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O prêmio Nobel Adolfo Pérez Esquivel foi ao ponto: “Temo pela vida de Lula”. As palavras do argentino estão numa entrevista concedida após a proibição de que o ex-presidente pudesse comparecer ao enterro do irmão Vavá. As leis brasileiras, esbulhadas sob o comando de quem justamente deveria ser o primeiro a defendê-las, o Supremo Tribunal Federal, já nada valem num país onde desde o golpe de 2016 vigora um estado de exceção.

Como que entorpecida pela ofensiva da extrema direita, a maioria dos brasileiros assiste sem reação aparente ao rebaixamento na escala civilizatória.

Reforma trabalhista, censura à imprensa e ataque a jornalistas, desemprego, criacionismo nas escolas, xingamentos por parte de “autoridades”, bruxarias transformadas em “ciência”, licença para matar, anistia antecipada para empresas abutres como a Vale –não há um setor da vida dos cidadãos que venha sendo poupado.

A próxima contenda está marcada: a liquidação da aposentadoria. Não basta destruir o presente do povo; o futuro também tem que ser eliminado, em benefício do grande capital.
Mas para isso é preciso apagar vestígios de um tempo em que o país chegou a sonhar com uma existência melhor. Até os adversários sabem: o maior símbolo daquela época se chama Luiz Inácio Lula da Silva.

Para quem tinha dúvidas de que Lula é um preso político, a crueldade que cercou a proibição de assistir ao enterro do irmão dirimiu qualquer incerteza. Num artigo magistral, Paulo Moreira Leite, aqui no 247, expôs o significado da decisão. Nem mesmo na ditadura militar, Lula, então preso, foi impedido de presenciar o enterro de um parente, no caso sua mãe. Diferentemente de agora, inexistia lei que lhe desse esse direito. Mas até Romeu Tuma, que nunca foi flor que se cheire, permitiu o acesso.

Lula está sendo alvo de um cerco brutal, truculento, homicida. Querem matá-lo de inanição, não a mais comum, como impedi-lo de comer. Quem conhece um pouco daquele que sem dúvida é o maior líder popular da história do país, sabe que Lula respira política, adora conversar, tem apego pela família, é capaz de atravessar madrugadas em claro só pelo prazer de um bate-papo com amigos ou contatos com o povo.

Não, não é nenhum santo. Mas na balança de erros que condenaram o Brasil a um atraso multissecular, os equívocos de Lula estão a anos-luz da rapinagem selvagem a que o país foi submetido antes de seus mandatos. Com uma agravante a condenar seus inimigos: Lula está preso sem provas, nenhuma prova, num dos processos mais indecorosos e injustos do direito consagrado mundialmente.

A estratégia em curso está mais evidente do que nunca. Lula não é nenhuma criança, ou jovem cheio de energia. Nos últimos anos, foi humilhado ao limite sob os olhares complacentes do STF e seu capataz, Sérgio criminoso Moro. Sofreu um câncer, viu sua mulher morrer de desgosto com a perseguição desumana de que a família foi vítima, está confinado a uma solitária e agora até as escassas visitas que recebe estão prestes a ser limitadas.

Sua capacidade de enfrentar tudo isso desafia até os mais otimistas. Como presidente que deixou do cargo com quase 90% de popularidade, Lula poderia muito bem-estar gozando um fim de vida merecido em qualquer lugar do mundo, fazendo uma palestra por mês. Há uma fila de candidatos dispostos a pagar 100 mil dólares por uma hora de discurso dele. Lula poderia ter saído do país –oportunidades não faltaram. Mas não.

O líder metalúrgico que venceu tantas barreiras resolveu que seu compromisso com o povo está acima destas miudezas. Mas o corpo humano tem seus limites. Não encontrei Lula na cadeia, mas relatos confiáveis dão conta de sua depressão crescente, de sua tristeza em ver o país sendo levado ao precipício sem uma resistência à altura por parte de quem se diz defensor de um país melhor.

O Brasil que se pretende soberano, menos injusto, menos desigual, mais civilizado, tem uma dívida com Lula. Aqueles que se reivindicam deste legado não podem ficar calados ou se resumir a manifestos redigidos em ambiente refrigerados para depois disputar um lugar de destaque em fotos ao lado de um caixão. “Temo pela vida de Lula”. Assino embaixo deste chamado de Adolfo Pérez Esquivel.

Por Ricardo Melo, do Jornalistas pela Democracia

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