Nando Moura faz parte de grupo de influenciadores digitais recomendado por Bolsonaro
POR VINÍCIUS SEGALLA
O Ministério Público do Estado de São Paulo requereu junto à Justiça, em processo penal que corre na Vara do Juizado Especial de Embu das Artes (SP), que o youtuber Nando Moura seja condenado por injúria e difamação de uma estudante do interior de São Paulo, a quem chamou de “vagabunda” por três vezes em vídeo publicado na internet e visto por mais de 100 mil pessoas.
A pena requerida pela promotoria paulista é de dois anos de detenção.
O episódio ocorreu no final de 2015, mas o processo número 1013015-97.2016.8.26.0506 estava parado até janeiro deste ano.
Isso porque os advogados da estudante ofendida pelo youtuber levaram quase dois anos até conseguir entregar a citação para o réu, conhecido defensor dos ideais de direita e do governo de Jair Bolsonaro.
Durante este tempo, oficiais de Justiça buscaram Moura nos endereços constantes em suas contas de telefone celular e outros serviços, e também na casa de sua mãe (que disse que o filho tinha se mudado dali, mas que ela não sabia para onde), sem nunca encontrá-lo.
Foi só quando Moura passou a ser parte de outra ação judicial, ali informando seu endereço de fato, já neste ano, que a Justiça citou o réu e deu andamento ao processo. A queixa crime contra o youtuber se deu em virtude de um vídeo a respeito de um episódio de racismo que tinha ocorrido na Faculdade de Direito da USP em Ribeirão Preto.
Nele, Nando Moura se referia a uma estudante negra que havia tomado parte em protestos contra a manifestação racista. Suas palavras que ensejaram o processo penal foram:
“É isso que você quer, não é, sua vagabunda? Se fazer de coitada para conseguir mamar nas tetas do governo. É ou não é? É claro que é!”
No mesmo vídeo, Moura chama a vítima de vagabunda mais duas vezes. Por determinação judicial, o material foi excluído do Youtube, mas segue anexado aos autos processuais. A estudante ofendida se chama Poliana Cchinamerem Moreira Kamalu.
Foi ela quem instaurou a queixa crime contra Nando Moura, por injúria e difamação.
No dia 29 de janeiro deste ano, o Ministério Público protocolou petição ao juizado que cuida do caso, requerendo a condenação do réu pelos crimes de que é acusado, com pena de dois anos de detenção, conforme despachou a promotora Juliana L. B. Magalhães:
“O agente, por três vezes, injuriou a vítima, chamando-a de “vagabunda”. (…) Ademais, o agente, neste mesmo vídeo, em outro momento, aduz que a vítima quer “mamar nas tetas do governo”. Entendo que essa afirmação é difamatória. (…) Entendo que houve concurso material, chegando a pena máxima a 02 anos.”
A origem das ofensas
Em outubro de 2015, foram encontradas, nas paredes de um banheiro da Faculdade de Direito da USP – campus de Ribeirão Preto, as seguintes pichações:
“Aqui é faculdade de gente inteligente (e branca). Cotas pra preto? Macacos cotistas fora da FDRP!”
Após a repercussão gerada pelo fato, a administração da Faculdade de Direito criou uma comissão sindicante para descobrir o autor das ofensas e repudiou veementemente seu conteúdo. Além disso, uma entidade chamada Coletivo Nergro, formada por alunos negros da instituição – elaborou uma intervenção que envolvia a leitura de um texto de repúdio ao ocorrido.
A vítima de Nando Moura foi a estudante escolhida para ler a mensagem em todas as salas de aula da faculdade, com autorização da diretoria. Na intervenção, a estudante, além de repudiar especificamente as pichações, protestava contra as circunstâncias históricas do Brasil que contribuem para o “racismo estrutural” existente no país.
Em uma das salas, o discurso lido pela estudante Poliana foi gravado por um dos alunos, e logo depois publicado e replicado nas redes sociais.
Foi o conteúdo deste material que incitou a ira de Nando Moura. Em vídeo divulgado pelo youtuber, a estudante, chamada de vagabunda por três vezes, é acusada de fazer-se de vítima de uma situação que já não existiria mais.
Nando Moura disse que a escravidão acabou há mais de um século e que, por isso, hoje em dia, todos são iguais, não importando a cor da pele, e que tudo o que Poliana estava querendo era obter cotas raciais no sistema público de ensino para, assim, “mamar nas tetas do governo”.
Em novembro do ano passado, o então presidente eleito da República postou a mensagem abaixo, recomendando o canal de Nando Moura como “excelente opção de informação no Youtube”.
Outro lado
De acordo com a Defesa de Nando Moura, nenhum crime ocorreu, pois suas palavras devem ser vistas como “exercício claro e inalienável de seu direito de expressão”.
Além disso, afirma a Defesa, o fato de a estudante ofendida participar de um coletivo de combate ao racismo a torna sujeita a este tipo de crítica:
“Há de se ressaltar que a Querelante (Poliana), (SIC) colocou-se em posição pública de destaque, qual seja, representante de organização política formada por alunos negros da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, denominada ‘Coletivo Negro’. Nessa condição, evidentemente, a Querelante está naturalmente mais sujeita à crítica, ampliando-se sobremaneira o direito à liberdade de expressão.”
A Justiça deverá proferir sentença em primeira instância sobre o caso nas próximas semanas ou meses.
Como se observa no vídeo abaixo, Poliana não é a primeira pessoa a quem Nando Moura ataca em seu canal de Youtube.