplomacia brasileira incluiu uma clausula no Acordo que ia excluir os produtos dos assentamentos israelenses que se expandem ilegalmente na Cisjordania ocupada. Só que nunca aconteceu nem isso.

Em 18 de dezembro 2007, o ALC foi assinado em Montevidéu. E em 11 de setembro 2009 a Comissão Parlamentar Brasileira de Relações Exteriores e Defesa Nacional recomendou a não ratificação do ALC entre o Mercosul e o Estado de Israel até que “Israel aceite a criação do Estado palestino nas fronteiras de 1967”.

Lamentavelmente, em 17 de dezembro de 2009, o Congresso Nacional ratificou o texto do ALC, conforme o Decreto Legislativo nº 936 introduzindo a cláusula interpretativa em Art.2:

“Art. 2º O Congresso Nacional aprova o texto do Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e o Estado de Israel, assinado em Montevidéu, em 18 de dezembro de 2007, no entendimento de que o Brasil negociará, no âmbito do Comité Conjunto estabelecido pelo Capítulo IX do referido diploma legal, a exclusão da cobertura do Acordo dos bens cujos certificados de origem indiquem, como procedência, locais submetidos à administração de Israel a partir de 1967”.

Em 28 de abril de 2010, o ALC Mercosul-Israel entra em vigor.

No dia 3 de maio de 2010, é publicada a portaria SECEX nº 08, dispondo sobre a certificação de origem no âmbito deste Acordo: “Verificações posteriores dos Certificados de Origem serão conduzidas aleatoriamente ou sempre que a Secretaria de Comércio Exterior e/ou as autoridades aduaneiras do Brasil tenham dúvidas razoáveis sobre a autenticidade de tais documentos, o status de originário dos produtos em questão ou o cumprimento dos outros requisitos do Capítulo IV do Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e o Estado de Israel.”

Em junho de 2010, a Argentina, como Presidência Pro Tempore do Mercosul, encaminhou à chancelaria israelense Nota Verbal com vistas a comunicar a posição do bloco de que a cobertura do acordo não se estendia aos territórios ocupados por Israel desde 1967.

Em abril de 2012, na primeira Reunião do Comitê Conjunto do ALC Mercosul-Israel, os sócios do Mercosul indicaram a intenção de negociar o estabelecimento de mecanismo que permita a identificação precisa da origem dos produtos.

Em outubro 2013, a Rede Brasileira pela Integração dos Povos e a Campanha Palestina Stop the Wall encaminharam uma carta ao Itamaraty e ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), contestando a entrada, no Brasil, de produtos parcialmente ou totalmente produzidos nos assentamentos ilegais.

O Itamaraty esclareceu que não seriam tomadas medidas naquele momento e que “O entendimento atual do governo brasileiro é que, como resultado das negociações com Israel, haverá melhores condições operacionais para a tomada de medidas fiscalizatórias específicas, inclusive em relação a casos como os apontados na correspondência da REBRIP e da Stop the Wall.”

MDIC respondeu através do DEINT: “Em atenção à solicitação de Vossa Senhoria informamos que a questão abordada por seu requerimento é regulada pelas diretrizes do Decreto 936/2009. Todavia, em respeito e deferência ao legítimo interesse do cidadão, esclarecemos que a adoção de medidas fiscalizatórias específicas ficará a cargo da Receita Federal do Brasil, que as promoverá tão logo se ultimem as negociações a que se refere o Decreto em questão”.

Passaram-se dez anos e em 2023, o Ministério de Relações Exteriores informou à liderança do PSol na Câmara dos Deputados que a III Reunião do Comitê Conjunto ainda não foi agendada e que ainda estão aguardando a conclusão de negociações.

Segundo o Ministério, o Brasil e demais membros do MERCOSUL voltarão a exigir a discussão da implementação do Artigo 2º do Decreto Legislativo nº936 apenas nessa reunião.

Agora é hora de cancelar o Acordo De Livre Comércio e não somente excluir os produtos dos assentamentos do contrato.

Como Amnistia Internacional, Human Rights Watch e os maiores especialistas na área tem defendido, os produtos dos assentamentos israelenses são ilegais, tal como é o comércio com esses produtos já que auxilia e ajuda a colonização e a limpeza étnica do povo palestino.

*Maren Mantovani é coordenadora das relações internacionais da Campanha popular palestina contra o Muro do Apartheid (Stop the Wall) e faz parte do secretariado internacional do comité nacional do Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS).

Com informações da VioMundo

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