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Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 1998 a 2014 (nomeado por Fernando Henrique Cardoso), ex-corregedor nacional de Justiça e ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o ministro aposentado e advogado Gilson Dipp chamou a atenção nos últimos dias por ter analisado de forma técnica os fatos relacionados ao julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele considerou o pedido de retenção de passaporte por um juiz de Brasília “autoritário e absurdo”. Também avalia que a tese defendida pelo juiz Sérgio Moro para condenar o ex-presidente é “questionável” e acha que Lula é elegível “até que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decida a respeito”.

Durante entrevistas concedidas para vários veículos nos últimos dias, entre os quais a Rede Brasil Atual, a rádio do Zero Hora, no Rio Grande do Sul, e o programa Correio Debate, do jornal Correio Braziliense e da TV Brasília, em Brasília, o ministro reiterou diversas vezes a mesma posição: a de que, a seu ver, o Ministério Público tem cometido excessos nos casos envolvendo o ex-presidente da República. Embora elogie o instrumento da delação premiada e a Operação Lava Jato, ele teme que tais ações possam influenciar ainda mais o ambiente hostil e de confrontos observado nas ruas.

“Foi uma decisão inaceitável juridicamente e que inflama ainda mais os movimentos sociais que defendem o ex-presidente. Estamos em um momento de acirramento dos ânimos, de atropelo de instrumentos de defesa do cidadão”, afirmou, em relação à apreensão do passaporte – determinada por um juiz federal do Distrito Federal, responsável por outro processo contra o ex-presidente e que nada tem a ver com o julgamento do TRF4, da última quarta-feira (24). Dipp criticou o fato de, em um processo que ainda está em andamento, o magistrado ter feito este pedido.

“O TRF4 poderia agora ou depois reter o passaporte do Lula, mas isso ser feito por um outro juiz que está em Brasília, cuidando de um outro processo que se encontra em fase muito inicial, não tem cabimento”, reclamou.

O ex-ministro lembrou que para se fazer um pedido de retenção de passaporte é preciso que existam indícios concretos de perigo de fuga do réu. O que, em sua avaliação, não aconteceu – mesmo com o ex-presidente tendo em sua agenda viagem marcada para a Etiópia, para evento sobre políticas de combate à fome (ao qual não pôde comparecer).

Proteção contra o cidadão

Segundo Gilson Dipp, “o Direito Penal é uma proteção que o cidadão tem contra as arbitrariedades do Estado, motivo pelo qual não deveria ser utilizado dessa forma”. “Para a retenção do passaporte do ex-presidente era preciso ser feita uma fundamentação específica para a execução inicial da pena”, disse, ao destacar que espera ver a decisão revertida em outra instância.

Dipp também reiterou posições que defende há anos, como o fim do foro privilegiado, e questionou a forma de atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). “Lá cada ministro é uma ilha isolada no seu arquipélago”, afirmou.

Ele disse não concordar com o entendimento defendido pelos desembargadores do TRF4, durante o julgamento do recurso de Lula na última semana, ratificando a tese do juiz Sérgio Moro de que não é preciso comprovar a existência de um ato de ofício específico para configurar corrupção – usado no processo relacionado ao apartamento tríplex no Guarujá. Segundo Dipp, essa interpretação é “discutível”.

Sem posse física

“Os magistrados entenderam assim, tomando como base o conjunto das provas, mas não acho que esteja comprovado o ato de ofício. Se o ex-presidente tivesse dormido ao menos uma semana nesse apartamento com Dona Marisa, ainda se poderia falar que havia uma prova de que o imóvel é dele. Mas não há posse física do imóvel”, avaliou.

Dipp comparou o caso com o do dinheiro apreendido em um apartamento que tinha sido emprestado ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) em Salvador, contendo malas com um total de R$ 51 milhões. “Neste caso (do Geddel) houve uma prova concreta, que foi o dinheiro apreendido. No caso do tríplex, não houve prova alguma”, repetiu.

O ex-ministro disse considerar a delação premiada um instrumento fundamental para a investigação de crimes complexos transnacionais, em especial na apuração de delitos praticados por organizações criminosas (contra a administração pública ou de tráfico de pessoas e entorpecentes), mas defendeu que, por se tratar de um instituto novo no Brasil, ele ainda não passou por uma readequação no sistema legal e constitucional do país e precisa ser utilizado com cautela.

Sobre o fato de Lula não poder mais ser candidato à presidência, ele pediu prudência e afirmou que é preciso esperar decisão por parte do TSE, uma vez que a Corte já julgou vários casos de candidatos que conseguiram suspender condenações antes ou mesmo durante o debate eleitoral.

“Quem vai dizer se Lula é ou não inelegível é o TSE. Matéria eleitoral sempre vai para o crivo do tribunal. É claro que o TSE não pode deixar de examinar o que foi dito na sentença penal, mas lá o juízo é outro”, afirmou. O ex-ministro acha que a Corte permite maior espaço para interpretação da lei em relação à situação do ex-presidente.

Por Hylda Cavalcanti, Rede Brasil Atual